Acórdão nº 279/10.0PBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução21 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 279/10.PBCTB que corre termos no Tribunal Judicial de Castelo Branco, 3.º Juízo, o arguido A... foi condenado, em 29/6/2011, pela prática, em autoria material, de um crime de coacção sexual, p. e p. pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

    **** Inconformada com a decisão, dela recorreu, em 21/9/2011, o arguido, defendendo a sua absolvição, ou, caso assim não se entenda, a redução da pena aplicada, e consequente suspensão da sua execução, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes CONCLUSÕES: I. O recorrente foi condenado, “pela prática de um crime de coacção sexual, previsto e punido pelo art. 163.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    ” (negrito e sublinhado nosso) II. Porquanto, o Tribunal deu como provado, de entre outros factos, que: (…) - Nesse dia … de 2010, cerca das … , no interior da residência da referida menor sita na … , Castelo Branco, o arguido decidiu praticar actos de natureza sexual com a sua sobrinha B..., para dessa forma satisfazer os seus instintos sexuais.

    - Assim, e em concretização de tal propósito, o arguido, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar e aproveitando-se do facto de já se encontrar na referida residência apenas com a referida menor e uma irmã desta com 9 anos de idade, chamou-a para a sala, com o pretexto de esta lhe emprestar o telemóvel e acto contínuo, o arguido agarrou a menor B..., puxou-a para dentro da sala e fechou a porta à chave, ao mesmo tempo que exibia uma faca, com 9,8 cm de Lâmina com a ponta partida e 10,20 cm de cabo de cor preta em plástico, com gravações em ambos os lados e em mau estado, sem qualquer valor comercial.

    - De seguida, o arguido pressionou os ombros da menor B... para que esta se sentasse no chão, o que logrou utilizando para o efeito a força necessária uma vez que aquela resistia a tal acção.

    (…) - De imediato, após ter forçado da forma descrita a menor B... a deitar-se no chão, apalpou-a nos peitos e na zona da vagina, por cima do pijama que a menor trazia vestido.

    (…) - Acresce que o arguido, nas referidas circunstâncias, ainda disse à menor B... "eu tenho aqui uma faca, se contas a alguém, corto-te o pescoço.

    (…) III. O Tribunal recorrido fundou a sua convicção: 1) Nos depoimentos conjugados das testemunhas …………………….

    ; 2) No auto de exame de fls. 160 (exame à faca apreendida); 3) No certificado de nascimento de fls. 142, referente á menor B...; auto de apreensão de fls. 8, atinente à faca; fotografia de fls. 10, da mesma arma; 4) No Certificado de Registo Criminal do arguido de fls. 266 e seguintes; 5) No relatório social de fls. 252 e seguintes.

  2. O ARGUIDO NÃO ESTEVE PRESENTE NA AUDIÊNCIA, apesar de na acta da audiência de discussão e julgamento (22.06.2011) mencionar que findas as alegações foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa na mesma acta também se refere que foi comunicado ao Tribunal, pela defensora do arguido, que a mãe do arguido lhe telefonou e informou que o arguido se encontrava doente e que do facto fará chegar justificação aos autos, tendo o Tribunal considerado que a presença no mesmo não era absolutamente indispensável desde o início do julgamento.

  3. A audiência de discussão e julgamento realizou-se na 1.ª data designada e em sessão única, onde ficou desde logo designado o dia 29.06.2011 para a leitura do Acórdão ora em crise.

  4. O arguido a fls._ apresentou atestado médico justificativo da sua não comparência à audiência de discussão e julgamento.

  5. A Constituição da República Portuguesa estabelece no seu artigo 32.° n.º 1 uma cláusula geral de garantia a conferir ao arguido, instituindo que "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa" e uma delas é o direito de presença do arguido na audiência de julgamento.

  6. Por sua vez o n.º 4 do artigo 20.° da Constituição também se assegura que "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo" IX. A noção de processo equitativo tem igualmente consagração na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (C.E.D.H), através do seu artigo 6.° faz incutir que o mesmo tem direito de estar presente no decurso da audiência de julgamento.

  7. Por outro lado, resulta do artigo 119° al. c) do Código Processo Penal que "A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos que a lei exigir a respectiva comparência" é uma nulidade que assume natureza insanável.

  8. O arguido tem direito a estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito (artigo 61.º n.º 1 alínea a) do Código Processo Penal e nº 1 do artigo 332.° do Código Processo Penal).

  9. O processo há-de ser um processo equitativo (a due process, a fair process), que tenha por preocupação dominante a busca da verdade material, mas sempre com inteiro respeito pela pessoa do arguido, o que, entre o mais, exige que se assegurem a este todas as garantias de defesa e que se não admitam provas que não passem pelo crivo do contraditório e pela percepção directa e pessoal do juiz (princípio da oralidade e da imediação).

