Acórdão nº 823/05.4TACBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    No processo supra epigrafado foi decidido julgar procedente a acusação que o Ministério Público havia deduzido contra o arguido A..

    , casado, advogado, nascido a 22.07.1946, filho de B.. e C..

    , natural de Esporões, Braga, residente na Rua do Carmo, nº 11 – 1º, Braga e, pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153º, nº 1, do Código Penal, condená-lo na pena de noventa dias de multa à taxa diária de vinte euros, o que perfez o montante de mil e oitocentos euros, ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 49º do mesmo código, sessenta dias de prisão; e ainda julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por D..

    e, em consequência, condenar o demandado A.. no pagamento da quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de danos morais, acrescida de juros à taxa legal em cada momento em vigor até efectivo e integral pagamento.

    Em dissídio com o julgado traz o arguido o presente recurso que termina com a síntese conclusiva que a seguir se transcreve.

    “B1: Uma vez que o processo chegou a tramitar na espécie especial “sumaríssima”, não se justificava que o Mmo. Juiz tanto se afastasse, a final, da proposta que o Mª Pª fizera ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para aplicação, por consenso, da sanção. Isto quer em sede de medida da pena, na tributária, ou, mesmo, no que respeita a pretensão indemnizatória. Por outro lado, B2: o julgamento teve o respectivo início na ausência do arguido, alegadamente ao abrigo do disposto no artigo 333º, nº 1, do Código de Processo Penal. Porém, B3: por força de disposições constantes de instrumentos jurídicos internacionais vinculantes na ordem interna – e é o caso do no 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 6º, nº 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 67º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a despeito do disposto no nº 6 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa – norma constitucional inconstitucional – não pode haver lugar, sem mais, a julgamentos in absentia, razão pela qual deve considerar-se materialmente inconstitucional a regra do nº 1 do artigo 333º do Código de Processo Penal B4: inconstitucionalidade da qual cumpria ao Mmo Juiz ter conhecido oficiosamente, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa. Por conseguinte, B5: resultaram violados os mencionados comandos. Acresce que, B6: é sabido que a advocacia goza das imunidades atribuídas pelos artigos 6º e 114º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, normas que constituem a densificação, ao nível do direito legislado, do disposto no artigo 208º da Constituição da República. Por conseguinte, B7: o Mmo Juiz deveria ter sobrestado na realização do julgamento e ordenado a notificação da Ordem dos Advogados para que esta apreciasse, como questão prévia, do relevo da conduta do recorrente na sede deontológica. Ora, B8: por assim não ter actuado e por desconsideração, resultaram violados os comandos acabados de referir.

    B9: As expressões que o Mmo Juiz deu como provadas e que foram alegadamente proferidas pelo recorrente não percutem o elemento objectivo do crime do artigo 153º, nº 1 do Código penal, pelo que o recorrente deveria ter sido absolvido da prática do assinalado delito B10: norma que, consequentemente, também foi violada pelo Senhor Juiz. Finalmente, B11: Fica por compreender-se a razão pela qual a sentença recorrida desvalorizou em tão elevado grau os depoimentos das testemunhas abonatórias Dr. E..e Exmo. Juiz Conselheiro Jubilado Dr. F.., pelo que também por aqui mal andou, salvo o devido respeito o Mmo Juiz. Em suma: B12: o julgamento dos autos deve ser anulado, com reenvio do processo para novo julgamento”.

    Na comarca o Ministério Público pugna pela manutenção do julgado e nesta instância, em sagaz e munificente parecer, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto é de parecer que: “Antes de mais, convirá adiantar que o recurso não abrange a matéria de facto assente, como facilmente se conclui das conclusões da motivação de fls. 265 e contrariamente ao que parece pensar-se da realização da transcrição.

    Não tendo impugnado a matéria de facto nos termos legais, o recurso por ele interposto só poderá ter por objecto matéria de facto no âmbito da revista alargado, e oficiosa, a que se reporta o nº 2 do artigo. 410.º do Código de Processo Penal. O mesmo é dizer que este Tribunal não pode apreciar a decisão de facto a não ser na medida em que «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum» resulte a existência de algum dos vícios elencados naquele nº 2 do citado artigo 410º do Código de Processo Penal.

    Ora, analisada a esta luz a referida peça processual, não se vislumbra, manifestamente, a existência de nenhum dos enunciados vícios: a matéria considerada provada permite fundamentar a decisão jurídica, não existe contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão, nem se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova.

    4.2 – O que nos parece merecer melhor ponderação tem a ver com o problema de saber se as expressões constantes da matéria de facto, inseridas no contexto de uma discussão entre advogados por motivos relacionados com a defesa dos seus clientes numa questão de partilha de bens é ou não susceptível de integrar a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de ameaças subsumível à previsão do artigo 153º do Código Penal.

    Na nossa óptica, temos sérias dúvidas em considerar que sim.

    Quanto á primeira expressão: “ você leva já um estalo” Não se anuncia a intenção de produzir um mal futuro ao dizer-se que leva já um estalo, sendo que o crime de ameaça do artigo 153º do Código Penal apenas se prevêem actos ou expressões susceptíveis de perturbar de seguida a tranquilidade e liberdade do ofendido.

    Trata-se, isso sim, de um crime de ofensa á integridade física simples (artigo 143º do Código Penal), que, por ser tentado, nem é punível.

    Quanto á outra expressão “quem lhe vai foder a vida vou ser eu”, trata-se, salvo melhor entendimento, de uma frase que, objectivamente considerada, nem tem carga suficientemente constrangedora ou inibitória, nem cremos que encerre em si, de forma minimamente credível, uma ameaça de um mal futuro dirigido ao assistente.

    Ora, e como é sabido, para o preenchimento do tipo definido no artigo 153º do Código Penal é necessário, para além do mais, que a ameaça, na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação ao visado.

    E se é certo que o crime em causa, após a revisão de 1995 do Código Penal/82, deixou de ser um crime de resultado, para passar a ser um crime de mera acção e de perigo, não é menos certo também que não basta, em caso algum, a mera ameaça da prática de crime, exigindo-se ainda que essa ameaça, na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação ao visado. Como escreve Taipa de Carvalho – “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo (pág. 348), «o critério de adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente...

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