Acórdão nº 1357/09.3TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR OLIVEIRA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No processo 1357/09.3TACBR.C1 que, em fase de instrução, corre termos no Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra A... e B... apresentaram queixa contra C... por factos susceptíveis de integrar a prática de crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo artigo 365º, nº nº 3, alínea a) do Código Penal.

Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho, ordenando o seu arquivamento por insuficiência dos indícios da prática do crime denunciado.

Tendo-se constituído assistentes, os queixosos A... e B... requereram instrução manifestando a pretensão de que o arguido C... seja pronunciado pela prática de dois crimes de denúncia caluniosa p. e p. pelo artigo 365º, nº 3, alínea a) do Código Penal (em concurso aparente com dois crimes de falsas declarações p. e p. pelo artigo 360º do Código Penal).

Realizada a instrução foi proferido despacho de não pronuncia.

Inconformados com o teor de tal despacho, dele recorreram os assistentes, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. A douta decisão instrutória de que se recorre é, salvo o devido respeito, nula por falta da necessária fundamentação.

  1. Na verdade, desde logo, o genérico comando legal inserto no n.º 5 do artigo 97° do CP Penal - e que mais não constitui do que uma dimanação do artigo 205/1 da Constituição da República Portuguesa - obriga a que todos os actos decisórios sejam sempre fundamentados de facto e de direito.

  2. Ora, a presente decisão não cumpre cabalmente tal comando normativo, 4. Quer porque não especifica os factos que considerou suficientemente indiciados, 5. Quer porque não discute questões jurídicas em que ancorava a divergência dos requerentes da Instrução face ao conteúdo da decisão de arquivamento.

  3. Na verdade, da leitura da douta decisão instrutória fica sem se saber se se considera ter ocorrido, ou não, uma denúncia objectivamente subsumível ao artigo 365°, 1 do Código Penal.

  4. Ora, tal omissão compromete definitivamente a inteligibilidade da decisão, na medida em que há segmentos da mesma tornados incompreensíveis para os destinatários.

  5. De resto a idêntica solução de nulidade se chegará pela aplicação analógica - ex vi artigo 4° do Código de Processo Penal - dos artigos 374° e 379° do mesmo diploma procedimental.

    Sem prescindir, 9. A douta decisão agora em recurso viola as disposições contidas nos artigos 308°, 1 do CPP e art. 365°, 1 e 3, al. a) e 360, n.º 1, do CP.

  6. Na verdade, estão coligidos nos autos meios probatórios passíveis de suportarem um juízo de prognose antecipador de uma probabilidade séria do arguido vir a ser condenado numa pena pelos crimes de denúncia caluniosa, em concurso aparente com o crime de falsas declarações.

  7. A Denúncia caluniosa é um crime que radica na consciência da falsidade dos factos imputados e no propósito de sujeitar outrem a procedimento criminal.

  8. De facto, nos termos do nº 1 do artigo 365º do CPP "Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".

  9. Assim, resulta da análise do sobredito preceito normativo que o tipo legal de crime se encontra preenchido quando se verifiquem os elementos objectivo e subjectivo que o pressupõem.

  10. Para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito é, pois, necessário que a denúncia seja, no seu conteúdo essencial, falsa.

  11. Do normativo analisado sobressai, ainda, que o facto só é punido a título de dolo (elemento subjectivo) - i.é, o agente terá de actuar "com consciência da falsidade da imputação" e, por outro lado, terá de o fazer "com intenção de que contra ela se instaure procedimento" - cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora 2001.

  12. Ora, tais elementos - objectivo e subjectivo -- verificam-se na hipótese sub judice.

  13. Com efeito, o arguido C... ao lançar sobre os assistentes a suspeita da prática de um crime de corrupção passiva, sabendo que os factos que lhes imputou eram falsos e que os meios de prova que coligiu para os secundar emergiam manipulados, intentou que contra estes fosse instaurado procedimento criminal, o que logrou.

  14. Efectivamente, não hesitou em narrar a existência de conversa que nunca existiu - e descrevendo, em dois momentos distintos, versões absurdamente incompatíveis dessa conversa! 19. Ora, de que a conversa não existiu é ilustrativo o facto da investigação efectuada não lograr indiciá-la com qualquer elemento probatório, por ínfimo e circunstancial que fosse, 20. Não obstante em todo o período relevante para os factos os assistentes terem estado permanentemente sob escuta e terem sido alvo de buscas minuciosas e de devassa de toda e qualquer conta bancária detida.

