Acórdão nº 20/05.9TATMR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES OSÓRIO
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    Pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tomar, a requerimento do Ministério Público, que lhe imputava a prática de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30º, nº 2 e 205º, nºs 1 e 4, b), com referência ao art. 202º, b), todos do C. Penal, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido PTB, divorciado, vendedor de automóveis, nascido a 1 de Junho de 1970, na freguesia de Santa Maria dos Olivais, Tomar, residente em Tomar.

    Pela ofendida A …, Lda. foi deduzido pedido de indemnização com vista à condenação do arguido no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos.

    Na sessão da audiência de julgamento de 30 de Março de 2007, foi proferido despacho comunicando uma alteração não substancial de factos e a eventual alteração da qualificação jurídica constante da acusação.

    O arguido invocou a irregularidade da falta de fundamentação de tal despacho.

    Assegurado o contraditório, foi proferido o despacho de fls. 1587 a 1588 que, considerando o anterior despacho tempestivo e sucintamente fundamentado, passou a explicitar de forma mais precisa os fundamentos daquele.

    O arguido interpôs então recurso do dito despacho.

    Seguidamente, foi proferida sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30º, nº 2, 79º, e 205º, nºs 1 e 4, a), com referência ao art. 202º, a), todos do C. Penal, na pena de 400 dias de multa à taxa diária de € 5, perfazendo a multa global de € 2.000, tendo sido fixada a pena de prisão subsidiária de 266 dias.

    Foi ainda o arguido condenado no pagamento de uma indemnização à ofendida no montante de € 68.000,27, acrescidos de juros de mora à taxa de 7% a crescida da taxa de juro fixada pelo BCE, mas sem poder exceder a peticionada taxa de 9,25%, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

    Inconformado com a sentença, dela recorre o arguido, formulando no termo da sua motivação, comum à do recurso interposto a 30 de Março de 2007 em acta, as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

    Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso, por corresponder inteiramente à verdade dos factos merecer o inerente provimento e, em consequência, ser a douta sentença revogada, por douto acórdão em que absolva o Recorrente da condenação de que foi alvo, assim como considerar sem qualquer efeito todo o processado desde a irregularidade cometida aquando da alteração não substancial dos factos, porquanto: 1 – Foi violado o constante no número 4 do artigo 97.º do Código de Processo Penal, assim como o vertido no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, dado que a alteração não substancial dos factos não foi acompanhada da indispensável fundamentação, tornando, por isso, impossível a consequente defesa, invalidade esta, de imediato, requerida para a respectiva acta, não obtendo o consequente provimento; 2 - Aliás, como o Arguido não se pode defender da alteração não substancial dos factos, por carência de fundamentação, foi também violado o constante no número 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o seu direito de defesa, pura e simplesmente, não foi observado; 3 - Não foi interpretado correctamente o constante no número 1 do artigo 205.º do Código Penal, uma vez que esta norma incriminadora exige que exista uma apropriação ilegítima da coisa; 4 - Ora, no caso em apreço, nunca existiu a inversão do título de posse, pelo que assim sendo, a norma incriminadora constante no número 1 do artigo 205.º do Código Penal, nunca pode ter aplicação; 5 - Existiu erro notório na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, quando o Julgador não teve em consideração que os veículos automóveis eram transferidos para a esfera patrimonial do Arguido, dado que a pretensa Ofendida até não comercializa carros usados, conforme depoimento das testemunhas, devidamente transcrito; 6 - Aliás, no depoimento das testemunhas, devidamente transcrito, é notório que a transmissão das retomas era feita com naturalidade, ficando o Arguido com o ónus de efectuar o pagamento à A…, quando da sua venda, portanto, inexistindo a inversão do título de posse; 7 - Assim sendo, as provas obtidas através do depoimento do sócio gerente da A…, assim como da sua responsável comercial, pai e filha, impõem decisão diversa, pois aqueles reflectem que não existiu apropriação ilegítima da coisa, havendo sim uma transmissão plena dos veículos, mediante pagamento após a respectiva venda; 8 - Ora, não existindo apropriação ilegítima da coisa, esta foi objecto de transmissão contratual, portanto, obedecendo às normas referentes ao direito das obrigações, nunca podendo ser apreciadas em sede penal, dado não ter existido ilegitimidade na apropriação.

