Acórdão nº 56/05.0TAACN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º56/05.0TAACN, a correr termos no Tribunal Judicial de Alcanena, o arguido PA, melhor identificado nos autos, foi condenado, na procedência da acusação pública, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, al. b), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), «assim perfazendo um total de €1.620,00 (mil seiscentos e vinte euros)».

Mais foi condenado, pela procedência parcial do pedido civil deduzido pela ofendida “CV, Lda.”, a pagar a esta uma indemnização no valor de €4.110,69 (quatro mil cento e dez euros e sessenta e nove cêntimos) e uma compensação de €500,00 (quinhentos euros), a pagar em duas tranches, mensais e sucessivas, no valor unitário de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), sendo a primeira devida no prazo de dez dias volvidos sobre o trânsito em julgado da sentença e a segunda em igual dia do mês imediatamente seguinte.

  1. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando, na motivação, as seguintes conclusões, após convite ao aperfeiçoamento (transcrição): «1 - A principal questão que se discute em sede de recurso prende-se com a circunstância de saber se o cheque em questão, emitido como meio de pagamento de uma dívida anterior, tem tutela jurídico-penal (art. 11.º, n.º 1, al. b), do n.º 454/91, de 28/12, na redacção do DL n.º 316/97 de 11).

    2 - Na perspectiva do recorrente, o prejuízo patrimonial não é contemporâneo da emissão do cheque (a relação subjacente é anterior) pelo que o cheque em causa é indiferente para a existência do prejuízo patrimonial pressuposto do crime em questão, uma vez que a dívida já existia em Janeiro de 2005.

    3 - Os pressupostos contidos no art° 11.º n.º b) e 11-A, n.º 2 do Dec-Lei n.º 454/91, de 28/12 e alterações exigem prejuízo patrimonial e a queixa deve conter a indicação dos factos constitutivos da obrigação subjacente à emissão, da data da entrega do cheque ao tomador e dos respectivos elementos de prova.

    4 - O cheque em questão é datado de 15/03/2005 e foi emitido com data posterior, sendo a última factura a 30 dias (n.º 0752) datada de 31.01.2005.

    5 - No entender do recorrente, a prova testemunhal é incongruente ou mesmo irrelevante na incriminação, não resultando prova nenhuma da data da entrega ou do envio do cheque em data posterior à divida.

    6 - Nos termos do raciocínio acima expendido, o prejuízo existente foi anterior à entrega do cheque ou seja este nenhum prejuízo, imediatamente atribuível à respectiva devolução, provocou pelo que não se materializa o pressuposto do prejuízo patrimonial sob nexo causal com a falta de pagamento do dito cheque (condição sine qua non para a verificação do delito de emissão de cheque sem provisão).

    7 - Acresce que, o cheque em causa não foi pago, porque o arguido, falsamente, comunicou ao Banco sacado que o mesmo se havia extraviado. Do elenco legal dos motivos concretos do não pagamento, cfr. art. 11°, n.º 1, al. b). do DL n.º 316/97 de 19/11 (levantamento de fundos, proibição à instituição sacada do pagamento do cheque, encerramento da conta sacada ou alteração das condições da sua movimentação) não consta o falso extravio (que não se encaixa com propriedade em nenhum dos sobreditos casos típicos) pelo que também com este fundamento inexistiria motivo para condenar o arguido pelo crime de emissão de cheque sem provisão.

    8 - Há na sentença recorrida, uma contradição insanável da fundamentação porque, não se tendo provado - no nosso entender, a data da entrega na ligação imediata com o negócio e que com a sua conduta prejudicava o seu beneficiário, não se verificam os elementos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão pelo que a Mmo Juiz “a quo” violou o disposto no artigo 11° do DL 454/91, de 28/12 e alterações.

    9 - Não se verificando o prejuízo patrimonial não há elemento objectivo, nem elemento subjectivo do tipo legal de crime, respeitante ao momento volitivo, impõe-se por isso decisão que julgue a acusação improcedente e absolva o recorrente, incluindo do pedido de indemnização civil, por força do princípio da adesão, art° 71 e segs do C. P. Penal.

    10 - Demonstra-se insuficiente, para a decisão, a matéria de facto provada, uma vez que, da motivação da factualidade provada não resulta aquela prova bastante para ligar o prejuízo à imediatez com que é feita a lesão do património da assistente - 30 dias, contados de Janeiro de 2005 (conforme rezam as facturas era o prazo de pagamento).

    11 - Verifica-se, ainda, na decisão recorrida um erro notório na apreciação da prova, e que conjugado com as regras da experiência, teria forçosamente que levar à absolvição do arguido, isto é, 12 - Erro este que “é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente se dá conta”.

