Acórdão nº 209/04.8GBSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução26 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da comarca da Sertã, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputava a prática, à primeira, de três crimes de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, e ao segundo, a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelas mesmas disposições legais, e mediante acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, que imputava à primeira a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, do C. Penal, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, a arguida M...

, casada, doméstica, nascida a 16 de Julho de 1965 em C…, Sertã e aí residente, e o arguido L..., casado, nascido a 1 de Agosto de 1961 em P…, Sertã, residente em C…, Sertã.

A assistente H..., com base nos factos descritos na acusação particular, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, com vista à sua condenação no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.178, por danos patrimoniais e não patrimoniais.

A assistente e o ofendido J..., com base nos factos descritos na acusação pública, deduziram pedido de indemnização contra a arguida, com vista à sua condenação no pagamento, a cada um, da quantia de € 1.500, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Por sentença de 27 de Abril de 2007, foi o arguido absolvido da prática do crime que lhe era imputado, bem como do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

E foi a arguida condenada, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, na pena de 80 dias de multa, pela prática de três crimes de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2, do C. Penal, nas penas de 110 dias, 160 dias e 160 dias de multa, e em cúmulo, na pena única de 370 dias de multa à taxa diária de € 4, perfazendo a multa global de € 1.480.

Foi ainda a arguida condenada a pagar à assistente a indemnização de € 2.500, a título de danos não patrimoniais.

* Inconformada com a sentença, dela recorre a arguida, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  1. O arrastamento da audiência de julgamento possibilitou que as testemunhas perdessem a espontaneidade do depoimento, e acabassem por consertar a versão dos factos.

  2. Daí que além da prova produzida na primeira sessão de julgamento, toda a demais deve ser totalmente desvalorizada.

  3. O que, por insuficiência de provas contra a arguida, deve conduzir à sua absolvição à luz do princípio in dubio pro reo, princípio este que se mostra violado na sentença recorrida.

  4. Encontra-se igualmente violada a presunção de inocência plasmada no artigo 32º, nº 2 da Constituição R. Portuguesa, porquanto a sentença valorou negativamente a circunstância de arguida ter negado a prática dos factos de que se mostra acusada.

  5. O crime de ameaças é um crime material, porquanto para o preenchimento do tipo interessa ou importa a verificação de um resultado.

  6. Nos autos não se provou que a assistente ou o ofendido tivessem tido qualquer medo ou receio, aliás, face ao teor dos requerimentos de fls. 302-A e 315, resulta exactamente o inverso.

  7. Aliás, o conteúdo do requerimento de fls. 315 extravasa o objecto do processo, pelo que não podia nem pode ser valorado.

  8. A expressão "hei-de fazer-vos o mesmo que estou a fazer agora", não mostra-se qualquer intenção de matar.

  9. A forquilha não é um meio particularmente perigoso cuja utilização crie um grave risco para a vida.

  10. Não cometeu a arguida três crimes de ameaça qualificada p. e p. no art. 153º, nº 2 C. Penal.

  11. A arguida não não só não quis matar como também jamais pretendeu incendiar, pois quanto ao ilícito típico do art. 272º, nº 1, alínea a) do C. Penal agiu com falta de consciência da ilicitude não censurável.

  12. Pelo que, está excluído o dolo em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.

  13. A arguida, a não ser declara a sua inocência, agiu à luz do disposto no art. 153º, nº 1 do C. Penal, pois a sua actuação não preenche os requisitos do nº 2.

  14. A arguida agiu no âmbito de uma mesma e única resolução criminosa que se prolongou ininterruptamente no espaço e no tempo.

  15. Pelo que, a arguida praticou um único crime continuado de ameaça simples (art. 153º, nº 1 C. Penal) na pessoa da assistente, à luz do disposto no art. 30º, nº 2 do C. Penal, o qual se mostra violado por errada interpretação e aplicação.

  16. Ainda no âmbito do crime continuado deve ser enquadrado o crime de injúrias (art. 181º, nº 1 C.P.), o qual perde autonomia dado que ameaça e injúrias reportam-se a bens jurídicos muito análogos que visam a protecção da dignidade da pessoa humana.