  15. Por outro lado, o arguido foi transmitindo outras falsidades nos depoimentos que foi prestando, designadamente coligindo elementos documentais propositadamente distorcidos para criar a ideia de favorecimento recorrente a uma das empresas a concurso - exactamente aquela oferente das putativas alvíssaras.

  16. Bem como foi narrando outras situações desfasadas da realidade com o propósito de construir um cenário eminentemente desfavorável aos arguidos, 23. Exactamente para densificar as probabilidades do procedimento despoletado vir a ser credor de êxito - como foi, embora relativo ...

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da decisão instrutória de não pronúncia, que deve ser substituída por acórdão que pronuncie o arguido pela prática de dois crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo arte 365.°, n.º 3, al. a) com referência ao n.º 1, em concurso aparente com dois crimes de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 360°, todos do Código Penal.

    Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: Quanto à primeira questão (nulidade da decisão instrutória), prescreve o art.º 97.°, n.º 1, alínea b) e 4 do C.P.P. que os actos decisórios devem ser fundamentados, através da especificação dos motivos de facto e direito. Este dever resulta do imperativo constitucional plasmado no art.º 205.°, n.º 1 da C.R.P. que refere que as «decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei».

    Todavia, só em casos pontuais, maxime quanto à sentença, a lei processual penal especifica pormenorizadamente os requisitos da fundamentação (art.º 374.°, n.º 2 do C.P.P).

    Para os demais casos em que a lei não estabelece quaisquer requisitos devem seguir-se os apontados na doutrina e jurisprudência, fundamentando-se a decisão com os elementos de facto e as razões de direito justificativas da decisão proferida. A falta de fundamentação dos actos decisórios, quando não tenha tratamento específico previsto na lei, constitui irregularidade submetida ao regime do art.º 123.° do C.P.P. Caso de tratamento específico é o de falta de fundamentação da sentença, que importa nulidade, nos termos do art.º 379.°, alínea c) do C.P.P. - cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 2ª edição, pág. 197.

    No mesmo sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal III, 1996, pág. 288, escreve «É hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso é que todos os códigos modernos exigem a fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito».

    No caso concreto, a decisão recorrida observou as regras ínsitas nos referidos preceitos, constando da mesma os motivos de facto e direito que levaram à decisão de não pronúncia do arguido.

    Na verdade, a Mmª juíza enunciou o que deve ser entendido por indícios suficientes para efeitos de pronúncia, citando a disposição legal que define tal conceito. Seguidamente, elencou os elementos probatórios recolhidos em sede de inquérito e de instrução e, após apreciação crítica dos mesmos, concluiu no sentido de que a prova indiciária produzida não era suficiente para levar à provável condenação do arguido pelos crimes de denúncia caluniosa.

    Assim, e contrariamente ao sustentado pelos recorrentes a decisão instrutória contém suficiente fundamentação, não sendo necessária, nem a lei o exige, a descrição pormenorizada dos factos indiciados e não indiciados.

    No que concerne aos indícios, subscrevemos na íntegra a fundamentação explanada no despacho de arquivamento de fls. 476 a 485.

    Sobre o crime de denúncia caluniosa, p e p pelo 365.°, n.º 1 do Código Penal, refere o Ac. da Relação do Porto de 26/01/2011, acessível através de www.dgsi.pt.

    que o mesmo pressupõe a criação de um perigo concreto da pessoa ofendida ver a sua liberdade posta em causa pela instauração de um procedimento persecutório: a denúncia ou suspeita tem de ser, no seu conteúdo essencial, falsa, no sentido de que, comprovadamente, a pessoa denunciada não cometeu o facto (crime, contra-ordenação ou ilícito disciplinar) por que o agente pretende vê-la perseguida.

    O tipo subjectivo exige "um dolo qualificado por duas exigências cumulativas: por um lado, o agente terá de actuar com a consciência da falsidade da imputação; por outro lado e complementarmente, terá de o fazer com intenção de que contra ela se instaure procedimento. A consciência da falsidade significa que, no momento da acção o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita".

    Assim, para o preenchimento do tipo objectivo é necessário que a denúncia seja, no seu conteúdo essencial, falsa, e que, comprovadamente, a pessoa denunciada não tiver cometido o facto.

    No caso, também nos parece que os elementos de prova recolhidos nos autos não infirmaram a afirmação do arguido de que ouviu através do telefone uma conversa entre os ora...

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