  10. Ora, perante a importância que se reveste a presença do arguido em audiência, é obrigação do Estado conceder-lhe todos os meios para que tal aconteça, mormente, o direito de prestar declarações.

  11. No caso em apreço, e como se pode constatar da acta de audiência de julgamento o Tribunal "a quo" não tomou as necessárias providências para que o arguido fosse presente a julgamento, pois o mesmo, nessa ocasião, encontrava-se doente tendo informado o Tribunal desse facto.

  12. Assim, o princípio do contraditório só se concretiza em sede de audiência de discussão e julgamento se o arguido souber da existência da mesma e se puder estar nela presente.

  13. Não tendo o arguido, por motivos de doença, estado presente na audiência de julgamento donde resultou o acórdão condenatório de que agora recorre, dúvidas não existem de que estamos perante a nulidade prevista na alínea c), do artigo 119.º, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado (artigo 122.º, n.º 1 Código Processo Penal).

  14. É neste âmbito que surgem os normativos dos artigos 119.º, alínea c), e 332.º, 333.º e 334.º (todos do Código Processo Penal), em que o primeiro comina com nulidade insanável a ausência do arguido nos casos em que a lei exige a sua comparência.

  15. Relativamente à CONVICÇÃO DO TRIBUNAL FUNDADA NOS DEPOIMENTOS CONJUGADOS DAS TESTEMUNHAS, o tribunal “a quo” não podia dar como provada matéria de facto, uma vez que os fundamentos que invocou não a podem sustentar por não serem legalmente admissíveis os respectivos meios de prova atendendo a que as testemunhas que não assistiram aos factos, pelo que nada puderam esclarecer o Tribunal quanto aos mesmos.

  16. Em todo o caso, mesmo que fossem admitidos por lei esses meios de prova que serviram de fundamento para a decisão da matéria de facto, e não são, sempre se encontrava afastada a possibilidade de se darem como provados os factos que o foram, tendo o Tribunal recorrido, considerando esta hipótese, incorrido em nulidade da sentença, por se encontrar insuficientemente fundamentada a decisão da matéria de facto, ou, quando outro for o entendimento, em ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.

  17. O Tribunal “a quo” deu como provado que “o arguido agarrou a menor B..., puxou-a para dentro da sala e fechou a porta à chave, ao mesmo tempo que exibia uma faca”, porém sede de audiência de julgamento, salvo melhor entendimento, não se fez prova destes factos, nenhuma das testemunhas afirmou que a porta estava fechada à chave nem tão pouco que o arguido exibia uma faca quando agarrou a B..., e estranhamente só no final do seu depoimento, a instâncias da Meritíssima Juiz, quando questionada sofre a faca é que a ofendida exclamou “Ah sim! Já não me estava a lembrar.” e se recordou que o arguido tinha uma faca e que lhe disse que lhe cortava o pescoço se contasse o sucedido a alguém.

  18. O depoimento da ofendida, em nosso modesto entender, é definido por um depoimento frio e calculista, desprovido de qualquer carga emocional, a forma com que a ofendida relata os factos não se coaduna com os sentimentos e emoções de alguém que os tenha vivenciado, não sendo por isso um depoimento credível e autêntico segundo o critério do homem médio e as regras da experiência, se tal facto lhe tivesse acontecido jamais a ofendida se esqueceria de relatá-lo ao Tribunal.

  19. Por outro lado, nos depoimentos prestados existem divergências: a) a B... (ofendida) referiu que o tio esteve a conversar com a sua mãe, no entanto esta testemunha no seu depoimento referiu que o arguido chegou, foi para a sala chorar e esteve lá a conversar com a sua mãe (avó da B...), e nunca mencionou que também ela esteve a falar com o arguido; b) enquanto a B... afirmou que continuou deitada na cama porque ainda faltava algum tempo para entrar para a escola, a mãe desta, testemunha … afirmou que as filhas já estavam levantadas a “arranjarem-se” para irem para a escola; c) a testemunha ..., no seu depoimento, refere que a porta da sala estava fechada, no entanto refere que as janelas estão com os estores para baixo… entre muitos outros factos a que fisicamente era impossível ter presenciado; d) a testemunha ... em relação ao depoimento da ofendida, na medida em que a ofendida afirma que tinha ido à cozinha buscar um copo de água, enquanto a testemunha ... afirma que estava com a irmã no quarto, a vestirem-se para irem para a escola, quando o tio (ora arguido) chamou a irmã à sala…; e) A testemunha ... nunca referiu ter visto qualquer faca, ou que o arguido teria exibido uma faca… XXIII. Se por um lado o depoimento desta testemunha ... (que alegadamente estaria com a ofendida) não é coincidente em certos detalhes imprescindíveis para aferir da sua credibilidade e veracidade...

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