Acórdão nº 2297/21.3T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA MARIA ROBERTO
Data da Resolução29 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso n.º 2297/21.3T8LRA.C1 Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A arguida A..., Ldª, com sede em ..., ..., veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou a coima única de € 2.720,00 pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02; 14.º, n.º 4, a) e 25.º, n.º 1, b), ambos da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e 561.º, n.º 1, do CT. * Recebido o recurso, procedeu-se a audiência de julgamento.

* De seguida, foi proferida a sentença de fls. 69 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte: “Pelo exposto, decide-se julgar procedente, nos termos acima expostos, o recurso interposto por “A..., Lda.”, e, em consequência, absolvê-la da prática da contraordenação que lhe vem imputada.

” * O Ministério Público, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: “1- Ficou provado que: a- A arguida ( “A..., Ldª) dedica-se à atividade de construção de obras públicas de engenharia civil; b- No dia 08/07/2020, pelas ... horas a arguida mantinha em circulação, no ..., ao Km 150, sentido N/S, ..., o veículo pesado de mercadorias, de serviço particular e de matrícula ..-HV-.., conduzido pelo motorista AA, ao serviço e sob as ordens e instruções da arguida; c- O motorista identificado em 2 foi admitido ao serviço da arguida no dia .../.../2020; d- Fiscalizado pela GNR, na data referida em 2, o referido motorista não se fazia acompanhar dos registos respeitantes aos dias 6, 7 e 8 de julho de 2020, nem de qualquer registo/declaração de atividade referente a tais dias.

2- Tais factos integram a contraordenação prevista no artº 36º do Regulamento (EU) n.º 165º/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, classificada como muito grave pela al. b) do n.º 1 do artº 25º da lei 27/2010, de 30/08, e punível nos termos da al. a) do n.º 4 do artº 14º do mesmo diploma legal com coima de 20 UC a 300 UC em caso de negligência.

3- A não apresentação das folhas de registos do dia em curso da fiscalização e de um qualquer dos 28 dias anteriores deve ser justificada com vista a afastar a ilicitude da conduta, no acto da fiscalização, perante os agentes fiscalizadores, mediante a apresentação de uma declaração justificativa que confirme as razões dessa não apresentação o que pode ser feito através da denominada "declaração de actividade", apesar desta não ser obrigatória, ou por qualquer outro documento idóneo.

4- Não fazendo o empregador essa prova, tanto basta para que fique preenchido o elemento subjetivo da infração.

5- Compulsando o disposto na alínea a) do artigo 4.º do Regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, "transporte rodoviário é: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga".

6- E nos termos do seu artigo 2.º "O presente regulamento aplica-se ao transporte rodoviário:

  1. De mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semi-reboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou b) De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade," 7- Em parte alguma do Regulamento em apreço é feita menção à necessidade de, para efeitos de aplicação do mesmo, ser necessário que as entidades empregadoras se dediquem à atividade de transporte rodoviário de mercadorias, a que corresponde o CAE 49470' .

    8- Para que o Regulamento seja aplicável, necessário é que se trate de um transporte rodoviário de acordo com a definição prevista na alínea a) do artigo 4.o e que se trate de um veículo pesado nos termos definidos no artigo 2.º.

    9- Ao julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida, absolvendo-a consequentemente da prática da contraordenação que havia sido aplicada pelo Centro Local do ... da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi violado, na sentença, o disposto no artº 36º do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, al. b) do n.º 1 do artº 25º e al. a) do n.º 4 do artº 14º , ambos da Lei n.º 27/2020 de 30 de agosto.

    10- Deve por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que, julgando improcedente a impugnação judicial apresentada, mantenha a decisão proferida pelo Centro Local do ... e a condenação da arguida pela coima de € 2.720,00.

    Vossas excelências apreciarão e decidirão com Justiça.” * A arguida apresentou as suas contra-alegações nos seguintes termos: “

    1. O Regulamento nº 165/2014 aplica-se apenas ao transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem.

    2. Percorrendo a Lei 27/2010 de 30 de agosto, que visou transpor a diretiva 2006/22/CE não se verifica que tenha imposto às empresas a emissão de qualquer declaração de atividade para ser apresentada em controlos de estrada, quando os mesmos não tenham conduzido veículos não equipados com tacógrafos ou não tenham exercido atividade.