  17. E em relação ao ofendido, a manter-se a condenação, deve a pena ser fixada ao abrigo do ilícito taxado no art. 153º, nº 1 C. Penal.

  18. Mostram-se ainda, e face ao acabado de dizer, violados os artigos 70º, 71º e 77º do C. Penal, dado que as penas únicas a aplicar à recorrente não devem ser fixadas em mais de 100 dias e à taxa diária de € 2,00.

  19. Isto, levando ainda em linha de conta que por se verificarem os requisitos substantivos do crime continuado, deve a arguida beneficiar do regime taxado no art. 79º do C.Penal (violado na sentença).

  20. A existir condenação a título de indemnização por danos morais, atenta a qualidade e a sensibilidade dos lesados, pessoas do mundo rural, deve a mesma fixar-se em não mais que € 500,00.

Termos em que, se não pelo exposto, mas sim pelo que V.Exas, Colendos Julgadores, terão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve substituir-se a sentença por douto acórdão.

E porque este recurso merece provimento, o pede o recorrente, por lhe parecer de toda a JUSTIÇA.

(…)”.

* Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da sua contramotivação as conclusões que se transcrevem: “ (…).

1- Na decisão recorrida, foi legal e correctamente valorada toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento e que só podia redundar na condenação da arguida; 2- Por conseguinte, não se mostra violado o princípio da presunção de inocência; 3- Perante a factual idade julgada como provada, conclui-se ter a arguida incorrido na prática de um crime de injúria e em três crimes de ameaça, p.p., respectivamente, pelos art.s 181.º, n.º 1, e 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal; 4- Também não se mostram violadas as normas conformadoras da determinação da medida da pena, já que esta foi fixada em dosimetria insusceptível de comportar qualquer juízo de censura; 5- A pena única de 370 dias de multa, à taxa diária de 4,00 €, na qual a arguida foi condenada, mostra responder adequadamente à culpa e às exigências de prevenção geral e especial, que no caso se fazem sentir.

Pelo que, negando provimento ao recurso interposto pela arguida e confirmando a decisão recorrida, V. Ex.as farão Justiça! (…)”.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, pronunciando-se pela inexistência dos vícios do art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal, pela observância do princípio da livre apreciação da prova e pela não violação do princípio in dubio pro reo, concluiu pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

* * * * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são: - A violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência; - O não preenchimento do tipo dos crimes de ameaça; - A continuação criminosa nos crimes de ameaça e entre estes e o crime de injúria; - A excessiva medida da pena; - O excessivo montante da indemnização.

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:

  1. Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): “ (…).

    1. No dia 28.08.04, pelas 18:00, a arguida encontrava-se a trabalhar num terreno adjacente à casa de H..., sito em V…, Sertã.

    2. Nessa altura, a assistente encontrava-se junto à sua casa, acompanhada do marido, da sua irmã e de um cunhado.

    3. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida dirigiu-se à assistente dizendo-lhe que no prazo de oito dias haveria de lhe lançar fogo à casa, no que foi por H...escutada.

    4. Com tal frase, pretendeu a arguida fazer crer a H...que iria incendiar a sua residência, tendo a assistente ficado, desse modo, receosa de que a arguida viesse a concretizar o propósito anunciado.

    5. Nessas mesmas circunstâncias, a arguida, dirigindo-se igualmente à assistente, proferiu as expressões "puta", "vaca", "bêbada" e "andas metida com o F… de P…", no que foi pela assistente e demais familiares presentes escutada.

    6. Ao proferir tais expressões, a arguida agiu de modo livre e consciente, com o propósito concretizado de atingir a assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.

    7. Por causa deste comportamento da arguida, a assistente sentiu-se triste, amargurada e enxovalhada, incomodada, envergonhada e abalada.

    8. De seguida, a assistente, acompanhada do seu marido, irmã e cunhado, dirigiu-se, pela...

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