Acórdão nº 426/07.9GCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução17 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra I – 1- No processo n.º 426/07 do 1º Juízo criminal de Leiria, VA foi condenado na pena de 12 anos de prisão pela prática dum crime de homicídio qualificado na previsão dos art.ºs 131º e 132º/1 e 2 alíneas h) e i) do Código Penal.

2- O arguido recorre, concluindo – 1) Salvo o devido respeito, está-se em crer que a decisão em recurso incorre no vício da alínea b) do art.º410°/2 do Código de Processo Penal.

2) Com efeito, afigura-se ao recorrente que a peça tida em mira incorre no vício consistente na contradição insanável na fundamentação.

3) Na verdade, o tribunal dá por demonstrada a materialidade constante dos pontos 31) a 38) e simultaneamente dá por provada a materialidade inserta no ponto 39).

4) Circunstancialismo que, na óptica do recorrente, consubstancia a elencada vicissitude exprobrada pelo inciso normativo nomeado.

5) Está-se em crer que constitui aporia incontornável o dar-se por verificado que o arguido padece da patologia de Sindroma de Asperger, com o co-natural condicionamento em termos de personalidade e capacidade volitiva gerador de instabilidade emocional e motivador de dificuldades de relacionamento traduzida em comportamentos regressivos e traços psicopáticos e, simultaneamente que o mesmo tinha capacidade de entender o que fazia e podia determinar-se por tal entendimento.

6) Tal configura patente contradição, sobretudo se analisarmos o texto em causa sob o prisma das regras da experiencia comum que o texto legal em referência elege como padrões observáveis.

7) Deve frisar-se, ainda, que a tal actuação é credora de uma contundente verberação na medida em que se valora erradamente os dados fluentes dos contributos periciais.

8) Sendo certo que a valoração imperfeita, porque irremediavelmente escassa, em que se incorreu irrompe, manifestamente, "contra legem".

9) Efectivamente o artigo 163° do CPP subtrai a prova pericial à livre convicção do julgador, 10) Sendo certo que o n°2 do mencionado inciso taxa um especial dever de fundamentação quando existir essa referida divergência.

11) Face ao teor da peça em recurso indubitável é a constatação de que a divergência existiu não sendo detectável qualquer exercício de fundamentação de tal dissídio, especial ou normal.

12) Mas não se quedam por aqui as razões do inconformismo do recorrente.

13) Na verdade, também no que tange a subsunção jurídica preconizada no acórdão em recurso, há criticas a tecer.

14) Desde logo o tribunal ignora as repercussões oriundas da consideração do homicídio qualificado como um tipo de culpa construído através da técnica legislativa dos "exemplos padrão".

15) Com efeito, atenta a elaboração típica referenciada, as condições enumeradas no art. 132°/2 do Código Penal não funcionam automaticamente, antes assumindo um papel de índices semióticos da existência duma especial perversidade ou censurabilidade do agente.

16) O mesmo é dizer que só uma imagem global do facto agravada que traduza um mais acentuado desvalor de atitude se pode subsumir ao tipo em causa.

17) Ora uma personalidade como a do recorrente é incompatível com esse juízo de culpa agravado; trata-se de pessoa com a sua liberdade de agir claramente limitada.

18) Neste conspecto é evidente a violação do artigo 132/1 do Código Penal, na medida em que se não levou em conta a verdadeira essência desta figura típica.

19) Mostram-se assim violadas as alíneas h) e i) do n°2 do artigo 132° do Código Penal.

20) Na realidade, os autos não traduzem a existência de um "meio insidioso" ou "frieza de ânimo".

21) Relativamente a esta última dir-se-á que o condicionalismo endógeno referido na conclusão 5) é incompatível com tal estado de espírito.

22) Já no que tange à existência de "meio insidioso" não se tem por adequado que o efeito surpresa possa só por si revelar a "ocultação" ou carácter "sub-reptício" exigido pela expressão normativa.

23) Finalmente, quer o recurso nota o seu dissídio relativamente à pena aplicada.

24) Efectivamente a pena surge claramente desfasada dos preceitos normativos reitores deste segmento da juridicidade.

25) Designadamente mostram-se violados os art.ºs 71°/1 e 40/2 do Código Penal.

26) Os sobreditos incisos plasmam os critérios determinantes da fixação da medida da pena elegendo, a esse propósito, uma teleologia essencialmente preventiva, todavia temperada pela ideia da culpa.

27) Nomeadamente o n°2 do citado artigo 40° estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

28) Ora é manifesto que a punição que se verbera não levou em conta que a liberdade do agente de agir de acordo com o direito se encontrava diminuída pela patologia depressiva que a afligia.

29) Razão pela qual a pena aplicada surge como draconiana e em dessintonia com os preceitos invocados, mais a mais quando a moldura oscilava entre os 2 anos, 4 meses e 24 dias e 16 anos e oito meses de prisão.

30) Ora a predita normatividade e a moldura aplicável que a pena concreta se fixe num patamar sensivelmente menor.

3- Respondeu o Ministério Público pelo infundado do recurso, no que teve a concordância do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.

