Acórdão nº 109/07.0GBMIR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum colectivo n.º 109/07.0GBMIR do Tribunal Judicial de Mira, foi decidido, em termos de acórdão final, datado de 3 de Maio de 2011: «Por tudo o exposto, julgando a acusação pública procedente, por provada, este Tribunal decide: SEGMENTO A · Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, número 1, e 145º, número 1, alínea a), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 132º, número 2, alínea h), do mesmo diploma, perpetrado sobre a pessoa de B..., na pena de 9 [nove] meses de prisão.

· Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, número 1, e 145º, número 1, alínea a), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 132º, número 2, alínea h), do mesmo diploma, perpetrado sobre a pessoa de C..., na pena de 1 [um] anos e 6 [seis] meses de prisão.

· Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de omissão de auxílio agravada, previsto e punido pelo artigo 200º, números 1 e 2, do Código Penal, perpetrado sobre a pessoa de B..., na pena de 4 [quatro] meses de prisão.

· Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de omissão de auxílio agravada, previsto e punido pelo artigo 200º, números 1 e 2, do Código Penal, perpetrado sobre a pessoa de C..., na pena de 8 [oito] meses de prisão.

· Verificada a relação de concurso efectivo entre os referidos crimes e operando o cúmulo jurídico das referidas penas, nos termos do artigo 77º, números 1 e 2, do Código Penal, este Tribunal decide condenar o arguido A... na pena única de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão.

· Ao abrigo do disposto nos artigos 50º, números 1 e 5, do Código Penal, decide-se suspender a referida pena de prisão pelo período de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses, impondo-se ao arguido, a coberto do disposto no artigo 51º, número 1, alínea c), do Código Penal, a obrigação de entregar, durante o período da suspensão, à Instituição dos Bombeiros Voluntários de Mira a quantia de €:500,00 [quinhentos euros].

SEGMENTO B · Julgando parcialmente procedente, por provado em igual medida o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes B... e C..., condena-se a demandada W... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

a pagar: o Ao demandante B..., a quantia de €: 2.500,00 [dois mil e quinhentos euros], acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente decisão, até efectivo e integral pagamento.

o Ao demandante C..., a quantia de €: 10.000,00 [dez mil euros], acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente decisão, até efectivo e integral pagamento.

o No mais, julga-se tal pedido improcedente, por não provado, absolvendo-se a referida demandada das demais quantias peticionadas e o demandado A...da totalidade do pedido.

SEGMENTO C · Julgando parcialmente procedente, por provado em igual medida, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, E.P.E., condena-se a demandada W... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

a pagar-lhes o montante de €: 4.027,25 [quatro mil e vinte e sete euros e vinte e cinco cêntimos], acrescido de juros contados, à taxa legal, desde trinta dias após a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

· No mais, julga-se tal pedido improcedente, por não provado, absolvendo-se a referida demandada das demais quantias peticionadas (juros vencidos nos trinta dias imediatos à notificação) e o demandado A...da totalidade do pedido».

  1. Inconformada, recorreu a W..., COMPANHIA DE SEGUROS, SA, impugnando a decisão proferida sobre a matéria civil, com os seguintes argumentos (em tom de CONCLUSÕES): «1ª- Face aos factos provados, o Colectivo de Juízes não teve dúvidas em afirmar que o Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente com o propósito de molestar fisicamente o corpo dos ofendidos e conhecedor da capacidade de agressão ao corpo humano do veículo que conduzia.

    1. - Com a sua conduta cometeu não só os crimes de ofensa à integridade física qualificado como também os crimes de omissão de auxilio.

    2. - A ora Recorrente W... celebrou com o proprietário do veículo de matrícula 91-18-QV, o aqui Arguido, um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice número 004510257350, válido e eficaz à data dos factos aqui em discussão.

    3. - Na ausência de uma definição de contrato de seguro no âmbito do D.L. 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), a doutrina tem adiantado alguns conceitos, entre os quais os que assim se transcrevem - “o seguro de responsabilidade civil automóvel tem por finalidade cobrir o risco que consiste na ameaça do património do segurado em razão de acontecimento futuro, incerto e danoso, independente da sua vontade – um acidente de trânsito que causará prejuízos nos bens materiais ou morais de terceiros ou pessoas transportadas no veículo”.

      - “um acordo de vontades entre o tomador do seguro e o segurador, mediante o qual o primeiro se obriga a pagar uma quantia em dinheiro, designada por prémio, e o último se obriga a manter indemne o segurado dos prejuízos eventualmente decorrentes de sinistros por si causados no exercício da condução de veículos terrestres a motor, isto é, obriga-se a suportar o risco de circulação daqueles veículos”.

