Acórdão nº 3706/19.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Arlindo Oliveira Adjuntos: Emídio Francisco Santos Catarina Gonçalves Processo n.º 3706/19.7T8VIS.C1 – Apelação Comarca de Viseu, Viseu, Juízo Local Cível Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra AA e BB, casados sob o regime da comunhão geral de bens e com residência no Largo ..., ..., ..., ..., vieram intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC, e DD, casados sob o regime da comunhão geral de bens, ambos com residência na Rua ..., ..., ..., ... e ainda contra EE, divorciado, com residência em 59 Rue ... ..., França.

Porquanto e em súmula alegam os autores que são titulares, em termos registrais, de 3/8 do prédio composto de terra de cultura com videiras e outras árvores, com eira e palheiro, sita ao ..., limite de ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com o caminho, do sul com FF, do nascente com casa de habitação do proprietário e caminho e do poente com o caminho, inscrita na matriz predial sob o artigo ...86 da freguesia ... e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72 da freguesia ....

Ora, prosseguem os autores, em 1995 já como comproprietários de 3/8 do dito prédio rústico, procederam com os demais consortes, irmãs do autor – a saber, CC, titular de 3/8 do prédio e GG com 2/8 – à divisão material e demarcação do prédio, dividindo-o em três parcelas, ficando uma parcela definida para cada um dos irmãos. Cabendo assim ao aqui autor o antigo palheiro e terreno de cultivo de regadio, sendo tal parcela vedada por um muro em pedra de granito, pelas paredes do palheiro construídas em pedra de granito, blocos de cimento e tijolo pré-existentes e por muro construídos pelos autores em pedra de granito encimada por uma vedação com tubos de ferro e rede de arame revestida a plástico, no sentido norte /sul, desde a Rua ... até a um muro de suporte de terras que delimita a parcela de terreno que ficou a pertencer a GG e, por morte, desta sobrinho do autor, EE aqui também réu.

Donde, alegam os autores que, desde essa divisão material em 1995, existem três parcelas devidamente demarcadas e autonomizadas, sendo a do autor uma terra de cultivo de regadio, com um barracão de arrumos, um galinheiro e um tanque com uma área total de 926 m2 com as seguintes confrontações: norte –Rua ...; Sul – EE; Nascente – CC e Poente – Rua....

Acrescentam que vêm, concomitantemente, há mais de vinte anos exercendo a posse de forma ininterrupta e contínua, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, com exclusão de quaisquer outros, agindo na convicção de que exercem um direito próprio de proprietários da referida parcela. Mais concretamente, lavrando, estrumando, adubando o terreno de cultivo de regadio e nele semeando produtos hortícolas, tendo ali diversas árvores de fruta e videiras, que no terreno abriram, de resto, um furo artesiano com vista à rega e criam aves de capoeira no galinheiro. Rematam que reconstruíram o antigo palheiro, transformando-o num barracão de arrumos pelo que, ante tudo o exposto, à falta de outro título, adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio rústico em causa por usucapião que invocaram.

Destarte, pedem a este Tribunal a condenação dos réus a ver reconhecido que o direito dos autores não se reporta a uma fração indivisa do prédio melhor identificado do art. 1.º da Petição Inicial, mas antes que corresponde ao pleno direito de propriedade sobre um prédio autónomo, materialmente dividido e demarcado, tal como se encontra descrito nos arts. 8.º, 11.º, 12.º, 15.º a 17.º da Petição Inicial e bem ainda a reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio autónomo, materialmente dividido e demarcado, com a configuração, conteúdo, área e confrontações que correspondem à Parcela 1 da planta topográfica junta aos autos, descrito nos arts. 15.º a 17.º da Petição Inicial, abstendo-se de por qualquer forma o violar.