4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir! II – 1- Factos provados e sua motivação –

  1. Factos provados – 1) Em data não apurada, o arguido tomou a decisão de esfaquear o seu irmão RA, nascido a 29 de Julho de 1995, e por essa forma tirar-lhe a vida.

    2) Além disso, pensou em levar à prática esse propósito em circunstâncias tais que posteriormente não fosse possível identificar o autor da prática de tal facto.

    3) Com vista a alcançar tal desiderato, o arguido urdiu um plano segundo o qual iria atrair o seu irmão para um local ermo, a cerca de dois quilómetros da casa de habitação onde residia, alegando que havia encontrado uma ninhada de cães recém-nascidos e aí, com uma faca de cozinha, levaria à prática o seu projectado intento de lhe tirar a vida.

    4) O arguido projectou ainda desfazer-se da faca utilizada no cometimento daquele acto logo após o ter realizado, e telefonar para os seus pais e para a emergência médica pedindo auxílio para o seu irmão, fazendo crer que este havia sido vítima de um ataque perpetrado por desconhecidos.

    5) No dia 25 de Julho de 2007, por volta das 17.05 horas, o arguido encontrava-se na casa de habitação sita na Rua da Paz, n.º 92, Vale da Catarina, Caranguejeira, Leiria, juntamente com o seu irmão RA.

    6) Por volta das 17.15 horas, em execução do que havia planeado, o arguido disse ao RA que havia descoberto no pinhal sito nas proximidades da casa onde se encontravam uma ninhada de cães recém-nascidos, e convidou-o a ir lá para lhos mostrar, convite que o RA aceitou, tendo ficado combinado entre ambos que o arguido iria a pé e, quando chegasse aos pretensos cachorros, enviaria uma mensagem escrita por telemóvel para o RA, que então se deslocaria para o local de bicicleta.

    7) Entretanto, antes de sair de casa, o arguido muniu-se com uma faca de cozinha (apreendida nos autos) com 23,5 centímetros de comprimento, sendo 12 centímetros de lâmina, a qual estava na cozinha daquela habitação, e que colocou à cintura, entre as calções e as cuecas, tendo-se ainda munido de um par de luvas que colocou nos bolsos dos calções que na ocasião trajava.

    8) De seguida, o arguido tomou o caminho do pinhal que confina com a Rua Vale da Branca, situado a cerca de 1.000 metros da sua residência.

    9) Chegado à aludida rua, antes de entrar no pinhal, o arguido enviou uma mensagem escrita pelo telemóvel ao RA, dizendo-lhe para que fosse andando para o pinhal.

    10) O RA recebeu a aludida mensagem e colocou-se ao caminho, fazendo-se transportar na sua bicicleta.

    11) Entretanto, o arguido, após ter percorrido diversos caminhos no interior do aludido pinhal, chegou às imediações de uma linha de água situada num local conhecido por Vale da Janeca.

    12) Aí, o arguido recebeu uma chamada no seu telemóvel realizada pelo Ricardo Alexandre, o qual pretendia saber ao certo onde aquele se encontrava.

    13) Então, o arguido deu-lhe indicações precisas sobre a sua localização e, no seguimento dessas indicações, o RA chegou junto do arguido cerca de 1 minuto depois.

    14) Mal aí chegou, o RA largou a bicicleta e encaminhou-se em direcção do arguido que, de imediato, apontou na direcção da mencionada linha de água e disse que estavam ali os cães.

    15) Face a tal indicação, o RA deu alguns passos na direcção onde alegadamente estariam os cães, passando para a frente do arguido e ficando com as suas costas viradas para este.

    16) Aproveitando tal situação, o arguido colocou então a sua mão esquerda sobre o ombro esquerdo do RA e, após ter retirado a faca que trazia à cintura, empunhou-a e deferiu um golpe nas costas do RA.

    17) Ao sofrer tal golpe, o RA gritou e procurou virar-se para ficar face a face com o arguido mas, ao efectuar o indicado movimento de rotação, entrou em desequilíbrio e caiu no solo, ficando então deitado de costas no chão.

    18) Aproveitando essa situação, o arguido acercou-se mais do RA e desferiu-lhe 15 facadas que atingiram o RA na cabeça, tronco e membros superiores pese embora, aquando das primeiras facadas, o RA tenha procurado defender-se tentando afastar o arguido com os seus membros superiores e inferiores.

    19) Quando o RA perdeu as forças e deixou de esboçar qualquer reacção às facadas, o arguido calçou as luvas com que vinha munido e limpou nelas a faca que tinha ficado ensanguentada.

    20) Posteriormente, o arguido telefonou primeiro para o pai e depois para a mãe, informando-os que o RA tinha sido esfaqueado e que estava morto.

    21) Após, o arguido telefonou para o 112 pedindo auxílio e dando como ponto de referência a Rua da Paz com o intuito de orientar o pessoal da emergência médica na identificação do local da ocorrência.

    22) Entretanto, o arguido começou a fazer o percurso inverso àquele que inicialmente havia realizado até à Rua da Paz.

    23) Após ter percorrido cerca de 200 metros, o arguido encontrou dois indivíduos que andavam à...

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