Acórdão nº 47/13.7TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução25 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo em fase de instrução 47/13.7TAPBL do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal o assistente A...

, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B...

apresentou queixa contra a arguida C...

imputando-lhe factos relativos a bens da herança que integrou nos crimes de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º do Código Penal e de burla p. e p. pelo artigo 217º do Código Penal.

Realizado o inquérito, o Ministério Público decidiu proceder ao arquivamento dos autos.

O assistente requereu a realização de instrução, pretendendo a pronúncia da arguida pela autoria dos citados crimes.

Por despacho proferido em 4.11.2013 a Mmª Juiz de Instrução rejeitou o requerimento de instrução por inadmissibilidade legal. Inconformada com o teor de tal despacho, dele recorreu o assistente A...

, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 01 A douta sentença confunde factualidade necessária com elemento subjectivo. O requerimento de abertura de instrução é a descrição da factualidade que em sede de pronúncia estabelecerá os elementos objectivos e subjectivos da prática criminosa. Essa factualidade é vasta no requerimento de abertura de instrução não admitido.

02 No caso de arquivamento pelo MP, o requerimento de abertura de instrução define o objeto e os limites de investigação do juiz de instrução O objecto do processo é fixado pelo despacho de acusação ou de pronúncia se existir.

03 Em nenhum momento a jurisprudência estabelece como objecto do processo o requerimento de abertura de instrução. A jurisprudência estabelece um paralelismo entre a acusação e o requerimento de abertura de instrução, para os efeitos das alíneas a), b), c) e d) do n.º 3 do art.º 311º CPP, ou seja na descrição da factualidade.

04 O requerimento de abertura de instrução não é nem uma acusação nem um despacho de pronúncia. Mas se fosse de exigir ao requerimento de abertura de instrução o elemento subjectivo, neste caso, requerimento formulado e indeferido contém uma vasta descrição da factualidade integradora do elemento subjectivo da conduta da agente.

05 Não podemos nunca estar perante uma exigência de formas canónicas pré-estabelecidas porque os factos são únicos c como tal a factualidade está sujeita à sua própria especificidade, além de que um dos princípios estruturantes de todo o processo penal é o do princípio da investigação e da verdade material. Pelo que não é de se aplicar em processo penal o princípio da auto responsabilidade probatória das partes.

06 O que se exige são descrições factuais para que o arguido se possa defender de factos, nunca formas canónicas preestabelecidas. Entender de forma diversa corresponde a negar o direito de defesa do arguido e a negar a tutela de bens jurídicos dotados de relevância penal.

Termos em que, nos melhores de Direito, e sempre com o Vosso mui douto suprimento, em face de tudo o que ficou exposto, requer que o Colendo Tribunal dê provimento ao recurso, e em consequência Revogue a douta decisão do tribunal ad quo, que julgou o requerimento inadmissível e que determinou o arquivamento dos autos, substituindo-a por outra que determine a abertura da instrução requerida, Deste modo fazendo Vossas. Excelências, aliás, como é apanágio desse Respeitável Tribunal, estarão a realizar a sempre sacramental e indispensável JUSTIÇA! O recurso foi objecto de despacho de admissão.

Notificados, o Ministério Público e a arguida responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência e manutenção do despacho recorrido.

Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o assistente exerceu o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*** II. Fundamentos da Decisão Recorrida A decisão objecto do presente recurso é do seguinte teor: A..., assistente, veio requerer a abertura da instrução relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Público de fls. 89 a 99 dos autos, fundamentado na inexistência de elementos que permitam concluir pela verificação de qualquer ilícito típico, nos termos do artigo 277º n.º 2 do Código Processo Penal, Pretendendo a pronúncia da arguida pelas razões que alega a fls. 110 e ss. dos autos e que qualifica como um crime de abuso de confiança e um crime de burla, revistos e punidos, respectivamente, pelos artigos 205º n.º 1 e 217º n.º 1, ambos do CPP.

Da existência de questões prévias, nulidades ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da instrução: De acordo com o disposto no art. 287º do CPP, sob a epígrafe “Requerimento para abertura da instrução”: “1 - A abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:

  1. Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c).

Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.

3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (…)” – sublinhado nosso.

Por sua vez, o art. 308º do CPP, sob a epígrafe “Despacho de pronúncia ou não pronúncia” dispõe: “1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior. (…)”.

O art.

283º do CPP sob a epígrafe “Acusação pelo Ministério Público” dispõe: “ (…) 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: a) (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis; (…)” - sublinhado nosso.

Finalmente há, ainda, que ter em conta o art. 303º do mesmo diploma, que vincula o Juiz aos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, estipulando o n.º 3 desse artigo que uma alteração substancial do requerimento de abertura de instrução leva a novo inquérito.

Destes preceitos resulta que o requerimento de abertura da instrução formulado pelo assistente é mais do que uma forma de impugnar o despacho de arquivamento, uma vez que para esta existe a reclamação hierárquica, ou um meio de requerer atos de instrução ou novos meios de prova.

Na verdade, o objeto da instrução requerida pelo assistente é fixado pelo respetivo requerimento de abertura.

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