Acórdão nº 883/07.3TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução02 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório: No processo acima identificado por sentença de 15 de Dezembro de 2008, transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2009, o arguido A...

foi condenado: - pela prática de um crime de detenção ilegal de armas p. e p. pelo art° 6°/1 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de nove meses de prisão; - pela prática de um crime de tráfico de armas p. e p. pelo art° 6°/2 da Lei 22/97, de 27-6 na pena de um ano de prisão; - pela prática de um crime de detenção ilícita de armas p. e p. pelo art° 86/1-c) da Lei 5/2006 de 23-2 na pena de um ano de prisão.

- pela prática de um crime de detenção ilícita de munições p. e p. pelo art° 86/1-d) da Lei 5/200| de 23-2 na pena de sete meses de prisão; Em cúmulo na pena única de um dois anos e três meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo (fls. 506 e ss).

* Por despacho de 15-07-2013, decidiu o tribunal revogar a suspensão da execução da pena.

* Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1. O Despacho recorrido ao não viabilizar a realização de uma audiência presencial do arguido, a fim de apreciar, conscientemente e com conhecimento da real situação actual do Recorrente, preteriu de forma clara o direito à audiência previsto no art. 495º, nº 2 do CPP.

  1. A consequência dessa preterição, susceptível de afectar gravemente os direitos de defesa do arguido e de infringir a dimensão constitucional do princípio do contraditório e do direito constitucional de assistência por defensor, plasmados no art.º 32º nº 1, 3, e 5 da CRP, significa a “ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, e integra a nulidade insanável prevista no art.º 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

  2. Em conformidade com o disposto no art.º 122º nº 1 do Código de Processo Penal, esta nulidade, por preterição da audiência prévia a que se reporta o art.º495 n.º 2 do C.P.P, torna também insanavelmente nulo, o despacho recorrido.

  3. Nos presentes autos a suspensão da pena de prisão aplicada ao ora Recorrente foi revogada pelo facto de o ora Recorrente ter, segundo o Despacho recorrido, praticado dois crimes dolosos no período da suspensão.

  4. Porém, o Tribunal a quo parece olvidar duas coisas, a nosso ver, muito importantes: a) Primeira: O ora Arguido nos presentes autos foi condenado a uma pena única de 2 anos e 3 meses por factos praticados em 04/01/2006, ou seja, por factos praticados há mais de 7 anos.

    1. Segunda: O Douto Despacho refere que no período da suspensão o ora Recorrente praticou um crime de roubo pelo qual foi condenado numa pena de prisão efectiva de 3 anos e 6 meses. Contudo, esqueceu-se de referir que o ora Recorrente cumpriu já essa pena de prisão efectiva, encontrando-se já em liberdade condicional quando o Douto Despacho recorrido foi proferido e notificado ao ora Recorrente.

  5. Se o ora Recorrente cumpriu já a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada no processo cujo crime foi praticado durante o período de suspensão, que sentido faz o Tribunal, agora, revogar-lhe a suspensão de uma pena de prisão cujos factos foram praticados há mais de 7 anos atrás e já depois deste cumprir a pena de prisão pelo crime praticado no período da suspensão?! 7. O ora Recorrente já cumpriu aquela pena de prisão efectiva, encontra-se em liberdade condicional desde 1 de Julho de 2013, pelo que é possível e até expectável (segundo o Douto Despacho) que agora, após estar em cumprimento de pena, o ora Recorrente altere o seu “percurso criminoso” 8. Logo, é possível (segundo o próprio raciocínio do Tribunal a quo) fazer-se um juízo de prognose favorável de que o ora Recorrente, depois de ter a consciência do que é efectivamente estar privado da liberdade não volte a praticar crimes.

  6. Note-se, ainda, que quando foi apreciada a liberdade condicional do arguido, o presente processo (como é evidente) já existia. Ora, apesar disso, tal facto não impediu que o Tribunal de Execução de Penas entendesse que o mesmo reunia todas as condições para ser restituído à liberdade.

  7. Agora que o ora Recorrente encetou já a sua reintegração social e que apresenta um sentido critico face ao seu passado criminal, que se dedica exclusivamente à sua família e que se encontra a desenvolver seriamente um esforço para aumentar e desenvolver as suas capacidades pessoais e sociais assim como a sua formação profissional, o Tribunal a quo pretende colocá-lo novamente dentro de um Estabelecimento Prisional para cumprir uma pena por factos praticados há sete anos atrás.

