Acórdão nº 435/04.0TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução30 de Abril de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

27 Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. RELATÓRIO.

    Findo o inquérito no âmbito do processo nº 435/04.0TACBR, dos serviços do Departamento de Investigação e Acção Penal, Distrito Judicial de Coimbra, em que foi constituído arguido JCC, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi proferido despacho de arquivamento relativamente aos factos participados pelo assistente AA..

    Pelo assistente foi requerida a abertura da instrução, com vista à pronúncia do arguido, como autor de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C. Penal, sem que tenha sido indicada qualquer diligência probatória a realizar.

    Aberta a instrução, teve lugar o debate instrutório.

    Foi depois proferida a decisão instrutória, com o seguinte teor (transcrição): “ (…).

    O Tribunal é competente.

    Ministério Público e assistente dispõem de legitimidade para o exercício da acção penal.

    Inexistem questões prévias a decidir.

    Inconformado com o despacho de arquivamento com que o Ministério Público pôs termo à fase de inquérito, o assistente, JC, requereu a instrução com vista à pronúncia de B pelo crime de falsificação de documento, p.p. pelo artº 256º, nºs 1 e 3 do Código Penal.

    Na perspectiva do requerente, o arguido estaria incurso na prática de tal crime porque, contra a verdade por si conhecida, alterou a área constante da matriz …. por majoração da área do pátio, que era de 50 m 2, para 88 m2, o que fez à custa da inclusão da área de um muro e serventia de inquilinos que o requerente considera serem partes integrantes do prédio pertença da sua família.

    Certo é que, mercê daquela alteração da área, primeiro na matriz e, depois, levada à descrição predial, o arguido conseguiu obter da Câmara Municipal de Coimbra autorização para ali ser construída uma moradia unifamiliar que, com a área de 170 m2, nunca ali poderia ser autorizada, estando actualmente edificada habitação, pertença de terceira pessoa (ED) que, entretanto, adquiriu o imóvel ao aqui arguido.

    O dissídio deu já origem a acção declarativa com processo ordinário que corre termos nas Varas Cíveis desta cidade, com o nº 1708/04.7TBCBR (fls. 219).

    O Ministério Público considerou que o arguido agiu sem dolo por não existirem nos autos elementos que permitam concluir que o mesmo sabia que o aumento da área foi efectuado à custa do sacrifício da área da propriedade de assistente e familiares.

    Com tal forma de abordagem não concorda o assistente que considera que da verificação do tipo objectivo do crime de falsificação se deve presumir o dolo quando inexistem outros elementos de sinal oposto.

    Todavia, e de alguma forma antecipando a orientação final deste despacho, diremos que os autos não reúnem indícios sequer da verificação de uma qualquer falsificação intelectual ou até de simples declaração contrária à realidade.

    Embora não se almeje nesta fase o apuramento exaustivo da realidade dos factos o que, na situação que nos é dada a ponderar, exige dilucidação de matéria cível da área jus-real e dominial, é imperioso que a prova seja suficiente, isto é, que se anteveja como muito provável a condenação para que sobrevenha decisão de pronúncia (artºs 283º, nº2, e 308º, nºl do Código de Processo Penal).

    Para que o arguido pudesse considerar-se autor de um crime de falsificação por via da alteração documental da área de prédio urbano que em tempos adquiriu, conforme pugna o assistente, seria mister que dos autos resultasse que o arguido pretendeu, dessa forma, fazer crer que o seu prédio tinha uma área superior à área real.

    Ora, o assistente afirma que o acrescento – 38 m2 – foi efectuado mercê da inclusão da área de uma serventia de inquilinos e da área de um muro de que assistente e familiares são comproprietários e que aquela serventia constitui parte integrante do imóvel da sua família ao qual corresponde o artº matricial 671º e a descrição predial 535 (cfr. artºs 1º e 18º da petição apresentada na referida acção ordinária – fls. 220 e ss.).

    Na verdade, o arguido começou por apresentar na Câmara desta cidade o requerimento de fls. 56 com vista ao apuramento da viabilidade de edificação de uma moradia unifamiliar no prédio com o artº 179º, e fez acompanhar tal requerimento do documento de implantação de fls. 57 onde se observa que a delimitação que dali consta relativamente a tal imóvel não inclui a serventia e o muro que se observa do lado esquerdo desta serventia (considerando o posicionamento desde a Rua da Lima).

    Claro que os serviços administrativos, verificando tal área, pronunciaram-se negativamente, desde logo, por a proposta não respeitar a capacidade construtiva do terreno (fls. 58), mas nem isso motivou a desistência do arguido que, a 1.2.01, requereu na lª Repartição de Finanças de Coimbra a alteração da área de 170 m2 para 208 m2, juntando a mesma planta de implantação, desta feita, desenhando a delimitação do imóvel de modo a ali incluir a serventia e muro (fls. 61 e 62), vendo assim satisfeita sua a pretensão (fls. 60), sem audiência prévia de assistente e familiares (quiçá por não constarem como titulares de prédios confinantes com o artº matricial 179º – fls. 152).

