Acórdão nº 842/02.2TXCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução25 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

16 I – RELATÓRIO 1.

Nos autos registados sob o n.º842/02.2TXCBR-A, do Tribunal de Execução das Penas (TEP) de Coimbra, foi concedida ao recluso L..., melhor identificado nos autos, a liberdade condicional, por decisão de 20 de Outubro de 2008, até ao termo da pena e sob as condições que então foram determinadas, por se entender que o mesmo havia já cumprido 5/6 da pena.

  1. Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição): 1. Não podem ser cumpridas sucessivamente com penas cumpridas e extintas, novas penas posteriores.

  2. A prisão preventiva é uma medida de coacção, não sendo cumprimento de pena.

  3. Uma prisão preventiva iniciada no termo do cumprimento de penas efectivas interrompe o cumprimento sucessivo.

  4. Não é possível fazer retrotrair à data da prisão preventiva o início do cumprimento da pena.

  5. A prisão preventiva apenas se desconta no cumprimento da pena.

  6. As penas cumprem-se para o futuro, após trânsito em julgado da decisão condenatória.

  7. Não havendo cumprimento sucessivo de penas não há lugar ao cálculo de 5/6 da respectiva soma.

  8. Penas integralmente cumpridas em 3-09-06 não podem ser adicionadas a uma pena cuja condenação transitou em julgado em 5-01-07.

  9. A revogação de saída precária prolongada depende de decisão do juiz do TEP, não podendo ser presumida nem se tratando de facto naturalístico.

  10. A contagem deve ser efectuada de acordo com os parâmetros legais, não bastando a afirmação de estar ultrapassado o prazo.

  11. Se fosse correcta a posição da M.ma Juiz a quo haveria que apurar responsabilidades por um excesso de prisão.

  12. Foram violadas as normas dos artigos 61.º e 63.º do C.P., e artigo 484.º do Código de Processo Penal.

    Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a tempestiva reapreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de Direito e só assim se fará Justiça.

  13. O condenado respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1. O tempo de prisão preventiva cumprido pelo Arguido deve ser descontado ao tempo de cumprimento efectivo da pena sofrido no processo criminal para efeitos de contagem do prazo de duração máxima desta medida de coacção.

  14. Tendo o Arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento do tempo de prisão a que foi condenado, o cálculo de 1/2, dos 2/3 e dos 5/6 da pena conta-se a partir da data do início do cumprimento da pena de prisão preventiva já cumprida, importando para o referido cálculo o tempo de detenção já cumpridos.

  15. Ao interpretar-se de forma diferente, como parece ter feito a Digna Procuradora Adjunta está a violar-se o princípio da continuidade da pena e o disposto no art. 61°, n.º 4 e 5 do Código Penal.

  16. Tendo o arguido cumprido prisão preventiva antes do início do cumprimento do tempo de prisão que resta cumprir, tais períodos contam por inteiro, e sem qualquer restrição, para o cômputo dos prazos relevantes para a liberdade condicional a que se refere o art. 61°, n.º 2, 3, 4 e 5 do Código Penal.

  17. A solução contida na decisão em recurso será a que melhor corresponde a dois princípios fundamentais: - Em primeiro, o princípio de que o desconto se concretiza no cumprimento da pena e não na pena, ou seja, se o arguido tinha já sofrido detenção anterior, considera-se que começou mais cedo a cumprir a sua pena.

    - Em segundo, que na ausência de norma própria, se deverá optar pela solução que prejudique menos o arguido. O desconto inicial sempre permite que o arguido atinja mais cedo a data relevante para eventual liberdade condicional.

  18. É ao juiz que cabe dirigir a execução e, consequentemente, não podem ficar de fora dessa competência actos tão importantes como os da determinação da data do termo do cumprimento da pena de prisão e, bem assim, do momento a partir do qual o condenado pode ou deve beneficiar da liberdade condicional.

  19. De acordo com o n.º 2 do art. 94° do citado diploma, pode o juiz ouvir o recluso a sós e pode suspender a sessão do conselho técnico para ordenar quaisquer diligências complementares.

  20. Ainda que os normativos do Código Processo Penal, artigos 484°, n.º3 e 485°, n.º1, concedam ao Ministério Público um papel de acção e um poder de iniciativa processual, e por via disso, imponham uma obrigação de informação a esta entidade dos momentos processuais que se vão desenvolvendo no âmbito do processo, não contraria o procedimento estabelecido no DL n.º 783/76, a não designação e comunicação aos sujeitos processuais para audição do recluso.

