Acórdão nº 290/12.6TAACN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelLUÍS COIMBRA
Data da Resolução14 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1. No âmbito do Processo Comum (Singular) nº 290/12.6TAACN, do Tribunal Judicial da Alcanena, o arguido A...

(melhor identificado nos autos), após ter sido acusado pelo Ministério Público como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º nºs 1 e 2 do Código Penal, foi submetido a julgamento tendo, a final (a fls. 200 a 219), sido proferido sentença em que se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): “Atento o exposto, decide-se: a)- absolver o arguido A... de crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do Código Penal; b)- condenar o arguido A... na pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art.º 145.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, por referência à al. b) do n.º 2, do art.º 132.º, todos do CP; c)- substituir a pena de 6 meses de prisão aplicada ao arguido A... por 180 dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete) euros, no total de € 1.260 (mil duzentos e sessenta) euros; d)- condenar o mesmo arguido na taxa de justiça, que se fixa em 3 UC (art.ºs 513.º, n.º 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP) e nos demais encargos a que sua actividade houver dado lugar (art.º 16.º do RCP).

(…)” 2. Inconformado, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 222 a 225), retirando da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “I- O Arguido foi acusado pelo Ministério Público e julgado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº 1 alínea a) e nº 2 do C.P.

II - O Arguido vela a ser absolvido da prática do crime de violência doméstica e condenado pelo crime de ofensa à Integridade física qualificada p. e p pelo artigo 145º, nº 1 alínea b) e nº 2, por referência a alínea b) do nº 2 do artigo 132º todos do C.P, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 7,00 (Sete euros) no total de € 1260,00 (Mil duzentos e sessenta euros) III Nos presentes autos, verificou-se uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, alteração que não foi comunicada ao Arguido.

IV- A mera alteração da qualificação jurídica não constitui alteração de factos (substancial ou não substancial) mas é-lhe aplicado o regime jurídico da alteração não substanciai dos factos.

V- Nos termos conjugados dos artigos 379º, nº 1 alínea b), 358º, nº 1 e 3 do CPP, e nula a sentença que, sem prévia comunicação ao Arguido, procede à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação.

VI- A não comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica implica a nulidade da decisão, nos termos do mencionado artigo 379º, nº 1 alínea b) do CPP VII - A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo violou o estatuído no nº 3 do artigo 358º do CPP e, ao agir desta forma, cometeu a nulidade referida no artigo 379º nº 1 alínea b) do mesmo diploma VIII - Os crimes de violência doméstica e da integridade física qualificada são distintos entre si, quer nos seus elementos objetivos quer nos subjetivos.

IX - A alteração de direito, da qualificação jurídica, será sempre questão de relevo para a decisão da causa.

X - O crime de violência doméstica tem natureza pública, sendo que o MP tem legitimidade para promover o processo penal (vd artigo 48º do CPP) XI - O procedimento criminal pelo crime de ofensas a Integridade física qualificada, crime pelo qual o Arguido foi condenado pelo Tribunal o quo , depende de queixa, sendo que a queixa constitui o pressuposto para que o processo penal possa iniciar-se.

XII - No caso em apreço, a ofendida não manifestou de forma clara e inequívoca a vontade de exercer a ação penal contra o arguido pelo que é de concluir pela ilegitimidade do Ministério Público para promover o processo, nomeadamente deduzir acusação na ausência de queixa da ofendida XIII - Tendo alterado a qualificação Jurídica em face dos factos considerados provados, o Tribunal o quo deveria ter declarado inadmissível o procedimento criminal por inexistência de queixa da ofendida, pelo que, não o tendo feito, a douta sentença enferma, nessa parte e por tal fundamento, de nulidade.

Termos em que, e nos que doutamente serão supridos por V.ªs. Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se nula a sentença recorrida por violação do estatuído no nº 3 do artigo 358º, conjugado com o nº 1, b) do artigo 379º ambos do CPP e inadmissível o procedimento criminal por ausência de queixa.

Fazendo assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!” 3. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 226.

  1. A assistente B...

    (a fls. 231 a 240), respondeu ao recurso concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida nos seus precisos termos.

