Acórdão nº 820/04.7PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelALBERTO ANTÓNIO MIRA
Data da Resolução17 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

    No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos: - MG …, solteira, empregada de balcão, filha de … e de …, nascida no dia …, na Guarda, residente na Rua …, Buarcos, Figueira da Foz; - AM…, solteiro, empregado de mesa, filho de …e …, nascido no dia …, na freguesia de …, Figueira da Foz, residente na Rua …, Buarcos, Figueira da Foz; e - LO…, casado, carpinteiro de limpos, filho de … e …, nascido no dia …, em …, Montemor-o-Velho, residente na Rua …, Várzea, Alhadas, Figueira da Foz; acusados, os dois primeiros arguidos, da prática, em co-autoria e sob a forma tentada, de um crime de coacção grave, p. p. pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, por referência aos artigos 154.º, n.º 1, 144.º, 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal; e o arguido LO…., da prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, als. a) e c), do DL n.º 454/91, de 28-12, na redacção dada pelo DL n.º 316/97, de 19-11 e DL n.º 323/2001, de 17/12.

    1. “…, Lda.” deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido LO…, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de € 3.150,23, acrescida de juros de mora legais, contados desde a data da dedução do pedido até efectivo e integral pagamento.

    2. Por sentença de 16 de Julho de 2007, o tribunal, julgando a acusação parcialmente procedente e o pedido de indemnização civil totalmente procedente, decidiu nos seguintes termos: - Condenou a arguida MG…, pela prática, em co-autoria material e sob a forma tentada, de um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros); - Condenou o arguido AM…, pela prática, em co-autoria material e sob a forma tentada, de um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à razão diária de € 5,00; - Condenou o arguido LO…, pela autoria material e sob a forma consumada, de um crime de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, als. a) e c), do DL n.º 454/91, de 28-12, na redacção dada pelo DL n.º 316/97, de 19-11, e DL n.º 323/2001, de 17-12, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros); - Condenou o demandado LO…. a pagar à demandante “…, Lda.” a quantia de € 2.845,00 (dois mil oitocentos e quarenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa leal, desde a data da emissão do cheque em questão, até efectivo e integral pagamento. 3.

      Inconformados com a decisão, dela recorreram os arguidos MG… e LO…, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

      1. Arguida Goreti Teixeira (fls. 513/515): 1.ª – A Recorrente dá aqui por reproduzido os demais recursos interpostos (com as respectivas motivações), já que em todos mantém interesse.

        1. – A prova produzida não permite julgar provado qualquer dos factos imputados à ora Recorrente, como resulta negativamente de todos os depoimentos prestados em audiência em que a Meritíssima Senhora Juíza assentou tal decisão – cfr. as gravações contidas nas cassetes que registaram a produção de prova e as respectivas transcrições.

        2. – Os factos imputados à Recorrente, por omissão de elementos essenciais, como a data, não são susceptíveis de integrar a previsão dos tipos de ilícito em causa.

        3. – Por essa razão, deveria ter sido julgada nula a acusação que serviu de base ao julgamento.

        4. – O facto de o P… ter apenas tomado conhecimento dos factos que se imputa à ora Recorrente através do CM…, e não directamente pela ora Recorrente ou pelo A…, é revelador e obriga à conclusão de que se não verificou qualquer situação de coacção do dito P…da responsabilidade da ora Recorrente ou do A….

        5. – E não sendo possível, perante isso, considerar sequer que a ora Recorrente (ou o A…) tivessem constrangido, ou tivessem tentado constranger, o ofendido a qualquer acto ou omissão. Muito menos que ele se tivesse sentido constrangido.

        Temos em que, deve a sentença recorrida ser revogada e a recorrente absolvida.

      2. Arguido LO… (fls. 471 a 482): 1.ª – O arguido LO… foi condenado, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, als. a) e c), do DL n.º 454/91, de 28-12, na redacção dada pelo DL n.º 316/97, de 19-11 e DL n.º 323/2001, de 17-12.

        1. – O Tribunal a quo deu como provado que “5. No dia 02 de Janeiro de 2004, o arguido LO… assinou e entregou, no bar discoteca …, sito … e ao portador, o cheque n.º 7775558055, com o valor inscrito de € 2845,00 (dois mil oitocentos e quarenta e cinco euros), destinado a servir de meio de pagamento de despesa de consumo pelo arguido, naquele dia na … (…) 8. Ao não receber o montante titulado no cheque, a ofendida teve prejuízos, posto não o pode utilizar no seu circuito comercial”.

        2. – O Tribunal a quo formou a sua convicção nos documentos constantes dos autos, bem como do NUIPC 340/04.0TAFIG e do NUIPC n.º 31/04.1PBFIG.