    3. Corrente de jurisprudência dos Tribunais de 1ª Instância que vem sendo seguida, conforme douta sentença proferida no Processo nº 2264/18.4T8PTM que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Portimão.

    4. Isso mesmo vem sendo entendido pelos Tribunais, como a título de exemplo a recente douta sentença proferida no Processo nº 2264/18.4T8PTM que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Portimão.

    TERMOS EM QUE, devem as presentes CONTRA – ALEGAÇÕES serem admitidas e, por via delas, manter-se a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo, fazendo – se, assim, a tão costumada JUSTIÇA!” * O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 87, no sentido de que ao recurso deve ser dado provimento. * Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * II – Saneamento A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

    * * III – Fundamentação a) - Matéria de facto provada constante da sentença recorrida: 1. A arguida dedica-se à atividade de construção de obras públicas de engenharia civil; 2. No dia 08/07/2020, pelas ... horas, a arguida mantinha em circulação, no ..., ao km 150, sentido N/S, ..., o veículo pesado de mercadorias, de serviço particular e de matrícula ..-HV-.., conduzido pelo motorista AA, ao serviço e sob as ordens e instruções da arguida; 3. O motorista identificado em 2 foi admitido ao serviço da arguida no dia .../.../2020; 4. Fiscalizado pela GNR, na data referida em 2, o referido motorista não se fazia acompanhar dos registos do tacógrafo respeitantes aos dias 6, 7 e 8 de julho 2020, nem de qualquer registo/declaração de atividade referente a tais dias.

    * Factos não provados: i) A arguida não organizou o trabalho do seu motorista no respeito pelas disposições legai em vigor, fornecendo-lhe todas as instruções necessárias e mantendo controlos regulares adequados, de forma a assegurar-se que o condutor cumprisse a legislação comunitária do setor dos transportes rodoviários; ii) A arguida agiu com falta de cuidado, porquanto não diligenciou para que o condutor identificado nos autos se fizesse acompanhar de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas, de qualquer registo manual e impressão efetuados, que estava obrigada a apresentar, se solicitado por agente encarregado de fiscalização, sendo certo que, nas circunstâncias concretas, podia e devia agir de forma diferente, porquanto tinha conhecimento que a sua descrita conduta era punida por lei.

    * * b) - Discussão Questão prévia Resulta da matéria de facto não provada: ii) A arguida agiu com falta de cuidado, porquanto não diligenciou para que o condutor identificado nos autos se fizesse acompanhar de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas, de qualquer registo manual e impressão efetuados, que estava obrigada a apresentar, se solicitado por agente encarregado de fiscalização, sendo certo que, nas circunstâncias concretas, podia e devia agir de forma diferente, porquanto tinha conhecimento que a sua descrita conduta era punida por lei.

    Ora, como se decidiu no acórdão desta Relação de 23/04/2021, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo aqui Exm.º Desembargador adjunto: “Antes propriamente de entrar na análise da questão objecto do recurso, há que fazer a seguinte observação: Esta observação prende-se com a redacção dada à matéria do ponto 10º dos factos provados, na parte em se considerou como assente que “a arguida não procedeu com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz”.

    Só é punivel o facto praticado como dolo ou nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (artº 8 do RGCO).

    Para que seja possível imputar à arguida o ilícito contraordenacional é necessário apurar se houve culpa (no caso negligência) por parte daquela no cometimento da infracção.

    Nesta medida, a redacção do ponto nº 5 na parte referida encerra em si mesma um manifesto juízo conclusivo resolvendo, sem mais, a questão relativa ao elemento subjectivo da infracção pois se traduz na fiel cópia das palavras utilizadas pela lei usa para definir o conceito de negligência (artº 15º do C. Penal).

    Ora, a integração do tipo subjectivo de um determinado ilícito não pode ser levada a efeito em termos factuais directos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito, não uma questão de facto.

    A afirmação de um juízo de censura há-de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática daquele ilícito, designadamente na sua dimensão objectiva.

    Na verdade, os elementos subjectivos dos tipos de ilícito têm de ser inferidos dos factos materiais que, provados, apreciados segundo a livre convicção do julgador e em conjugação com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.

    A prova dos elementos subjectivos dos...

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