Acórdão nº 63/96.1TBVLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução04 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

Por sentença de 24 de Fevereiro de 1997, transitada em julgado, AA …, melhor identificado nos autos, foi condenado, como autor material de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313.º e 314.º, alínea c), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

Mais foi condenado, na procedência parcial do pedido de indemnização civil, a pagar ao demandante a quantia de 11.750.000$00, acrescida de 1.060.719$00, devidos a título de juros moratórios vencidos, desde 16.06.95 até 20.03.96, bem como os juros vincendos, até efectivo e integral pagamento à taxa de 10%.

Aquela pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinando-se a suspensão à condição de o condenado pagar ao ofendido, no prazo de seis meses, a referida indemnização.

  1. Por despacho de 16 de Novembro de 2007, foi revogada a suspensão da execução da pena, determinando-se o cumprimento da pena de dois anos de prisão.

  2. Inconformado, recorreu AA …desse despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1. O Arguido/recorrente foi condenando pelo Douto Tribunal a quo em processo comum, no dia 24 de Fevereiro de 1997, pela prática de um crime de emissão de um cheque sem provisão p. e p. pelas disposições conjugadas dos art° (s) 11, n.º 1, al. a) do D.L. 454/91, de 28/12, e 313° e 314, al. c) ambos do C.P. revisto, à pena suspensa de dois anos de prisão. (Cf. Sentença do Tribunal a quo).

  3. Tal pena ficou dependente da sua execução mediante o pagamento ao lesado da quantia equivalente subscrita no cheque.

  4. Em 16 de Novembro de 2007, ao aqui arguido foi revogada a suspensão da pena e o consequente cumprimento pelo arguido da pena de dois anos de prisão.

  5. Como resulta da alínea c) do artigo 122 do C.P. o prazo de prescrição das penas é de dez anos se forem iguais ou superiores a dois anos. Pelo que a pena se encontra prescrita, devendo extinguir-se a responsabilidade criminal do arguido. Facto que não foi considerado pela Meritíssima Juíza a quo, que não teve em consideração o artigo citado ao revogar o período de suspensão e condenar o arguido na pena detentiva, como de facto fez.

    Sem prescindir; 5. Durante este espaço temporal, o arguido não teve qualquer condenação ou sequer foi indiciado de qualquer crime ou contra-ordenação.

  6. Apresentou documentos (IRS) seus e da sua família, em como não tinha qualquer rendimento que lhe possibilitasse o pagamento ao lesado das quantias em divida.

  7. Sustentando ainda assim dois filhos e esposa no desemprego.

  8. No entanto, não teve oportunidade de justificar a tentativa de acordo para pagar uma modesta quantia.

  9. Que revela a boa fé do arguido/ recorrente (elemento subjectivo exigível nos termos legais - culpa) para cumprir o acordado e livrar-se da pesada pena que se lhe impõe pelo incumprimento.

  10. Contudo, assim não entendeu o Meritíssimo juiz do Tribunal a quo, que apesar de ter nas mãos a prova documental relativamente aos seus rendimentos e agregado.

  11. Assim não entendeu o Tribunal a quo, que por si, em busca de verdade material e se dúvidas tivesse, deveria ter mando efectuar um relatório (IRS), a fim de averiguar as reais circunstâncias do aqui recorrente para pagamento ao lesado.

  12. Para mais e ao arrepio desse documento, considerou que o arguido tem vindo consecutivamente a protelar no tempo o pagamento da quantia que lhe foi imposta, revelando uma deficiente apreciação da prova (que consta dos autos).

  13. Assim como considerou subjectivamente que tal era intenção do aqui recorrente, bem sabendo que mesmo que isso fosse verdade, o seu rendimento não lhe permitia.

  14. Revelando assim, e com o respeito que lhe é devido, uma deficiente apreciação da prova e como consequência também uma deficiente aplicação da lei.

  15. Sem prescindir, e no caso da aplicação de uma eventual pena efectiva após a revogação efectuada, ao aqui arguido/recorrente deveria ter sido imediatamente aplicada a Lei 29/99 – amnistia de 1999.

  16. O que redundaria no perdão parcial da pena, imediata nos termos do diploma citado, perdão esse não inferior a um ano, facto que o tribunal não considerou. (Vide Artigo 1 e 6 do diploma citado).

