Acórdão nº 404/08.0PBTMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2009

Data25 Março 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tomar o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido C...

    , casado, pedreiro, nascido em Tomar e aí residente, imputando-lhe a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.

    Por sentença de 23 de Setembro de 2008 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de ciclomotor sem licença de condução, p. e p. pelo art. 3º, nº 1, do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de seis meses de prisão.

    Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  2. A PENA DE PRISÃO DE 6 MESES NÃO RESOLVE A REINSERÇÃO DO RECORRENTE.

  3. DEVE SER REVOGADA, PORQUANTO NÃO APLICOU CORRECTAMENTE O DISPOSTO NOS ART. 34;35;36;42;43;50;51;52;53;e54.

  4. ATENDENDO AO CIRCUNSTANCIONALlSMO DESTE CASO, DEVE SER REDUZIDA ESPECIALMENTE A PENA, SUBSTITUÍDA POR MULTA, SUSPENSA PELO PERÍODO DE 2 ANOS COM A CONDIÇÃO DE ATÉ 2 ANOS APRESENTAR NESTES AUTOS A RESPECTIVA LICENÇA DE CONDUÇÃO DE MOTOCICLOS OU VIATURAS LIGEIRAS.

    SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA! (…)”.

    Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da respectiva contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

    1. Nestes autos, o recorrente foi condenado na pena de seis meses de prisão, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

    2. Nos termos do preceituado no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal "a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

    3. Por seu turno, o artigo 71.º do Código Penal elenca os factores que devem nortear o julgador na determinação do quantum concreto da pena a aplicar ao arguido.

    4. Transpondo tais critérios para o caso dos autos, constata-se que os mesmos foram tidos em consideração pelo tribunal a quo ao condenar o arguido na pena de seis meses de prisão.

    5. Com efeito, a gravidade intrínseca do ilícito por cuja pratica o recorrente foi condenado, o grau de ilicitude dos factos, o grau de culpa do arguido, que actuou com dolo, na sua forma mais intensa, o dolo directo, a necessidade de prevenir situações como a verificada nos autos e as fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir na nossa sociedade, são factores que, no seu todo, justificam plenamente a pena aplicada.

    6. Acresce que importa atentar no passado criminal do arguido, que já sofreu quatro condenações pela prática deste tipo de ilícito (condução de veículo sem habilitação legal), e declarou encontrar-se a aguardar julgamento no Tribunal das Caldas da Rainha, também pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

    7. De resto, nas condenações anteriores, o arguido foi condenado numa pena de prisão, suspensa na sua execução, e na última condenação sofrida, por sentença proferida em 12 de Janeiro de 2007, foi aplicada ao arguido a pena de dois meses de prisão (prisão por dias livres).

    8. Ora, se as quatro condenações anteriores, duas das quais em penas de prisão, não constituíram advertência suficiente para manter o arguido afastado da prática do mesmo tipo de ilícito, não restam dúvidas de que, no caso dos autos, na quinta condenação aplicada ao arguido só a pena de prisão efectiva irá ter a virtualidade e a eficácia suficiente para repor a validada da norma jurídica violada e para fazer o arguido sentir, de forma efectiva e espera-se, definitiva, o desvalor da sua actuação.

    9. Ademais, o recorrente afirma na sua motivação de recurso que entende que, ao conduzir sem habilitação legal, não pratica nenhum ilícito, o que revela a necessidade premente que o mesmo tem de interiorizar, de uma vez por todas, o acentuado desvalor da sua conduta.

    10. Tudo, para concluir que as circunstâncias do caso mostram que as anteriores condenações não surtiram o desejado efeito de recuperação e de prevenção e que as necessidades de prevenção especial são prementes no caso em apreço.

    11. A confissão dos factos, no caso em apreço, assume uma importância pouco significativa, já que o arguido foi interceptado a praticar o crime em flagrante delito e o próprio afirma que no seu entendimento, não cometeu qualquer crime, o que revela que a tal confissão não está associada qualquer interiorização do desvalor do seu comportamento, nem qualquer arrependimento.

    12. É inquestionável que o recorrente tem o direito de se locomover e de trabalhar. Contudo, no caso vertente, quando foi encontrado a conduzir, no circunstancialismo de tempo e de lugar descritos na douta sentença condenatória, apesar de não estar habilitado para tal, o arguido não se deslocava para o local de trabalho, mas sim, como ficou provado na decisão condenatória (e o recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto), para prestar depoimento perante a Polícia Judiciária, no Tribunal Judicial da comarca de Tomar.

    13. Logo, não colhe, no caso concreto, a argumentação de que conduzir o ciclomotor é, para o arguido uma necessidade imperiosa, uma necessidade absoluta.

    14. No caso vertente, não se mostra preenchida a previsão normativa das causas de exclusão da ilicitude previstas nos artigos 34.º e 35.º do Código Penal, dado que o arguido conduziu para se dirigir ao Tribunal Judicial da comarca de Tomar, a fim prestar depoimento, o que não constitui um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do próprio, nem de terceiros, muito menos um perigo que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do próprio arguido ou de terceiros.

    15. Mesmo que se tratasse de trabalhar, não vemos como admitir que teria actuado a coberto do direito de necessidade ou de um estado de necessidade desculpante, já que não é razoável sacrificar o interesse público da segurança rodoviária, que é manifestamente posto em causa com a condução do recorrente sem estar legalmente habilitado, quando o mesmo poderia deslocar-se de velocípede para o seu eventual local de trabalho.

    16. Face a tais factores entendemos que pena de prisão em quantitativo abaixo do fixado redundaria no descrédito e ineficácia da pena de prisão.

    17. A decisão condenatória fez uma correcta aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto, designadamente, aos dos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, não tendo sido violada qualquer norma jurídica.

    18. Nessa conformidade, deverá ser mantida a douta decisão recorrida.

    (…)”.

    Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, pronunciando-se no sentido de ter o recorrente praticado o crime imputado e pela adequada medida da pena fixada, concluiu no sentido de o recorrente condenado em prisão por dias livres.

    Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o recorrente, reafirmando as conclusões da motivação.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

  5. FUNDAMENTAÇÃO.

    Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).

    Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, conjugadas com o corpo da motivação, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - O direito de necessidade e o estado de necessidade desculpante; - A redução da pena de prisão, a sua substituição por pena de multa e a suspensão da execução desta última.

    Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim: Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): “ (…).

    1 – No dia 17 de Setembro de 2008, pelas 12 horas e 15 minutos, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula 00-EX-00 de marca Gilera, marca Storm, de cor branca, de 50 cm3 de cilindrada, na via pública, Av.ª Dr. Aurélio Ribeiro, Santa Maria dos Olivais – Tomar; 2 – Sem se encontrar habilitado com a necessária carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir aquela categoria de veículo; 3 – O arguido bem sabia que conduzia um ciclomotor na via pública e que não estava habilitado para...

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