Acórdão nº 211/08.0TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCACILDA SENA
Data da Resolução26 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: Em processo comum e ao abrigo do disposto no art.o 16º n.º 3 do Cód. Proc. Penal perante Tribunal singular, o Ministério Público deduziu acusação contra: N...

, melhor identificado nos autos, a quem imputa os factos descritos na acusação de fls. 158 e ss., integrativos da prática, segundo a qualificação jurídica operada e em concurso efectivo, das contra-ordenações p. e p. pelos art.os 24º n.os 1 e 3 e 25º n.os 1. d) e 2 e 101º n.ºs 1 e 5 do Cód. da Estrada, um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo 137º nº 2 do Cód. Penal e um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artº 200º nº 2 do Cód. Penal.

O Ministério Público requer, ainda, que o Tribunal aplique a pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do art.o 69° nº 1 aI. a) do Cód. Penal e decrete a cassação do título de condução, ao abrigo do art.o 101º nº 1 aI. a) do mesmo diploma legal.

* A fls. 196 e ss. veio o "Instituto de Segurança Social" deduzir pedido de reembolso de prestações contra "G... - Companhia de Seguros, S.A.", peticionando a condenação desta no pagamento das prestações já pagas aos familiares da vítima mortal do acidente, bem como no pagamento das que, na pendência do processo, a impetrante continue a satisfazer aos beneficiários.

* Finalmente, a fls. 283, M..., viúva da vítima mortal do acidente, veio constituir-se assistente.

* A final foi proferida a seguinte decisão: Condenar o arguido como autor material de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art.o 137º n.os 1 e 2 do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 1 mês de prisão; Como autor material de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art.o 200° nº 2 do Cód. Penal, na pena de 10 meses de prisão; Em cúmulo, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Julgar extinto, por prescrição, o procedimento contra ordenacional *.

Na procedência parcial do pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social, condenar a "G... - Companhia de Seguros, S.A." no pagamento da quantia de € 11.923,91 (onze mil, novecentos e vinte e três euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros, desde a notificação para contestar até efectivo e integral pagamento.

* Inconformados, recorrem a Seguradora e o arguido, conclusando, respectivamente: Recurso da Seguradora: 1 - O demandante pagou à viúva de A..., J..., e ao filho menor de ambos, F..., o total de 11.923,91€, a título de pensões de sobrevivência no período de Junho de 2005 a Maio de 2008.

Por sua vez, 2 - A demandada indemnizou, em 28.12.2005, os herdeiros de A..., J..., o filho menor F... e a filha S..., no montante de 145.000€ por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente dos autos.

3 - Não são cumuláveis os valores da pensão de sobrevivência e o indemnizatório devido pela seguradora no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida por via do contrato de seguro, em razão da perda do rendimento do trabalho. Isto porque, 4 - A referida cumulação corresponderia a um duplo pagamento aos beneficiários, situação que ofenderia as regras próprias do enriquecimento sem causa estabelecidas nos arts. 476º e ss do C.C.

5 - J... e o filho, F..., herdeiros da infeliz vítima, beneficiaram de uma cumulação indevida que, por força da condenação em apreço, constitui um enriquecimento injusto em prejuízo da demandada.

6 - No caso concreto, não é possível proceder à dedução dos valores pagos pelo ISS a título de prestações de sobrevivência ao montante da indemnização paga no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito uma vez que apesar de indemnizados em 12.2005 pela perda de rendimento do trabalho do falecido, J... e o filho continuaram a receber aquelas prestações.

Logo, 7 - Para obviar, por um lado, à cumulação indevida por parte de J... e de F..., e, por outro, ao prejuízo da demandada, deveria ser determinada a suspensão pelo demandante do pagamento das pensões de sobrevivência que continua a pagar àqueles beneficiários até perfazer o montante condenatório, isto é, até atingir a quantia de 11.923,91€, absolvendo-se, desta forma, a demandada de reembolsar ao ISS um valor que já pagou aos herdeiros do falecido.

8 - Decidindo nos moldes em que o fez, a douta sentença recorrida acolheu uma cumulação indevida de benefícios em prejuízo da demandada, violando, assim, as regras do enriquecimento sem causa consagradas no artº. 473º e ss do Código Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida na parte recorrida, só assim se fazendo Justiça * Recurso do arguido: 1. A solidariedade social ou humana não constitui o bem jurídico protegido pelo preceito incriminador da "omissão de auxílio", mas sim fundamento legitimador do dever geral de auxílio, protegendo sim a vida, a integridade física e a liberdade.