  17. Por outro lado, a aplicação da revogação da medida da pena não é automática, exigências de ponderação na sua determinação, nomeadamente as exigidas pelo artigo 71.º do C.P., implicaria considerar de novo a ilicitude do facto à luz da nova legislação (lei do cheque), a pratica de novos ilícitos pelo arguido, o novo período de suspensão da pena de prisão até cinco anos previsto pela lei 59/2007, de 4 de Setembro, as condições sócio-economicas do arguido e o relatório do IRS, entre outros.

  18. Assim não entendeu a Meritíssima do Tribunal a quo, preferindo uma solução imediata e automática, sem ponderação subjectiva da aplicação de uma medida de carácter detentivo. Violando assim a necessária ponderação do artigo 71.º do C.P. evidente à luz dos novos elementos, assim como e consequentemente o principio da aplicação de uma pena ou medida mais favorável artigo 29 da CRP, atento os sinais evidentes da ressocialização e integração do arguido na sociedade.

    Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve a decisão de 1.ª Instância que procedeu à revogação da suspensão da execução da pena de prisão ser revogada pelos motivos aduzidos, sem prescindir quer da prescrição (extinção da responsabilidade criminal) quer das eventuais amnistias aplicáveis na eventualidade (que só por mera hipótese se admite) de alguma pena ser aplicada ao arguido/recorrente (…) 4.

    Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo do seguinte modo (transcrição): I - Só com a decisão que revoga a pena substitutiva e determina a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição da pena, motivo pelo qual, a pena de prisão de dois anos aplica ao arguida não se encontra, presentemente, prescrita.

    II - O despacho que determinou a revogação da suspensão da execução da pena encontra-se devidamente fundamentado.

    Isto é o tribunal, mediante todos os elementos (demasiadamente evidentes) já constantes dos autos, sopesando, designadamente, o decurso do prazo de 10 anos, sem que o arguido tenha cumprido o dever que lhe foi imposto, a sua atitude perante o Tribunal (mentira e de eximir-se ao cumprimento do que lhe foi determinado) formou livremente a sua convicção e, determinou a revogação da suspensão e o consequente cumprimento pelo arguido da pena de dois anos de prisão, encontrando-se o respectivo despacho devidamente fundamentado.

    III - O arguido violou grosseira e reiteradamente o dever de pagar a indemnização ao ofendido/lesado, revelando, deste modo, que as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

    IV - Bem andou a Meritíssima Juiz a quo ao revogar a suspensão da execução da pena em que o erguido foi condenado, pois só o cumprimento da prisão lhe criará uma contramotivação suficientemente forte para o dissuadir de continuar na mesma senda, reafirmando-se, do mesmo passo, a confiança da comunidade na norma violada.

    V - Não se mostrando satisfeita a reparação ao lesado que condiciona o perdão da pena jamais teria aplicação, in casu, a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio - Perdão Genérico e Amnistia de Pequenas Infracções.

    VI - Assim, atendendo às considerações expendidas e às normas legais citadas o despacho recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos, julgando-se assim o recurso improcedente, como é de JUSTIÇA! 5.

    Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece parcial provimento no que concerne à aplicação do perdão previsto na Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, devendo manter-se no mais a decisão recorrida.

  19. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    Assim, as questões a decidir consistem em saber: se a pena aplicada ao arguido terá prescrito; se com o fundamento do artigo 56.º, n.o1, alínea a) do Código Penal, estará ou não correcta a revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente, face ao circunstancialismo apurado; se o recorrente deve beneficiar do perdão concedido pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.

  20. Compulsados os autos, recolhemos os seguintes elementos: 1) Por sentença de 24 de Fevereiro de 1997, transitada em julgado (em 11 de Março de 1997), o recorrente foi condenado, no âmbito do presente processo, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313.º e 314.º, alínea c), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos sob a condição de, no prazo de seis meses, pagar ao ofendido a indemnização em que também foi condenado.

    2) Em 6 de Outubro de 1997, sob promoção do M.P., foi proferido despacho no sentido de saber junto do ofendido se estava paga a quantia indemnizatória (fls. 129), tendo este respondido negativamente, em 22 de Outubro de 1997 (fls. 135).

    3) Em 31 de Outubro de 1997, foi proferido despacho a determinar a audição do condenado, para o dia 3 de Dezembro, a fim de esclarecer o motivo do não pagamento da indemnização que condicionava a suspensão.

    4) Não tendo sido possível notificar o condenado para a referida data, foi designado o dia 2 de Fevereiro de 1998 para a sua audição (cfr. fls. 140, 141 e 142), determinando-se que a notificação fosse efectuada nas duas moradas...

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