      - “um negócio jurídico através do qual uma das partes, a seguradora, assume perante a outra, o segurado, a obrigação de indemnizar os danos causados a terceiros por força de um acidente de viação, mediante o pagamento pelo segurado de uma prestação certa e periódica (o prémio), sendo predominantemente a sua qualificação como contrato a favor de terceiro”.

    4. - Ponto comum a todas as definições é a remissão das mesmas para outro conceito: o de acidente de viação/ acidente de trânsito/ sinistro, também este sem resposta no âmbito da legislação relativa ao Seguro Obrigatório.

    5. - O Dicionário da Língua Português define “acidente” como acontecimento fortuito; percalço; desastre; infelicidade; revés; acesso repentino; síncope.

    6. - A doutrina refere-se ao conceito de acidente de viação como: - “evento futuro, involuntário, incerto e potencialmente gerador de danos para terceiros.” - “acontecimento futuro, incerto e danoso, independente da sua vontade”.

    7. - A realidade factual em apreciação nestes autos não tem este carácter casual e fortuito indissociável do conceito de acidente de viação.

    8. - Não estamos perante um acidente de viação mas sim perante a prática de um crime perpetrado com recurso ao uso de um veículo automóvel, assim como o poderia ter sido por meio de qualquer outro objecto de natureza contundente.

    9. - O veículo QV embate directamente nos corpos dos Demandantes cíveis C... e B... porque foi para isso direccionado pelo Arguido num acto voluntário e totalmente consciente.

    10. - Os próprios Demandantes cíveis nunca configuraram a situação de que foram vítimas como um acidente de viação e, como tal, nunca participaram/reclamaram o mesmo junto da Seguradora do veículo automóvel em causa, ora Recorrente.

    11. - Ao longo de todo o inquérito não há qualquer referência à existência de um acidente de viação. O Digníssimo Ministério Público, quando deduz a Acusação Pública, não enquadra os factos praticados pelo Arguido como um acidente de viação.

    12. - Os factos que se apuraram, e que constituem a matéria em apreciação nestes autos, não consubstanciam a existência ou verificação de um risco – elemento essencial do contrato de seguro.

    13. - Assim, não pode considerar-se como válida e operante a garantia contratada pelo seguro por força do qual a Demandada, ora Recorrente, é condenada e que cobria os riscos da circulação do veículo automóvel de matricula 91-18-QV.

    14. - “Fora do círculo dos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam os que não têm conexão com os riscos específicos do veículo; os que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre, como tais; os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por qualquer outra coisa móvel.” (Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 07A197 (in www.dgsi.pt): 16ª- Por via do contrato de seguro, a Seguradora está obrigada a indemnizar os danos causados por via da utilização do veículo garantido. As lesões dos Demandantes foram provocadas não pela normal circulação da viatura mas sim “pela sua utilização desviada do fim a que se destinava, como utensílio ou arma, idónea a desferir lesões corporais, encontram-se fora dos riscos que a recorrente considerou quando da celebração do contrato de seguro.” 17ª- Resulta inequívoco de todos os factos supra transcritos, devidamente provados, que todas as lesões/danos sofridas pelos Demandantes C..., B...e HUC, ficam a dever-se a uma conduta dolosa do condutor do veículo automóvel … , ora Arguido, que o utilizou para ofender corporalmente as vitimas como poderiam ter utilizado qualquer outro instrumento de natureza contundente.

    15. - Além do mais, aceitarmos que os seguros obrigatórios de responsabilidade civil automóvel cobrem os danos resultantes de todos e quaisquer actos criminosos, por mais torpes e dolosos que o sejam, desde que na sua prática sejam utilizados veículos automóveis é aceitar a celebração de negócios ostensivamente contrários à ordem pública e aos bons costumes.

    16. - O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou as disposições conjugadas dos artigos 4º; 11º; 15º; 64º; todos do D.L. 291/2007 de 21 de Agosto e ainda os artºs. 9º; 280º e 562º todos do Código Civil.

      * TERMOS EM QUE Devem as presentes conclusões proceder e, em consequência revogar-se a decisão recorrida absolvendo-se a recorrente dos pedidos de indemnização deduzidos pelos demandantes C...; B… e Hospitais da Universidade de Coimbra».

  2. Não houve respostas.

    4.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu VISTO.

    ...

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