        3. – O Tribunal recorrido não valorou as declarações do arguido LO…, prestadas em julgamento.

        4. – Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto, em relação aos mesmos, não foi produzida prova.

        5. – Da análise da prova produzida não ficou demonstrado que o arguido tivesse assinado o cheque dos autos, nem sequer que o tivesse entregue de livre vontade no bar …, nem que o arguido tivesse efectuado despesa de consumo naquele bar em valor correspondente à importância do citado cheque.

        6. – Das declarações do arguido em sede de julgamento, e transcritas na presente, resultou comprovado o facto de o mesmo ter sido pressionado a apor um rascunho no cheque dos autos, o que não corresponde à sua assinatura, conforme cópia do seu Bilhete de Identidade constante dos autos.

        7. – O Tribunal a quo deveria, salvo o devido respeito, ter considerado as declarações prestadas pelo arguido em julgamento como válidas e merecedoras de credibilidade, até porque nenhum testemunho foi prestado nos autos que pudesse contradizer a sua versão, nem que pudesse provar o alegado (e não provado) pela ofendida e demandante civil.

        8. – A factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo não colhe apoio em prova testemunhal, nem se compatibiliza com a prova documental junta aos autos.

        9. – Não ficou provado em sede de julgamento que o arguido tivesse emitido e entregue à ofendida o cheque dos autos.

        10. – Também não se fez prova em audiência da existência de uma relação jurídica subjacente que justificasse um prejuízo patrimonial no valor do cheque em apreço.

        11. – In casu não foram preenchidos dois dos quatro elementos objectivos do tipo legal de crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. no artigo 11.º, n.º 1, als. a) e c) do DL 454/91, de 28-12, com as consequentes alterações, nomeadamente, a emissão e entrega do cheque a outrem e a exigência que esse comportamento cause prejuízo patrimonial.

        12. – Entendemos, salvo melhor opinião, que o Tribunal recorrido não seguiu um raciocínio lógico e de acordo com as regras da experiência comum na apreciação da prova, o que se evidencia do texto da respectiva decisão.

        13. – Vemos como claramente ilógico e arbitrário o facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que o arguido, naquele dia e hora, tivesse realizado despesa de consumo no bar …, durante menos de uma hora, no valor de dois mil oitocentos e quarenta e cinco euros, quando tal não corresponde às declarações do arguido, e a prova desses factos não foi feita em julgamento.

        14. – Consequentemente, e sem embargo do conhecimento oficioso que assiste ao Tribunal da Relação, em nosso modesto entender temos que se verificou erro notório na apreciação da prova na douta decisão recorrida, previsto nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.Penal.

        15. – Na decisão sob recurso não é possível decidir contra o arguido, pois não decorre da factualidade provada que fossem preenchidos todos os requisitos indispensáveis do tipo legal de crime de que o arguido foi acusado.

        16. – Na decisão recorrida não é feita referência aos concretos elementos de prova que permitam ao julgador formar a sua convicção quanto aos factos provados para além de qualquer dúvida razoável, até porque, efectivamente, esses elementos de prova são inexistentes.

        17. – No caso em apreço, entendemos, com o devido respeito, que se deve aplicar o princípio in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, sem qualquer limitação.

        18. – Ao ordenar que a dúvida seja resolvida a favor do réu, segundo o princípio in dubio pro reo os factos favoráveis ao arguido devem dar-se como provados desde que certos e duvidosos, ao passo que para a prova dos factos desfavoráveis ao arguido se exige certeza (cfr. Ac. STJ 04-10-01).

        19. – Face à prova produzida em sede de julgamento, o arguido deveria ter sido absolvido, pois a decisão viola flagrantemente o disposto no artigo 410.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Penal e o princípio in dubio pro reo.

        20. – Pelas razões expostas, deverá ser revogada a douta sentença do tribunal a quo e ser proferido acórdão que absolva o arguido Licínio de Oliveira Paulino do crime de que foi acusado.

    3. A arguida MG…recorreu também dos despachos proferidos a fls. 393, 395 e 440.

      1. Rematou a motivação do recurso interposto dos despachos de fls. 393 e 395 com as seguintes (transcritas) conclusões (fls. 444 a 450): A. Os despachos recorridos baseiam-se em interpretação do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal que parece errada e sempre faria enfermar a norma em causa de absoluta inconstitucionalidade.

      2. No primeiro dos despachos recorridos, a Meritíssima Juíza já se pronunciou sobre a prova de alguns dos factos alegados na acusação, considerando alguns deles como já provados.

      3. O artigo 358.º consagra a possibilidade de o Juiz corrigir as acusações aproveitando o mesmo...

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