  8. O regresso do ora Recorrente à prisão, por via da revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, após vários meses do ora Recorrente estar já em liberdade condicional e depois de ter já cumprido com sucesso uma pena total de 4 anos e 2 meses, acrescido de 6 meses (por aplicação de uma outra pena), representa a frustração total e grosseira das finalidades de prevenção especial e de ressocialização! 12. A nosso ver, sendo inequívoco que o ora recorrente praticou factos graves no decurso do período de suspensão e que, por essa via, desmereceu do juízo prognóstico favorável contido nessa suspensão, existem factores que, devidamente ponderados, desaconselham, nesta fase, a revogação da suspensão, a qual só deverá ocorrer como última ratio, se estiverem frustradas, definitiva e inexoravelmente, as finalidades que por via da suspensão se visavam alcançar.

  9. Assim, no caso concreto, havia que ponderar que os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução ocorreram há mais de 7 anos; que o período de suspensão da execução da pena findou há mais de 2 anos; que o tribunal, sem que se perceba o porquê, levou quase 4 anos a decidir-se pela revogação ou não da suspensão (o primeiro crime praticado no período da suspensão, conforme resulta do Despacho Recorrido foi praticado nove meses depois do trânsito da sentença proferida nos presentes autos), quando, pelo menos há quase de 2 anos (tendo em vista a data do trânsito em julgado do Acórdão que condenou o ora Recorrente pela prática do crime de roubo – último crime praticado no período da suspensão - e tendo em vista a data do despacho recorrido) que estava em condições de se pronunciar, por já haver decisão transitada no processo cuja condenação veio, segundo o Despacho recorrido, a justificar a revogação agora em apreço.

  10. Ora, é precisamente quando o condenado enceta um caminho de ressocialização em liberdade, no âmbito do acompanhamento a que se encontra sujeito durante o período de liberdade condicional, com adesão às intervenções no âmbito social e da saúde e prosseguindo objectivos estruturados e estruturantes, que se pretende reenviá-lo para o estabelecimento prisional, no que constituirá um retrocesso no seu percurso de socialização, sem que se alcancem quaisquer vantagens no plano das finalidades preventivas (gerais e especiais) da punição.

  11. E, no caso, a decisão é excessivamente tardia, quer considerando o final do período de suspensão da pena, quer a data da prática do facto, quer a circunstância de a decisão de revogação ter sido proferida quase 2 anos depois de já haver decisão transitada no processo cuja condenação ditou essa revogação e depois do recorrente ter já cumprido a pena de prisão que lhe foi aplicada naquele mesmo processo.

  12. Neste contexto, afigura-se-nos que, pese embora a gravidade dos factos cometidos no decurso do período de suspensão, face ao que ficou dito, sempre haveria que correr o risco inerente ao juízo de prognose favorável e permitir ao condenado, ora Recorrente, uma prorrogação da suspensão e não uma revogação da suspensão da execução da pena.

  13. Decidir-se como decidiu o Tribunal a quo, é violar-se, claramente o disposto no art. 20º, nº 5 da CRP e art. 32º, nº 2 parte final, na medida em que o Tribunal a quo ao não ouvir presencialmente o ora Recorrente para apurar a real e actual situação do Recorrente e ao revogar a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos sem atender a tudo quanto supra se expôs (os factos pelos quais o ora recorrente foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução ocorreram há mais de 7 anos; que o período de suspensão da execução da pena findou há mais de 2 anos; que o tribunal, sem que se perceba o porquê, levou quase 4 anos a decidir-se pela revogação ou não da suspensão; quando, pelo menos há quase de 2 anos que estava em condições de se pronunciar, por já haver decisão transitada no processo cuja condenação veio, segundo o Despacho recorrido, a justificar a revogação agora em apreço) impediu o ora Recorrente de ver a sua situação nos presentes autos ser julgada no menor curto espaço de tempo (isto no que à revogação diz respeito) e, ainda, impediu que a este (recorrente) fosse assegurado a celeridade e prioridade que o seu processo exigia e que a segurança jurídica impunha.

    NORMAS VIOLADAS: 1. Art. 495º, nº 2 do CPP; 2. Art. 119º, nº 1 alínea c) do CPP; 3. Art. 13º da CRP; 4. Art. 55º, 56º ambos do CP; 5. Art. 20º e 32º da CRP Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e em consequência, ser revogando o Despacho recorrido e prorrogando-se por um ano o período de suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente. “ * Na resposta o Ministério Público pugna pela manutenção da decisão recorrida, concluindo: 1 - A decisão que ditou a revogação da suspensão da execução da pena imposta ao arguido não enferma de qualquer vício processual, designadamente da nulidade prevista no artigo 119°, n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto foi cumprido, em pleno, o direito ao contraditório, e não era legalmente exigível a prévia audição presencial do arguido, pelas razões desenvolvidas na presente resposta.

    2 - Bem pelo contrário, essa decisão...

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