Acórdão nº 262/10.5TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução28 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 433/11.7TAPBL do 2º Juízo do Tribunal Criminal de Viseu, por sentença datada de 28 de Outubro de 2011, foi ABSOLVIDO o arguido A....

Nos termos da acusação deduzida pelo MP, era-lhe imputada a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. e p. pelo artigo 353º do CP.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1ª- Vem o presente recurso interposto da sentença que absolveu o arguido da prática de um crime de violação de proibições, p, e p, pelo artº 353° do Código Penal.

  1. - Porquanto tal decisão violou, por errada interpretação, o disposto no mencionado art. 353° do CP, bem assim como o artigo 69° do mesmo diploma.

  2. - Na verdade, entendeu a Mma Juiz a quo que o artigo 353° do CP não abrange a falta de entrega do título de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, entendendo que aquela obrigação de entrega extravasa o âmbito de tal pena acessória (previsto no artigo 69°), o qual se resume à proibição de conduzir (obrigação de nonfacere).

  3. - Porém, tal interpretação contraria manifestamente o texto da lei e deixa por explicar as alterações introduzidas pela Lei 59/2007 no artigo art. 353.° do CP.

  4. - Resultando manifestamente da referida alteração que quando o legislador se refere à violação de imposições determinadas por sentença criminal a título de pena acessória, está a abranger a violação da obrigação/imposição de entrega da carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir a que alude o artigo 69° do CP.

  5. - Na verdade, como decorre dos artigos 69°, n° 3, do Código Penal e 500°, n° 2 e 4, do CPP, a obrigação (sinónimo de imposição) de entrega da carta de condução é inerente à própria pena acessória de proibição de conduzir, não existindo esta sem aquela.

  6. - Como decorre de tais normativos, a condenação em pena de proibição de conduzir implica a imposição ao condenado da obrigação de entrega do título de condução.

  7. - Aliás, a interpretação efectuada pela Mma Juiz, salvo o devido respeito por opinião contrária, para além de violar o texto da lei, não tem em conta a unidade do sistema jurídico.

  8. - Na verdade, segundo tal interpretação teríamos de concluir que o legislador tratava de forma mais benévola a violação da «sanção» de natureza criminal do que a violação da correspondente sanção de natureza contra-ordenacional.

  9. - Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de violação de proibições, previsto e punível pelo artigo 353° do CP, que lhe vem imputado na acusação».

3.

O arguido respondeu a tal recurso, pedindo a sua improcedência.

Conclui assim: «I. O elemento objectivo do tipo do crime violações de imposições, proibições e interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, é o de “proibição de conduzir” e não a entrega da carta de condução.

  1. A entrega da carta de condução, voluntária ou coerciva, traduz-se num mero acto execução da sanção acessória e não da sanção em si mesma.

  2. O cumprimento da sanção acessória de inibição de condução só se inicia com a sua entrega na secretaria pelo período de tempo que durar a proibição, cfr. o disposto no artigo 500º/4, do Código de Processo Penal.

  3. Só podemos falar numa verdadeira violação de proibições ou imposições quando se inicia o cumprimento da sanção acessória, ou seja, da proibição, e não num momento anterior».

    4.

    Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser este recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

  4. Fundamentação 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões[1], a questão a decidir consiste em saber se é de manter ou não a absolvição do arguido pela prática do crime p. e p. pelo artigo 353º/1 do CP.

    Ou seja, o que se discutirá, em 1ª linha, é se estão ou não perfectibilizados todos os requisitos objectivos e subjectivos para a subsunção ao citado crime do artigo 353º do CP do comportamento do arguido em não entregar a sua carta de condução após uma condenação em pena acessória, apesar da cominação feita por um juiz.

    2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1. É este o elenco dos FACTOS PROVADOS: · «O arguido foi condenado em 16 de Março de 2009, por sentença proferida no processo sumário n.º 44/09.7 GTVIS, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Viseu, na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses; · O arguido foi notificado para, em 10 dias, após o trânsito em julgado da decisão, entregar a sua carta de condução no Tribunal ou em qualquer posto policial; · Nos 10 dias após o trânsito em julgado da sentença e até ao dia 2 de Maio de 2009 (sendo certo que o arguido a teve em seu poder até ao dia 9 de Junho de 2009, data em que a entregou para cumprimento da decisão administrativa proferida no âmbito do processo n.º 251369889), o arguido não entregou a sua carta de condução como podia e devia; · O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que estava obrigado a cumprir a imposição determinada na sentença proferida de proceder à entrega da sua carta de condução a fim de cumprir a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, não obstante, não procedeu à referida entrega; · O arguido tem um filho de 1 ano de idade a quem está obrigado a pagar a título de prestação de alimentos a quantia mensal de € 100,00; · O arguido já sofreu a seguinte condenação: o No processo sumário n.º 44/09.7GTVIS, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Viseu, foi condenado por sentença de 16/03/2009, transitada em julgado no dia 21/04/2009, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo os factos de 14/03/2009 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses».

    2.2. É este o FACTO NÃO PROVADO: «Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, não se provando que: · O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal».

    2.3. Motivou-se, assim, tal decisão de facto: «O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade dada como provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, concretamente, no teor dos documentos de fls. 2 a 24, 53, 54, 78 a 87 e 100 a 127.

    Quanto ao concreto facto vertido em 2.1.4. teve-se em consideração o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 129 a 134 No que se refere aos antecedentes 53 e 54».

    2.4. Fundamentou, desta forma, o tribunal «a quo» esta absolvição: «O arguido está acusado da prática de um crime de violação de proibições ou interdições nos termos do artigo 353º Código Penal.

    Prescreve o artigo 353º do Código Penal que, “Quem violar proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.” O bem jurídico tutelado pelo crime de desobediência traduz-se na não frustração de sanções impostas por sentença criminal. (cf. Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, Tomo III, pág. 400).

    Sob o ponto de vista objectivo a descrição típica é aparentemente clara, uma vez que aponta a espécie de proibições ou interdições impostas por sentença criminal que devem considerar-se abrangidas: apenas as que integram uma pena acessória ou uma medida de segurança. (cf. Cristina Líbano, in ob. citada, na mesma página).

    Do ponto de vista subjectivo, este crime integra não apenas a representação de que a conduta que se adopta viola uma proibição ou uma interdição, mas também a consciência de que essa proibição ou interdição violadas forma parte de sentença criminal (cf. Cristina Líbano, in ob. citada, pág. 403).

    Da matéria de facto dada como provada resulta não estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de tal ilícito.

    Na verdade, na esteira da mais recente jurisprudência dos tribunais superiores a propósito deste ilícito criminal, como aquela que se encontra plasmada nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra proferidos nos processo n.º 295/09.4 TAVIS. C1, n.º 2185/08.1 TALRA. C1 e 1745/08.2 TAVIS. C1, entende-se que a não entrega da carta de condução para cumprimento de pena acessória de proibição de conduzir não integra o ilícito criminal constante do artigo 353º do Código Penal.

    Com efeito, decorre da supra citada jurisprudência, que a violação de imposições prevista naquele preceito legal reporta-se a uma imposição relativa a pena acessória ou de medida de...

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