Acórdão nº 1259/03.7TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos o Ministério Público acusou os arguidos A..., B..., C..., D..., E..., F..., G..., H... e I... da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de participação económica em negócio, em concurso aparente com um crime de administração danosa, previsto e punível pelos art. 26º, 28º, nº 1, 65º a 68º, 377º, nº 1, 386º, nº 2, e 235º, nº 1, do Código Penal Acusou, ainda, A..., B..., C... da prática, em co-autoria, concurso real e na forma consumada, de um crime de administração danosa, dos art. 26º, 30º, nº 1, 65º a 68º e 235º, nº 1, do Código Penal.

  1. Todos os arguidos requereram a abertura de instrução, pedido que foi deferido.

  2. O Estado Português intentou uma ação contra o W..., SA, que corre termos no juízo de grande instância cível da comarca do Baixo Vouga com o nº 282/04.9TBAVR, pedindo a condenação desta a cumprir o contrato celebrado em 25-3-1999, contrato este que, devido aos termos em que foi celebrado, deu origem à acusação acima referida.

  3. Encerrada a instrução foi proferido despacho julgando improcedentes todas as nulidades imputadas à acusação, que haviam sido suscitadas nos requerimentos de abertura de instrução, e determinando a suspensão dos autos até que fosse proferida decisão nesta ação ordinária nº 282/04.9TBAVR, por se ter entendido que a decisão nesta proferida condicionaria a conclusão a extrair neste processo crime «ao nível da existência do dano patrimonial» (sic).

  4. Em 29-10-2010 foi proferida sentença nesta ação, julgando-a improcedente e absolvendo a ré do pedido. Mais foi julgada parcialmente procedente a reconvenção e condenado o reconvindo a «reconhecer que no contrato celebrado entre Y... e a ré, a 25.3.99, as cláusulas quarta, nº 2, e quinta incluíam apenas a obrigação de a ré esta manter o WW... aberto pelo período em que estivesse licenciado pelas autoridades competentes, de modo provisório ou definitivo, abrangendo a cláusula quinta apenas esse período; a reconhecer a redução do preço da venda de ações em € 94.343,19 e no que se apurar em liquidação posterior quando aos factos descritos supra em 44, condenando-se o A. A pagar à ré esses mesmos valores».

    No ponto 44 consta o seguinte: «o encerramento do WW..., de 07/06/99 a 21/06/99, causou à “Z...”, como custos de inatividade, correspondentes aos montantes de custos fixos deduzido à margem bruta de vendas, no período em que o X... esteve encerrado, custos de deslocação e remunerações adicionais, montantes não determinados».

  5. Junta a certidão da decisão proferida no processo 282/04.9TBAVR a este processo crime foi declarada finda a suspensão da instância, designado novo dia para realização do debate instrutório e proferida a seguinte decisão instrutória, pronunciando os arguidos A..., B... e C... da prática, em co-autoria material, de um crime de administração danosa, previsto e punível pelos art. 26º, 30º, nº 1, 65º a 68º e 235º, nº 1, do Código Penal: «Na sequência da decisão proferida a fls. 3094 e ss. foi junta aos autos a sentença proferida no âmbito da acção ordinária n.º 282/04.9TBAVR – cfr. 3115 e ss. -, em que o Estado Português, na qualidade de sucessor da extinta “Y..., S.A.”, peticionava o cumprimento do contrato celebrado, no prazo de 30 dias e, em caso de impossibilidade, o cumprimento da cláusula penal, correspondente a metade do valor das acções alienadas.

    A ré contestou, alegando o incumprimento por parte do A. das obrigações assumidas no contrato, o que determinou o encerramento do WW... e lhe causou prejuízos, cujo ressarcimento reclama em sede de reconvenção.

    O tribunal, julgando improcedente a pretensão do Estado, deferiu parcialmente a reconvenção, condenando o autor a indemnizar a ré-reconvinte.

    A sentença ainda não se mostra transitada em julgado.

    * Procedeu-se à realização de novo debate instrutório, com observância do devido formalismo legal, com formulação a final de conclusões pelo M.P. e arguidos.

    * O âmbito da instrução: A decisão instrutória, no sentido da pronúncia, depende da existência de indícios suficientes, obtidos por via do inquérito e da instrução, que preencham os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança (cfr. art. 308.º, n.º 1, do cód. proc. penal).

    Os indícios são suficientes, na perspectiva do normativo invocado, quando, em face dos mesmos, seja em termos de prognose, muito provável a futura condenação do arguido ou esta seja mais provável que a sua absolvição (cfr. art. 283.º, n.º 1 ex vi do art. 308.º, n.º 2, ambos do cód. proc. penal).

