Acórdão nº 191/07.0TAACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi a arguida A... . condenada na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 20,00 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, do art. 148º n 1 do Código Penal.

A arguida B..., igualmente acusada pela prática do mesmo crime, veio a ser absolvida.

  1. Inconformados, o Ministério Público e a arguida A... recorreram, retirando da motivação as seguintes conclusões: Ministério Público «1ª - Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da douta Sentença de fls. 1446 a 1494, em que condenou a arguida A... . pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de 20,00 € (vinte euros), o que perfez a multa de 800,00 € (oitocentos euros).

    1. - Foram incorrectamente julgados como provados: 2.1.34 - Apenas e tão-só o segmento do facto: -- A imobilização de uma fractura do rádio realizada como descrito em 2.1.33. é, em abstracto susceptível de uma maior garantia na imobilização da fractura e solidez na consolidação da fractura e que podia, ou não, no caso dos autos, melhorar a consolidação da fractura e diminuir o grau de imobilização resultante de tal consolidação.

      2.1.41. - Apenas e tão-só o segmento do facto: -- As dores e sofrimento ....

    2. - Foram incorrectamente julgados como não provados: 2.2.2 - As sequelas observadas no punho direito de D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.

      2.2.3 - Com excepção das dores e sofrimento, no período temporal compreendido entre 7 e 14 de Outubro de 2006, as sequelas observadas no punho direito do D…, nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... ..

      2.2.5 - Que o comportamento omissivo dos deveres funcionais por parta da arguida A... . foi causa adequada a ter-se verificado a consolidação viciosa da fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).

    3. - Nos termos do artigo 151º do Código de Processo Penal, "a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos".

    4. - O artigo 163º, nº 1, do Código Processo Penal consagra uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, consagrado no artigo 127º, do mesmo Código, na medida em que “o juízo técnico e científico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador." 6ª - O julgador está "amarrado" ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação, face ao estatuído no nº 2, do artigo 163º nº 2, do Código de Processo Penal. 7ª - O I.N.M.L. - Instituto Nacional de Medicina Legal é um instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, que prossegue atribuições do Ministério da Justiça, tem a natureza de laboratório do Estado, sendo suas atribuições, entre outras, cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm na administração da justiça, realizando os exames e perícias de medicina legal e forenses que lhe forem solicitados e prestando-lhes apoio técnico e laboratorial especializado, sendo considerado instituição nacional de referência. 8ª - A Lei concebeu o I.N.M.L. como uma instituição de natureza judiciária a quem atribuiu uma posição de nível superior ao de todas as outras instituições e entidades, públicas ou privadas, a quem possa ser solicitada a realização de perícias médico-legais e forenses, ciente de que a sua alta especialização permite alcançar um muito maior rigor científico nas perícias e exames a realizar.

    5. - Os peritos do I.N.M.L. gozam de autonomia técnico-científica, de isenção e imparcialidade designadamente, no que respeita à sua designação.

    6. - Compete ao Conselho Médico-Legal, entre outros, "emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial" e, bem assim, "pronunciar-se sobre questões de índole ética no âmbito da actividade pericial nacional e da actividade de investigação desenvolvida pelos serviços médico-legais." 11ª - “Os pareceres técnico-científicos emitidos pelo conselho médico-legal são insusceptíveis de revisão e constituem entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada, . a apresentação de novos elementos que fundamentem a sua alteração." 12ª - O relator da consulta Técnico-Científica do Conselho Médico-Legal do I.N.M.L. não é um consultor técnico e a Consulta Técnico-Científica pelo mesmo relatada não constitui prova documental, como erradamente os qualificou a douta sentença a quo.

    7. - Nos termos do disposto na alínea c), do nº 3, do artigo 412º e do nº 4, do Código de Processo Penal: a) Deve ser renovada a prova constante da Consulta Técnico Científica de fls. 234 e 235, elaborada pelo Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, devendo tal meio de prova ser qualificado, juridicamente, como prova pericial; b) Devem ser renovados os esclarecimentos do Exmº. Sr. Prof. Doutor C..., Perito do Conselho Médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, a serem qualificados juridicamente como esclarecimentos efectuados por perito e não como "mera" prova testemunhal.

    8. - Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, als. a), b) e c) e 4, do Código de Processo Penal a renovação de tais meio de prova, nos termos acima transcritos.

    9. - A douta sentença a quo valorou prova pericial em detrimento de outra prova, também de natureza pericial, tendo errado ao qualificar esta segunda de provas documental e testemunhal e, por via do confronto dessas duas provas periciais, não fundamentou, de forma acrescida e especial, a opção por uma em detrimento da outra.

    10. - Os meios de provas referidos em 138 e 148 - periciais - devem ser tidos em conta e devem sobrepor-se aos esclarecimentos prestados pelo dr. E..., também Perito do Gabinete Médico-Legal de Leiria, em virtude de a Consulta Técnico Científica e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Prof. Doutor C..., Perito do Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, assumirem a qualidade de "perito dos peritos”.

    11. - Da renovação dos meios de prova acima mencionados impunha que na douta sentença a quo: a) Se tivesse dado como provado que: 2.1.34 - A imobilização de uma fractura do rádio realizada como descrito em 2.1.33. é susceptível de uma maior garantia na imobilização da fractura e solidez na consolidação da fractura e que podia, no caso dos autos, melhorar a consolidação da fractura e diminuir o grau de imobilização resultante de tal consolidação.

      2.1.41. - As dores e sofrimento suportados pelo ofendido no período temporal compreendido entre 7 de Outubro de 2006 e 14 de Outubro de 2006 ocorreram por inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.

      2.1.41.1 - As sequelas observadas no punho direito de D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.

      2.1.41.2 - Para além das dores e sofrimento, no período temporal compreendido entre 7 e 14 de Outubro de 2006, as sequelas observadas no punho direito do D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... ..

      2.2.41.3 - O comportamento omissivo dos deveres funcionais por parta da arguida A... . foi causa adequada a ter-se verificado a consolidação viciosa da fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).

      1. Não podiam ter-se dado como não provados os factos enunciados na douta Sentença sob os números 2.2.2, 2.2.3 e 2.25, quais sejam os de excluir da responsabilidade da arguida A... . as sequelas que advieram para o ofendido e o correspondente nexo causal.

    12. - Por tais factos, com os fundamentos de direito supra aduzidos, se entende que a douta sentença a quo deverá ser substituída por outra que condene a arguida A... . pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, tendo em conta a gravidade dos factos, as suas consequências, as exigências cautelares de prevenção geral e especial que no caso se impõem.

    13. - Ao ter decidido de forma diversa, resulta da douta sentença a existência dos assinalados erros de apreciação da prova, notórios e perceptíveis a um cidadão de média formação, nela se tendo violado o disposto nos artigos 127º, 151º, 152º, 159º, 163º, nº 1 e 2 e 410, nº 2, al. c), todos do Código de Processo Penal, o disposto nos artigos 2º, nº 1 e 5°, nº 1, ambos da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto e constante dos artigos 1º, nº 1, 2 e 3, 3º, nº 1, al. b) e 3, 4º, al. b) e 6º, nº 1, als. a) a e), 2, als. a) e b) e 4, todos do D.L. nº 131/2007, de 27 de Abril e, por via deles, por deficiente apreciação da...

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