  2. O Ministério Público junto da primeira instância, a fls. 242 a 250, respondeu também ao recurso, concluindo que, no que respeita à arguida nulidade da sentença por falta da comunicação da alteração da qualificação jurídica, deverá ser dado provimento, o mesmo não sucedendo em relação à invocada inadmissibilidade legal do procedimento criminal pela alegada falta de queixa porquanto o crime de ofensa à integridade física qualificada reveste natureza pública.

  3. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 258 e 259), acompanhando a resposta da magistrada do Ministério Público de 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento como defendido por aquela magistrada.

  4. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

  5. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

    No caso vertente, e vistas as conclusões do recurso as questões suscitadas, apenas de direito, consistem em saber: 1 - Se a sentença é nula nos termos do artigo 379º nº 1 b) do Código de Processo Penal, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 358º nºs 1 e 3 do mesmo código; 2 - Se o crime de ofensa à integridade física qualificada reveste natureza semi-pública e, nessa medida, por falta de queixa, ao Ministério Público não assistia legitimidade para promover o processo.

    * Vejamos o que da sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto ao enquadramento jurídico dos mesmos (transcrição): “A)- Factos Provados 1.

    A assistente B... e o arguido A... casaram-se no dia 2 de Dezembro de 1978 e residem numa habitação sita na (...), Concelho de Alcanena; 2.

    O referido casal tem dois filhos em comum, C...

    e D....

    , ambos já maiores de idade e economicamente independentes, tendo o filho D... residido com os seus progenitores, na morada supra indicada, até Junho de 2013; 3.

    Nos últimos treze a catorze anos, em datas não concretamente apuradas, o arguido, algumas vezes, dirigiu-se à assistente, quer quando se encontrava a sós com ela quer na presença de terceiros, dizendo-lhe “ És uma burra “ e, pelo menos uma vez, “És uma chula “; 4.

    O arguido assumiu sozinho a gestão da casa e os negócios de família; 5.

    No início do ano de 2012 e após a assistente ter dito ao arguido que se queria divorciar, continuaram a viver na mesma casa, mas a dormir em quartos separados; 6.

    O arguido não aceitou inicialmente o divórcio; 7.

    Por diversas vezes, o arguido convidou diversos amigos e outras pessoas para o interior da residência e para o anexo próximo da residência, tendo, em algumas dessas vezes, alguns dos convidados permanecido nesses espaços até de madrugada; 8.

    O arguido cancelou o cartão de crédito que dera à assistente e que esta usava para pagar as despesas da casa e as suas próprias despesas; 9.

    No dia 15 de Agosto de 2012, no decorrer de uma discussão relacionada com o divórcio, durante a qual o arguido disse à assistente para tirar a sua roupa do quarto porque precisava desse espaço para pôr a roupa de outra mulher e após a assistente se ter posto à frente da porta do quarto de vestir para evitar que o arguido retirasse as suas roupas daquele local, o arguido agarrou nos braços da assistente e, mantendo-os agarrados, empurrou-a até a colocar fora da porta do referido quarto; 10.

    Em consequência directa e necessária desta conduta do Arguido, a assistente sofreu dores nas zonas corporais atingidas e recebeu, nesse mesmo dia, assistência médica no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Leiria/Pombal, tendo apresentado hematoma na face interna de ambos os braços; 11.

    O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, que concretizou, de ofender a honra e dignidade da assistente e de a molestar fisicamente; 12.

    O arguido sabia ainda que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal; 13.

    A assistente intentou procedimento cautelar de alimentos provisórios contra o arguido em 28/12/2012, que correu os seus termos neste Tribunal sob o n.º 514/12.0TBACN, no qual requereu que este lhe prestasse alimentos pois dele carecia, o qual veio a ser julgado improcedente por sentença proferida em 19/04/2013, já transitada em julgado; 14.

    Em Agosto 2013, o arguido passou a residir num anexo da casa de morada de família e independente desta; 15.

    No dia 15/08/2012, o arguido pediu à assistente uma reunião para lhe sugerir que tratassem do divórcio no Conservatória do Registo Civil, de comum acordo; 16.

    Durante a reunião, a assistente disse-lhe que isso...

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