    A concretização do que sejam “indícios suficientes” assume fulcral importância nos ulteriores desenvolvimentos e metodologia empregue na apreciação do processado. Assim, referia-se Cavaleiro Ferreira aos indícios, por aproximação às presunções naturais civis, nos seguintes termos: - “A prova indiciária é prova indirecta. Os factos probatórios indiciários são os que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos por meio de raciocínio em regras da experiência comum, ou da ciência, ou da técnica”.

    A instrução não é, contudo, constituída apenas por prova indiciária. Como refere Germano Marques da Silva, o indício é um meio de prova e todas as provas são indícios “enquanto são causas, ou consequências morais ou materiais, recordações e sinais do crime”. É neste sentido e segundo este autor que se deve interpretar o disposto no art. 308.º do cód. proc. penal.

    Chama-se também a atenção para o facto de, nesta fase preliminar do processo, não se visar “alcançar a demonstração da realidade dos factos”, mas apenas sinais de que o crime se verificou, praticado por determinado arguido. Como conclui Germano Marques da Silva, “As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento”.

    Interpretando o exposto, nesta fase preliminar que é a instrução, não se pretende uma espécie de “julgamento antecipado” nem um juízo de certeza moral e de verdade que são pressupostos da condenação, mas tão só a verificação de existência de indícios de que determinado crime se verificou e que existe uma probabilidade séria, aferida pela positiva e objectivamente, de que o mesmo foi praticado por um ou mais arguidos, e assim se apreciando a decisão do Ministério Público ou do assistente de acusar. Nessa verificação deverá no entanto o julgador interpretar criticamente e no seu prudente arbítrio os indícios recolhidos em sede de inquérito e instrução.

    Em qualquer dos casos essa verificação da suficiência de indícios não implica a apreciação do mérito da acusação, no mesmo sentido em que tal ocorre na audiência de julgamento, mas apenas se julga da verificação dos pressupostos de que depende a abertura da fase de julgamento.

    * Importa agora aquilatar da existência de indícios que suportem a narrativa da decisão final de inquérito, assim se fazendo o controlo jurisdicional da decisão de arquivar/acusar e que é pressuposto e fim da instrução.

    Do Crime de Participação Económica em Negócio Dispõe o artigo 377.º, n.º 1 do Código Processo Penal que “O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos”. Trata-se de um tipo penal que tem em vista, em primeira linha, aquelas situações em que o funcionário tem poderes públicos de representação em negócio e age por forma a obter parte de tal transacção, do mesmo passo que prejudica os interesses que representa. Ou seja, ao invés de pura e simplesmente se apoderar de bens que lhe foram confiados, ou de abusar do uso de outros que lhe eram acessíveis, sempre por via das suas funções, acaba aqui por alcançar um direito subjectivo que lhe não é devido, à custa dos interesses que devia cuidar.

    A participação tem em vista a obtenção de determinada posição ou vantagem por efeito, indevido, de negócio efectuado no exercício do cargo.

    Imputa-se aos arguidos a lesão dos interesses do Estados no âmbito da privatização da Z..., por se considerar que a concretização da venda não respeitou o valor de avaliação referência estabelecido nas bases de acordo entre a Y... e a Sociedade W…, onde aquela acordava vender e esta acordava comprar a posição accionista detida no capital da Z... (91,43% do capital – correspondente a 551.139 acções) pelo preço de Esc. 280.000.000$00. Acordo este a que o SEMAQA – que exercia a tutela – deu a sua aprovação.

    Sendo que este contrato continha uma cláusula que obrigava a adquirente a manter operacionais e activos os X... de Aveiro e Viseu durante cinco anos.

    Estabelecendo-se uma cláusula penal, em caso de incumprimento, em montante equivalente a 50% do valor global da alienação das acções.

    Ora, entende-se na acusação que alteração no contrato de compra e venda definitivo do valor das acções, de 280.000.000$00 para Esc.: 143.075.684$00 teve implicações directas no valor da cláusula penal, que primeiro era de Esc.: 140.000.000$00 e depois passou para Esc.: 71.537.842$00 e que, nesta diminuição se traduz o prejuízo patrimonial do Estado.

    Se bem vemos, sem razão.

    Pressupondo os elementos típicos do ilícito imputado aos arguidos e na consequência da nossa intelecção constante da decisão de fls. 3094 e ss.

    [ Despacho que determinou suspender a instância penal até ser junta a sentença proferida na ação ordinária nº 282/04.9TBAVR.

    ] – que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais -, somos de parecer que o teor da decisão proferida no âmbito da acção ordinária n.º 282/04.9TBAVR, que julga improcedente a pretensão indemnizatória do Estado pelo encerramento do WW... pela adquirente Sociedade W..., traduz indiciariamente a inexistência de um prejuízo real e efectivo para o Estado em decorrência do...

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