Acórdão nº 173/11.7GAMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Sumário n.º 173/11.7GAMMV, pendente no Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, recorre o Ministério Público da sentença condenatória do arguido A..., datada de 30 de Março de 2011.

Nesse sentença proferida oralmente na audiência desse dia 30, foi ABSOLVIDO o arguido da prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1 do CP.

  1. O Ministério Público motiva assim o seu recurso (em transcrição): «1. Nos autos não se verificou o recurso a qualquer método proibido de obtenção de prova, nomeadamente o recurso à figura do agente provocador, como defende o Tribunal a quo para sustentar a sua decisão de absolver o arguido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

  2. A factualidade descrita pelo arguido que, contrariamente ao que consta da sentença recorrida, não foi corroborada pelo agente da autoridade, a admitir-se como verdadeira, não pode ser subsumida à figura do agente provocador.

  3. Com efeito, para que pudéssemos afirmar que o militar da Guarda Nacional República actuou no caso vertente nas vestes de agente provocador era imperioso que o mesmo se apresentasse ao arguido de forma disfarçada parecendo um dos seus comparticipantes e o tivesse, com a sua actuação, induzido, incitado à prática do crime.

  4. Uma análise avisada do quadro fáctico descrito pelo arguido, que só admitimos como verdadeiro por mero exercício de raciocínio, facilmente afasta a figura do agente provocador dos presentes autos; 5. De facto, o militar da Guarda Nacional Republicana encontrava-se com o seu traje profissional, sendo reconhecido pelo arguido como agente da autoridade; 6. Foi o próprio arguido, de acordo com a versão por si apresentada, que solicitou e insistiu que lhe fosse feito o teste de pesquisa de álcool no ar expirado; 7. O arguido veio a conduzir desde o seu local de trabalho até ao posto policial e iria certamente abandonar aquele local a conduzir; 8. Ora, facilmente se denota que o agente policial não actuou de forma disfarçada e não incitou o arguido à prática do crime.

  5. Assim, teremos de concluir que a prova obtida nos presentes autos, nomeadamente o resultado do teste de detecção de álcool no ar expirado realizado ao arguido, é válida, pelo que se impunha a sua condenação, o que se pugna.

  6. De qualquer forma nunca poderia o Tribunal a quo considerar como verdadeira a versão dos factos apresentada pelo arguido uma vez que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa.

  7. Com efeito e cotejando as declarações do arguido, do militar da Guarda nacional Republicana que interveio no caso vertente e da prova documental junta aos autos, mais concretamente do talão do alcoolímetro constante de fls. 3, teremos de concluir que a sentença recorrida fez uma errada apreciação da prova produzida.

  8. Impunha-se ao Tribunal a quo que considerasse como provados a totalidade dos factos constantes da acusação e que fundavam a responsabilidade criminal do arguido pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez; 13. O próprio arguido confessou, em sede de audiência de julgamento, que no dia 16 de Março de 2011, cerca das l8h3Om, conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros no Largo dos Anjos, em Montemor-o-Velho, com uma taxa de álcool no sangue de 1,88 g/l.

  9. Factos que, contrariamente ao que é referido na sentença, foram confirmados pela testemunha ..., militar da Guarda Nacional Republicana, que, de forma credível e isenta, esclareceu as circunstâncias que mediaram a intercepção pela autoridade policial do arguido naquelas circunstâncias de tempo e lugar.

  10. Face ao exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artigo 292.°, n.° 1 do Código Penal e, consequentemente, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor nos termos do artigo 69.°, n.° 1, al. a) do Código Penal.

  11. De qualquer forma, se se considerasse que o quadro táctico descrito pelo arguido era verdadeiro e se subsumia na figura do agente provocador como advoga a sentença recorrida, o que aqui admitimos por mero exercício de raciocínio, teríamos de concluir que a mesma padece do vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão a que alude o art. 410.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo Penal.

  12. De facto, conclui o Tribunal a quo pela absolvição do arguido com base na nulidade da prova que sustenta a sua responsabilidade criminal dado que, no seu entendimento, houve recurso à figura do agente provocador.