  1. Encontrando-se a vítima do acidente já morta, cadáver, não se lhe poderia prestar qualquer auxílio, pelo que a prática do crime de omissão de auxílio se torna impossível, dado que não se violou qualquer bem jurídico protegido pelo preceito.

  2. Inexiste concurso efectivo de crimes entre o crime de homicídio negligente e o crime de omissão de auxílio, devendo o Arguido responder apenas por um crime, o de homicídio negligente.

  3. Ao Arguido foi aplicada uma pena inferior a cinco anos de prisão, cumprindo-se assim o pressuposto formal para a suspensão da execução da pena e o pressuposto de ordem material, a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do Arguido no futuro, é propício ao mesmo, dados os factos provados em Juízo, mormente o Relatório Social da DGRS.

  4. Os factos considerados pelo Tribunal “a quo" sobre a personalidade do agente, são totalmente favoráveis à aplicação de uma pena de substituição, nomeadamente à suspensão da execução da pena de prisão.

  5. A pena efectiva de prisão a que o Arguido foi condenado não é a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, nem a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada.

  6. O Arguido encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente e o cumprimento efectivo da pena de prisão terá efeitos muito gravosos, marcando irremediavelmente a sua vida futura, gerando efeitos inversos aos pretendidos.

  7. A aplicação da pena de prisão efectiva opera uma “dessocialização" e uma desintegração" na sociedade do arguido.

  8. A douta Sentença “a quo" violou o disposto nos artigos 50º e 200º do Código Penal.

    Termos em que, Deve a Sentença recorrida ser revoga da na parte em que condene o Arguido pela prática do crime de omissão de auxílio, julgando a acusação parcialmente improcedente e absolvendo dela o Arguido, bem como deve ser proferida Decisão que, julgando procedente a acusação pelo crime de homicídio negligente, suspenda a execução da mesma, por se cumprirem os requisitos do artigo 50º, Código Penal, assim se fazendo JUSTIÇA! * Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público e a assistente J…, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.

    * Nesta Instância, emitiu Parecer, a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta., pronunciando-se no sentido de que poderá considerar-se o crime homicídio como de negligência simples, com reflexo na medida da pena que, defende ser suspensa com o cumprimento de deveres, entre eles o previsto no artº 51º nº1 al c) do Cód. Penal * Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    Para tanto temos de ter em conta que o tribunal recorrido julgou os seguintes: * Factos provados Da acusação 1. No dia 10 de Maio de 2005, cerca das 6h e 10m, na Estrada Nacional n.º lC2, ao Km 183,2, freguesia de Antanhol, área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 69-29-EL, no sentido Coimbra - Pombal (Norte - Sul); 2. A via, no local, desenvolve-se em recta, sem obstáculos à visibilidade, existindo uma faixa de rodagem, atendo o sentido do arguido, o sentido Norte - Sul, e duas em sentido contrário, com duplo traço contínuo assinalado no solo separando os dois sentidos de marcha, sendo o piso asfaltado; 3. A estrada possui três vias (uma no sentido Norte - Sul e duas no sentido Sul - Norte) medindo cada via 3,30m de largura, sendo a estrada marginada por bermas asfaltadas com 1 m de largura cada; 4. Não existia qualquer passadeira para peões assinalada no local; 5. O arguido seguia desatento, imprimindo ao veículo uma velocidade superior ao aconselhável; 6. O arguido provinha dos festejos da "Queima das Fitas", que decorreram na altura e onde havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade não determinada, sendo que quando localizado pelo modo que a seguir se descreve, ou seja, pelas 11 h e 41 m do mesmo dia, mês e ano, o arguido ainda acusava uma TAS de 0,25 g/I, conforme resulta do teor do exame constante de fls. 11 e que aqui se dá por reproduzido; 7. Nas mesmas circunstâncias de tempo seguia a pé A..., com um colecte reflector vestido; 8. Ao chegar ao local mencionado, onde à direita da via, atento o sentido do arguido, se situa um posto de abastecimento de combustíveis Galp", o referido A…, que estava ao lado esquerdo da via atento o sentido Norte - Sul, decidiu atravessar a pé e em toda a largura da via, a mencionada E.N.; 9. Depois de verificar que nas proximidades não havia nenhum veículo, iniciou tal tarefa, atravessando a via da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do arguido; 10. O arguido, não obstante a visibilidade do local lhe permitir, ao início da recta, atentar no posicionamento do peão, continuou a sua marcha, sem travar, sem abrandar ou sem se desviar – sendo que em sentido contrário, inexistia trânsito, o que lhe permitia contornar a vítima.

  9. Já o peão tinha feito a quase totalidade da travessia da via...

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