    (…)”.

    Respondeu ao recurso interposto em acta a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da sua contra motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

    1. Quando após produção da prova, o Juiz entendeu, antes de proferir sentença, proceder a operação de alteração não substancial dos factos, fê-lo no momento oportuno – ainda na fase de julgamento.

    2. O artigo 358º, nº 1 CPP prevê a situação em que durante o decurso da audiência de julgamento (no caso estava a concluir-se), ocorre alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

    3. E, determina esta norma que é necessário então que o presidente comunique essa alteração ao arguido e lhe conceda prazo para preparar a sua defesa (agora na perspectiva da nova acusação/pronúncia), o que sucedeu, com despacho devidamente fundamentado. 4. Nos autos procedeu-se a uma convolação e essa operação definida como "simples alteração da respectiva qualificação jurídica, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e que permite ainda o julgamento, sem mais, respeitada a regra do artigo 358º, nº 1 CPP.

    4. Pelo que não merece censura a decisão ora posta em crise, devendo o recurso ser julgado improcedente.

      (…)” Respondeu a mesma Magistrada ao recurso interposto da sentença, formulando no termo da sua contra motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

    5. Quando vendia aos clientes da A … veículos novos e recebia, como retoma, veículos usados, as respectivas chaves e documentos, o arguido ficava responsável pelos mesmos e obrigado a vender os veículos de retoma, no prazo de 30 dias, entregando o produto da venda à A….

    6. Ao receber os veículos de retoma, o arguido sabia que os mesmos não lhe pertenciam e que os recebia apenas por força das suas funções de vendedor de automóveis da A ….

    7. O arguido ficava possuidor dos veículos em nome, por conta, no interesse e sob a direcção da sua entidade patronal, a proprietária dos veículos.

    8. Ao vender os veículos a terceiros, como se fossem seus, apropriando-se do produto das vendas, contra a vontade do proprietário, ao recusar entregar os veículos ainda detidos e ao apropriar-se das respectivas quantias monetárias, o arguido inverteu o título de posse.

    9. O agente concretizou o crime, por várias vezes, para cada veículo, após o receber e não entregar a verba ou o carro, nos 30 dias a seguir.

    10. Reafirmou a sua inversão do título de posse, a partir de Outubro de 2003, quando interpelado, recusou a entrega quer dos carros, quer dos documentos, quer do seu valor em dinheiro.

    11. O arguido cometeu o crime de abuso de confiança, pelo qual foi condenado, crime p.p. pelo artigo 205º, nº 1 e nº 4, al. a), com referência aos artigos 202º, al. a), 30º nº 2 e 79º todos do CP.

    12. Não há erro na apreciação da prova, uma vez que, vista a factualidade provada, outra não poderia ser a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo, senão a de condenação que deve ser mantida.

      (…)”.

      Na vista a que se refere o art. 416º do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aderindo às posições assumidas pela Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

      Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

      Colhidos os vistos e efectuada a audiência, cumpre decidir.

  2. FUNDAMENTAÇÃO.

    Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).

    Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões que urge decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

    1. Recurso do despacho interposto em acta: - Falta de fundamentação do despacho que comunicou a alteração não substancial dos factos descritos na acusação e consequente inobservância do direito de defesa, com violação do art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

    2. Recurso da sentença: - Erro notório na apreciação da prova; - Erro na apreciação da prova.

      DO RECURSO NA PARTE RELATIVA AO DESPACHO 1. Apesar de nas conclusões do recurso apenas ser mencionada a irregularidade da falta de fundamentação do despacho que comunicou a alteração não substancial dos factos descritos na acusação e consequente violação do direito de defesa, certo é que na motivação do recurso é também suscitada a tempestividade da mesma comunicação, pelo que também a esta faremos referência.

      Na sessão da audiência de 20 de Março de 2007 (fls. 1548 e ss.), depois de feitas as alegações e de ser facultada ao arguido a realização das suas declarações finais, foi...

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