Acórdão nº 3/07.4GAVGS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSIMÕES RAPOSO
Data da Resolução01 de Outubro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO O arguido N, solteiro, pedreiro, filho de … e de …, nascido a 25 de Junho de 1984 na freguesia de …, concelho de …, residente na …, foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146° n.ºs 1 e 2 em conjugação com os art.s 143° e 132° n.º 2 alínea g) do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; absolvido da prática do crime de coação grave na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 154º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do Código Penal; foi ainda condenado como demandado a pagar aos HUC a quantia de € 3.851,16.

Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: I. O Recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 146°, n.º 1 e 2 em conjugação com os artigos 143° e 132°, nº 2, alínea g) do Código Penal.

II. A referida condenação assenta essencialmente nos factos que o Tribunal de Primeira Instância considera provados nos pontos 10 e 11 do acórdão recorrido.

Com efeito, III. O Tribunal a quo deu como provado nos referidos pontos os seguintes factos: "10. Enquanto conversavam, o ofendido estava de pé, de costas para o gradeamento que circunda a varanda e o arguido também se encontrava de pé, em posição frontal para aquele e de costas para um pequeno muro aí existente que delimita o terraço do espaço propriamente dito da varanda.

  1. A dada altura, na sequência da troca de palavras e sem que nada o fizesse prever, o arguido num movimento muito repentino, agarrou o ofendido pela camisola, à altura do peito, e empurrou-o por cima do gradeamento fazendo-o cair de uma altura de 4 metros e dez centímetros e embater no pavimento cimentado do rés-da-chão" IV. Para dar como provados estes factos, o Tribunal a quo baseou-se unicamente no depoimento prestado pela testemunha … (cassete nº 1, lado B, rotações 340 a 1374), ao qual deu total credibilidade.

    Ora, V. Embora tentasse apresentar-se como amigo do arguido, a testemunha … não conseguiu disfarçar a hostilidade que nutre por aquele.

    VI. E prestou um depoimento comprometido, cheio de contradições e imprecisões.

    Assim, VII. A testemunha … começou por dizer que tinha visto tudo, sendo certo que até à data do julgamento sempre havia afirmado, - tanto perante o ofendido, como perante o irmão do ofendido, (e ainda mesmo em anteriores declarações prestadas neste processo, declarações que não podem servir de prova, mas que não deixaram de existir) - que não tinha visto nada porque estava de costas.

    VIII. Além disso, não consegue definir claramente quais as posições (a sua, a do ofendido e a do arguido) na varanda, dando-nos, no mínimo duas versões bem distintas, uma da outra.

    IX. Ainda relativamente à sua própria posição na varanda, a testemunha primeiramente diz que está junto do ofendido, para depois acabar por dizer que estava "arredado" do ofendido.

    X. Perante todas as incertezas e contradições do depoimento da testemunha …, não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal a quo tenha dado total credibilidade a este depoimento.

    Refira-se ainda que, XI. Enredado nestas contradições, o próprio Tribunal recorrido acabou por dar como provados factos que, a lógica e o senso comum, nos demonstram que são contraditórios entre si.

    Ou seja XII. Todos os elementos de prova disponíveis são no sentido de que o ofendido embateu no solo sobre o seu lado direito, lado, aliás, onde se situam todas as lesões que sofreu.

    XIII. Se o ofendido tivesse sido empurrado - e caído de uma altura de 4,10 metros - da forma descrita em 10 e 11 do douto acórdão (facto que o Tribunal, repete-se, dá como provado exclusivamente com base no depoimento da testemunha …), então só poderia ter embatido no solo com a cabeça ou com a parte dorsal, mas nunca com a parte lateral direita do seu corpo, XIV. Hipótese que é excluída pelo facto de, como se disse, as lesões sofridas terem sido todas sobre o lado direito do corpo do ofendido.

    Ora, XV. A condenação do arguido exige uma prova acusatória de inabalável consistência.

    XVI. E julgamos ter demonstrado, que a que serviu de base à condenação do arguido não tem essa consistência, bem pelo contrário, é cheia de dúvidas, contradições e imprecisões e é incompatível com as regras da experiência comum.

    XVII. Na realidade este é um processo que chegou ao seu terminus com as mesmas ou mais dúvidas do que as que existiam no seu início.