  13. Contudo, na matéria de facto dada como provada, não são elencados quaisquer factos que demonstrem que in casu houve lugar à intervenção da figura do agente provocador.

  14. Assim, a admitir-se tal tese, teria a sentença recorrida de ser substituída por outra onde fossem elencados factos que permitissem a declaração de tal proibição de prova.

  15. Em todo o caso consideramos que, como supra se referiu, a prova obtida nos presentes autos é válida por não ter havido recurso a qualquer método proibido de obtenção de prova e, consequentemente, terá o arguido de ser condenado pela prática do crime de que vinha acusado».

  16. Não houve resposta.

    4.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu PARECER, defendendo a procedência do recurso, suscitando ainda a questão prévia da nulidade de sentença por inobservância do comando do artigo 389º-A, n.º 5 do CPP (revisto pela Lei n.º 26/2010 de 30 de Agosto).

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi proferida decisão sumária em 12/10/2011, solicitando à 1ª instância a integral transcrição da decisão recorrida.

  17. Surge a fls 82-84 a dita decisão transcrita.

  18. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem em saber: - se houve erro de julgamento - se a prova dos autos deve ser considerada nula, por recurso à figura do «agente provocador» - se há algum vício do artigo 410º/2 do CPP.

    2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA É este o seu teor: A- documentada na acta de 30/3/2011 «Quando eram 15 horas e 16 minutos (após diligência no proc. 422/08.TBMMV), pela Mmª Juiz foi declarada aberta a presente audiência.

    Após, pela Mm.a Juiz foi proferido o seguinte: DISPOSITIVO DA SENTENÇA 1- Absolvo o arguido A..., pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, n° 1 do Código Penal.

    Notifique e deposite.

    (…)» B- após transcrição ordenada e efectuada «A ler a sentença, depois no final eu explico-a, que ela, ela pode ter aqui algumas especificidades.

    Então o Ministério Público requereu o julgamento em processo sumário, do arguido A..., melhor identificado nos autos.

    O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas, realizou-se a audiência de julgamento com a observância das formalidades legais, conforme consta da acta correspondente.

    E não suscitaram, nem existem nulidades, ou quaisquer outras questões, questões prévias ou acidentais, que cumprem conhecer e que obstem à apreciação de mérito da causa.

    Quanto à fundamentação de facto, e aos factos provados, discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: Que no dia 16 de Março de 2009, cerca das 18:30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula … , no Largo dos Anjos, em Montemor-o- Velho.

    Que o arguido vive em união de facto, e tem um filho com 19 anos de idade, estudante, que trabalha na sociedade industrial de aperitivos, e aufere 629 euros mensais, e a sua companheira aufere cerca de 650 euros mensais.

    Que vive em casa própria, pagando 300 euros mensais de empréstimo bancário, e 300 euros relativos a um crédito pessoal.

    Que não existe conhecimento que existam quaisquer processos pendentes, em que o mesmo figure como arguido, e não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.

    Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a discussão da causa, nomeadamente - que o arguido conduzia aquele veículo automóvel naquele, naquele lugar já referido, após ter ingerido bebidas alcoólicas, e apresentado uma taxa de álcool no sangue de 1.88.

    - que o arguido conhecia o seu estado, e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução prudente, bem como lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas ainda assim quis conduzir o veículo, o que efectivamente fez.

    - que o arguido agiu pois de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a censurabilidade e punibilidade da sua conduta, constituindo-se assim como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

    Quanto à convicção do Tribunal e à questão, levanta-se aqui uma questão prévia, face à prova, à prova produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, o Tribunal considerou não provados os factos supra referidos, por considerar tal prova proibida, dado ter sido obtida através de meios ilícitos, mais concretamente através da figura do agente provocador.

    De facto, o arguido nas declarações por si prestadas, que não obstante a sua qualidade, nos pareceram credíveis e sinceras, referiu que se dirigiu ao posto da GNR, para se submeter ao...

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