  21. Em nosso entender, o anúncio e publicitação da data para a reunião do conselho técnico para audição do arguido, não são actos obrigatórios e vinculativos para a entidade decisória do procedimento, sob pena de ser despojado de qualquer efeito útil.

  22. Em face do supra exposto, consideramos que os despachos que não foram publicitados não constituem actos processuais necessários e vinculativos que comportem violação dos direitos do recluso, pelo que deverão ser considerados como despachos de mero expediente e como tal, insusceptíveis de recurso, à luz do preceituado no art. 400.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal.

  23. Admitido o recurso e mantida a decisão sem acréscimo de razões, subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o mesmo merece provimento (cfr. fls. 54 e 55), dizendo, em síntese: «(…) a lei não determina que após o cumprimento de penas aplicadas e tendo sido aplicada em seguida uma medida de coacção de prisão preventiva à ordem de outro processo, no caso de condenação essa pena se deve somar às anteriores para se encontrar a liberdade condicional obrigatória aos 5/6.

    No caso vertente, os elementos carreados para os autos demonstram que o arguido L…, preso desde 16/02/2001, cumpriu sucessivamente a pena de 5 anos e 4 meses que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico no proc n.º 29/01.1 da comarca de Oeiras e a pena subsidiária de 80 dias de prisão aplicada no proc. n° 819/00.2 da mesma comarca, pena cujo cumprimento terminou em 03/09/2006.

    Em 04/09/2006 o arguido foi preso preventivamente à ordem do proc. n° 799/02.0 da comarca de Oeiras, em que viria a ser condenado em pena de 2 anos de prisão que apenas transitou em julgado em 05/01/2007.

    Refere o Prof Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime § 855, pág. 542 que "Relativamente a condenados a penas privativas de liberdade superiores a 6 anos, estipula o art. 61.º n.º 4 (Lei 59/2007) que eles serão sempre postos em liberdade condicional, logo que hajam cumprido 5/6 da pena, se antes não tiverem aproveitado já deste regime. É a chamada liberdade condicional obrigatória, por oposição à acima estudada, à qual acrescentaria hoc sensu , como «facultativa». " Porém mais adiante e na mesma obra citada refere o seguinte: "Acrescem inevitáveis dificuldades dogmáticas, em boa parte fruto do carácter «obrigatório» da liberdade condicional se atingidos os 5/6 da pena, o agente dever manter-se privado da liberdade à ordem de outro processo. Se uma tal privação for consequência de uma pena, deverá entrar em jogo o sistema da soma a que faz referência no § 846 e seg, o qual deve valer tanto para a liberdade condicional facultativa como para a obrigatória. Se, porém, a privação de liberdade for de natureza processual (prisão preventiva ou situação análoga), sustenta Maia Gonçalves que o condenado lhe deve ser submetido e, finda ela, ser posto em liberdade condicional relativa à pena cujos 5/6 foram cumpridos. A solução parece a única defensável, mas não deixa de tornar visíveis as dificuldades em que incorre o instituto da liberdade condicional dita «obrigatória» ".

    No caso em apreço, a prisão preventiva sofrida pelo arguido foi descontada no respectivo cumprimento de pena de dois anos em que foi condenado no proc 799/02.0, tendo na execução desta pena já sido objecto de apreciação pela Mma Juiz do TEP a eventual concessão de liberdade condicional ao meio da pena, e concluído pela não concessão de liberdade condicional facultativa, uma vez que o condenado não reunia os pressupostos para a sua concessão.

    Assim, somos de parecer que o presente recurso merece provimento, devendo, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro.» 5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º1, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    A questão a apreciar consiste em saber se bem andou o tribunal recorrido ao considerar como execução sucessiva de penas, para efeitos de concessão da liberdade condicional obrigatória aos 5/6, a situação em que o recluso, tendo terminado o cumprimento sucessivo de duas penas e sendo imediatamente ligado a um terceiro processo, na situação de prisão preventiva, veio a ser condenado nesse processo na pena de 2 anos de prisão. Pergunta-se: será que entre esta pena e as anteriores existe uma situação de execução sucessiva? 2. Elementos relevantes 2.1. Colhem-se dos autos os seguintes elementos com relevo para a decisão: 1. L… esteve preso preventivamente à ordem do processo n.º 29/01.1 GEOER, do 1.º Juízo Criminal de Oeiras, desde 16 de Fevereiro de 2001, até ser desligado para cumprir pena imposta no processo 1212/99.3 PCOER, do mesmo tribunal, vindo a ser desligado deste e ligado ao referido processo n.º 29/01.1 para aí cumprir a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão imposta em cúmulo jurídico das penas em que foi condenado nos...

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