    Reunido aquele elemento e mais a alteração que se impunha na Conservatória respectiva, a Câmara Municipal veio a autorizar edificação no lote, edificação que, entretanto, foi já levada a efeito, agora na titularidade de um terceiro adquirente (fls. 159 e ss.). Embora não resulte, inicialmente, que assistente (fls. 84 e ss.) e testemunha por si indicada, A... (fls. 95), seu cunhado e pessoa que o auxiliou na dilucidação dos processos administrativos atinentes àquela autorização, considerem que tal serventia pertence ao prédio do primeiro, como é visível do depoimento da testemunha: "o declarante sabe que a sua família possui uma propriedade situada na localidade de Taveiro. Que a propriedade confina com uma "serventia de inquilinos" (fls. 95), é distinta a posição apresentada na referida acção ordinária onde os demandantes afirmam que o imóvel pertença da família do assistente, há décadas, onde está implantada uma indústria, inclui a serventia e o muro (artºs 2º a 5º do articulado de fls. 220 vº e 221).

    De facto, não constando que a serventia de inquilinos seja res publica ou res nullius, a mesma haveria de estar implantada em algum dos terrenos e o assistente considera estar a mesma implantada no imóvel que pertence à sua família.

    Mas, não é essa a realidade apurada em inquérito e talvez o Ministério Público tenha concluído bem embora por fundamentos distintos pois centrou o arquivamento na ausência de dolo quando, na realidade, o que não se apurou é que a serventia de inquilinos (o muro será compropriedade) não seja parte integrante do imóvel que teve o artº 179º.

    Os testemunhos de quem ali já viveu ou vive e que conhece os prédios e seu antepossuidores foram eloquentes.

    Assim, B... que vendeu o artº 179º ao arguido, afirmou a fls. 296 e 297, que a escritura foi celebrada muitos anos após a venda verbal e que o prédio era composto por uma casa em ruínas, um pátio e uma serventia de passar e andar. Este prédio era herança de sua mulher e foi pertença da madrinha desta. Naquela serventia, que constitui parte integrante do prédio da madrinha, apenas ali passava, no tempo da madrinha e avós de sua mulher, um tal C... que tinha uma casa ao fundo deste imóvel e que ia ali vindimar, imóvel este que os herdeiros do mesmo C… já venderam a D... , actual proprietário do artº 179º (facto que, em termos cíveis, poderá até determinar a extinção da serventia por via do disposto no artº 1569°, nº1 al. a) do CC, caso não haja outros inquilinos).

    De resto, a madrinha da sua esposa usava a serventia até para secar milho e arroz, e foi isso mesmo que o vendedor disse ao arguido quando lhe vendeu o artº 179º.

    Já o muro que delimita a propriedade do assistente e família da dita serventia terá sido construído pelo pai do assistente ainda em vida dos avós de sua mulher e tal facto não foi sequer do agrado daquele antepassado do cônjuge da testemunha. Tal vez por isso foi deixada no muro uma abertura para que por ali se passasse para o prédio do assistente para regular uma balança, mas até isso foi impedido pela avó da mulher deste vendedor que mandou fechar tal abertura.

    F... (fls. 303) afirmou ter sido criado em casa dos avós do assistente, no prédio que pertence a este e restantes herdeiros, pelo que o conhece, assim como aos prédios vizinhos. O terreno que constitui o artº 179º pertenceu ao Sr. E... , pai da madrinha do vendedor (ou da esposa), que ali tinha a sua casa cuja porta dava para aquela serventia. Por tal caminho passava o C... , também conhecido por C… para aceder à adega sita por detrás da casa do E... . Só o E... e o C... usavam a serventia e nem os avós do assistente ou pessoas ao seu serviço por ali passavam, considerando a testemunha que a serventia era do E... e o C... tinha direito de por ali passar.

    O muro foi construído quando começou a laborar a fábrica existente no prédio do assistente, mas os veículos não acediam às instalações fabris por tal local embora passassem a usá-lo para inverterem a marcha.

    G... afirmou, a fls. 305 e 306, que vive perto da Rua da Lima e chegou a trabalhar na fábrica de papel pertença dos avós do assistente, sabendo que o prédio que hoje pertence ao Sr. Eduardo (que o adquiriu ao arguido) era do Sr. E... que ali tinha casa térrea e eira, existindo uma faixa de terreno em frente à entrada principal da casa e para a qual davam os degraus desta, que era usada pelo E... e pelo K… que assim acedia à sua adega, sita nas traseiras da casa do E... .

    A serventia não era usada pelos antecessores do assistente, nem por ali se passava para a fábrica cujo acesso era efectuado por entrada existente na rua de baixo.

    Pelo que lhe foi dado observar, a faixa de terreno que constitui a serventia sempre pertenceu ao prédio do Sr. E... , hoje de J... .

    H… , genro do falecido K… (fls. 307), conhece os prédios há cerca de...

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