    13 - Pelo que existe na sentença recorrida erro notório na determinação da norma aplicável, havendo lugar à aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 11 ° e 11 ° A, do regime Jurídico do Cheque 14 - A decisão recorrida deveria ser aquela tomada pelo Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 07/02/2007: “I – Só há crime de cheque sem provisão se este, não tendo sido pago por falta de fundos, foi emitido como meio de pagamento imediato de uma obrigação e não também quando se destinou a pagar a dívida que devia ter sido liquidada em data anterior”.

    “II – O não pagamento de um cheque, que se ficou a dever ao facto de o sacador ter comunicado ao banco sacado que o mesmo se tinha extraviado, o que sabia ser falso, não é criminalmente punível, uma vez o motivo invocado – falso extravio – não constitui levantamento de fundos, nem proibição de pagamento, nem encerramento da conta, nem alteração das condições de movimentação da mesma.” (publicado in Col. Jur. de Acórdãos da Relação do Porto, 2007 Tomo I, pago 211) 15 - A Mma Juiz violou na douta sentença, as disposições dos artes 11.º n.º 1 b) e n.º 3, 11.º-A Dec-Lei n.º 454/91, de 28.12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 316/97, de 19/11 DL 83/2003, de 24 de Abril, bem como art.º 394.º do Código Civil, art. 71.º a 74 do Código Penal; Art° 71° e segs do C.P.Penal, 4do C. P. Penal/ 4l0.º; 411.°n.º 1 b) e n.º4 e 412.°, todos do Código de Processo Penal.

    16 - A matéria de facto dada como provada nos item 10 e 11 da sentença recorrida, deveria ter sido considerada não provada por prova evidente da não verificação de prejuízo patrimonial com a ordem de proibição de pagamento de cheque.

    17 - A resposta aos itens 10 e 11, da decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância, não resultou o prejuízo da recorrida derivado do não pagamento do cheque pelo recorrente.

    18 - Acresce que a relação jurídica cambiária envolvente do cheque abstrai da relação jurídica subjacente que liga o emitente e o beneficiário por via da chamada convenção executiva.

    19 - Assim, a circunstância de o cheque não haver sido pago não significa necessariamente a existência de algum prejuízo para o respectivo portador, porque ele continua titular do direito substantivo derivado da relação jurídica subjacente.

    20 - O prejuízo não resulta da conduta do arguido em concreto, mas já tinha ocorrido com o não pagamento da sociedade "F…., Lda", a efectuar nos 30 dias após a data das facturas 0741 e 0742, ou seja, o prejuízo ocorreu com o não pagamento das mencionadas facturas em Fevereiro de 2005 - documentos juntos aos autos e não impugnados.

    21 - Além disso, o recorrente não tinha a obrigação de pagar pessoalmente à assistente, qualquer valor.

    22 - A causa virtual negativa de um dano é essencialmente o facto que o produziria se não tivesse sido efectivamente produzido por um outro que constitui a sua causa real.

    23 - Sem a existência de tal prejuízo não se podia configurar a situação hipotética actual, que constitui uma das vertentes da diferença que constitui o critério da medida da punibilidade ficando o requisito essencial por preencher.

    24 - Por vicissitudes processuais relacionadas com a requisição das cassetes audio, a verdade é que o recorrente na elaboração da sua alegação e respectivas conclusões especificou o mesmo, no corpo da sua alegação embora não especificadamente quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, com indicação dos depoimentos em que se funda dizendo que não foi esclarecido o prejuízo imediato - como consequência directa da obrigação subjacente, e mais que prova gravada em audiência é inconclusiva para a condenação do ora recorrente, ou dela resulta o contrário - que da proibição dada ao banco não resultou prejuízo.

    25 - O recorrente considera provado que o cheque foi entregue com a mercadoria, porque era norma não deixar sair nada sem cheque. - cfr. depoimento da testemunha F…..

    26 - Em todo o caso, com a prova que se vai pôr em causa e analisar parcialmente, o recorrente invoca, desde já, os princípios “in dubio pro reo” e da aplicação do regime mais favorável.

    27 - A prova documental constituída pelo Cheque e facturas 0741 e 0742, emitidas pela assistente, evidenciam a prova de que não se verificou prejuízo patrimonial.

    28 - O recorrente esclarece pretender recorrer da fixação da matéria de facto de uma forma ampla, tendo procedido à transcrição dos depoimentos que, em seu entender, exigem decisão diferente sobre os pontos de facto impugnados.

    29- Na medida do possível vem procurar responder ao convite de reformulação na medida do possível, sendo inequívoco que pretende impugnar de forma ampla a sentença recorrida, nos termos do disposto no art° 412.º n.º 3 e 4 30 - No entender do recorrente foi feita prova da entregue do cheque no acto da entrega da mercadoria, conforme resulta das declarações da I…. e do F…., os quais...

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