    XVIII Assim, um non Iiquet da prova, obrigatoriamente terá de levar à absolvição do arguido, de harmonia com o Princípio in dúbio pro reo Por outro lado, XIX. Existem alguns factores, como o passado do arguido, a sua personalidade e até o facto dele estar no local na altura da queda do ofendido, que certamente influenciaram a convicção do Tribunal recorrido na factualidade que deu como provada XX. Mas a verdade é que o douto Tribunal a quo não podia utilizar esses factores para credibilizar um depoimento repleto de contradições e imprecisões, como o da testemunha Márcio, condenando o arguido pela autoria material de um crime que, efectivamente, não cometeu.

    Isto porque, XXI. Condenando assim o arguido significaria a consagração de um ónus de prova de inocência a cargo do próprio arguido, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja um principio contrário ao da presunção de inocência.

    XXII. Refira-se ainda que o Princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal, impõe ao Tribunal a apreciação da prova segundo as regras da experiência comum.

    XXIII. E é essa experiência comum que nos leva a não poder dar como credível um depoimento cheio de contradições, tanto com ele mesmo, como com as afirmações anteriormente prestadas pela mesma testemunha - conferir declarações para memória futura do ofendido … (cassete 1, lado A e lado B, rotações até 1300) e depoimento da testemunha … (cassete nº 2, lado A, rotações 1908 a 2244) XXIV. Ao dar como provados os factos referidos em 10 e 11 do acórdão recorrido, unicamente com base no referido depoimento, o douto acórdão viola a norma do artigo 127º do Código de Processo Penal.

    XXV. Na verdade, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta do acórdão recorrido, e consequente absolvição do arguido em obediência ao Princípio in dúbio pro reo.

    Diga-se ainda que, XXVI O Tribunal recorrido considerou, para reforçar a credibilidade dada ao depoimento da testemunha … a tese de que o empurrão fora um acto voluntário e não ocasional, os depoimentos das testemunhas …, …, … e …, as quais, que tal como refere o douto acórdão, não assistiram ao momento da agressão, mas que todas disseram ter ouvido vozes a dizer que tinham atirado um rapaz lá baixo ou que tinham dito que o N... tinha atirado um rapaz lá baixo XXVII. Pelo que estas testemunhas depuseram de forma indirecta sobre o alegado empurrão ao ofendido.

    Ora, XXVIII. Utilizando tais depoimentos para alicerçar e credibilizar a fundamentação da condenação do arguido, o douto acórdão está assim a violar o Princípio do contraditório, bem como as normas dos nº 1 e 3 do artigo 129° do Código de Processo Penal Por todo o exposto, XXIX. Ao condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada, o douto acórdão recorrido viola as normas do artigo 127°, dos artigos 129°, nº 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal e o nº 2 do artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa.

    XXX. Bem ao contrário a prova produzida impõe a absolvição do arguido.

    Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se o arguido da prática do crime de ofensas à integridade física qualificada, bem como do pedido cível constante dos autos, com o que se fará JUSTIÇA! Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sintetizando a sua posição com as seguintes conclusões: 1. O depoimento do testemunho … não tem nem de perto, nem de longe a importância que o recorrente lhe atribui, nem contribuiu de forma decisiva para a fixação da convicção do Tribunal Colectivo.

  2. Com efeito, toda a prova produzida (todas as testemunhas e o próprio arguido) colocam o arguido na varanda, junto do …, a falar/discutir com este, após o que o … galgando a grade da varanda com 1 metro de altura cai desamparado no solo de uma altura de mais de 4 metros.

  3. Mostra-se igualmente provado que o arguido tem uma personalidade agressiva e que o arguido e o … tinham tido um desentendimento por causa de uma rapariga.

  4. Apesar do ofendido S…. não se lembrar dos exactos acontecimentos que precederam a queda (amnésia traumática) este afasta a hipótese de tentativa de suicídio.

  5. O arguido apresentou versões contraditórias e destituídas de credibilidade, embora nas suas declarações iniciais perante o juiz de instrução tenha reconhecido que andou agarrado ao ofendido imediatamente antes de este ter sido projectado da varanda.

  6. Neste contexto e independentemente do teor do testemunho do …, a prova produzida aponta de forma concludente para responsabilidade do arguido na produção da queda do ofendido ….

  7. Face à gravidade das consequências do ilícito, à indiferença do arguido perante os valores protegidos pela lei penal bem andou o Tribunal Colectivo em fixar pena de prisão efectiva, se bem que em medida diminuta Face a todo o exposto sou do parecer que se deve declarar totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido.

    Com o que Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA Nesta instância, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

    Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).

    II...

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