Regularmente citados, apresentou apenas o réu EE a sua contestação (de fls. 63 a 69) arguindo que o fracionamento que os autores peticionam é legalmente proibido à luz do art. 1376.º do Código Civil pois que o fracionamento de prédios rústicos aptos para cultura, só é permitido no caso de possuírem uma área superior à respectiva unidade de cultura, o que, in casu, não sucede, sendo, conclui, uma divisão nula à luz do 1379.º do Código Civil.

À cautela, mais alegou que a fração/parcela que os autores pretendem ver autonomizada não tem a configuração, conteúdo e área alegados na Petição Inicial e na planta topográfica ali junta que impugnou, tendo, efectivamente, uma área inferior aos 926m2 avançados pelos autores, encontrando-se o barracão/palheiro implantado em parte da parcela possuída pelo réu EE, donde, conclui, sempre terá a lide de improceder por não provada.

* Após o oferecimento da contestação, foram os autores convidados ao abrigo dos arts. 3.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil por despacho de 07-01-2020 a pronunciar-se sobre a matéria de excepção arguida na contestação. Convite a que responderam positivamente, conforme requerimento de fls. 77 a 81, ali postergando a excepção aduzida pois o que está em causa na ação repisam, é a aquisição por usucapião da sua parcela de acordo com a divisão material há muito delineada entre os três irmãos e não o fracionamento do direito de propriedade.

* Com a concordância das partes foi dispensada a realização da audiência prévia.

Foi julgada válida e regular a instância em sede de despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da nulidade da divisão arguida pelo réu e identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, os quais não foram objecto de qualquer reclamação ou impugnação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 159 a 173 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Pelo exposto julga o Tribunal totalmente procedente a presente ação e, em consequência: i) Reconhece a aquisição do direito de propriedade por usucapião dos autores AA e BB sobre parte do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o art. ...86 da freguesia ... e descrito Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72 da freguesia ..., mais concretamente, sobre o prédio autónomo, materialmente dividido e demarcado com a configuração, conteúdo, área e confrontações patentes nos factos provados n.ºs 11 e 12 e de acordo com a Parcela 1 da planta topográfica de Fevereiro de 2019 junta aos autos a fls. 55 a 57 e que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

E concomitantemente, ii) Condena os réus a reconhecer e respeitar como é de Lei o direito de propriedade dos autores sobre o prédio autónomo, materialmente dividido e demarcado, com a configuração, conteúdo e confrontações referidas em i), abstendo-se de por qualquer forma o violar.

iii) Condena os réus nas custas do processo.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o réu EE, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 205), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1) O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, quanto à matéria de Direito, na qual se decidiu que: “(…) a invocada proibição de fracionamento patente no art. 1376.º, n.º 1 do Código Civil (art. 49.º, n.º 1 da Lei n.º 111/2015 de 27 de Agosto e a Portaria n.º 219/2016 de 09 de Agosto, na redação produzida pela Portaria n.º 19/2019 de a5 de janeiro), não obsta à análise da pretensão dos autores porquanto, como vem pacificamente decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, “a usucapião, sendo uma forma originária de aquisição de direitos, pode incidir sobre parcela de terreno inferior à unidade de cultura, contrariando o regime jurídico que proíbe o fracionamento de prédios rústicos por ofensa à área de cultura mínima”.

1) O douto Tribunal a quo fundamenta aquela sua decisão nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-2019, 18-06-2019 e 30-05-2019, melhor identificados na sentença.

2) Sucede que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o douto Tribunal recorrido além de não fundamentar devidamente a sentença aqui em causa errou na interpretação das normas contidas nos artigos 1287.º, 1376.º e 1379.º do Código Civil e 48.º da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, na redação conferida pela Lei n.º 89/2019, de 03 de setembro.

3) Importa ter presente que a Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, sobretudo no seu artigo 48.º, sofreu alterações muito relevantes nesta matéria em 2019 que, no mínimo, deveriam ter sido ponderadas pelo douto Tribunal a quo, o que não sucedeu.

4) Inclusive, a alteração ao artigo 48.º daquela Lei n.º 111/2015 vem colidir frontalmente com a citada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, toda ela proferida em data anterior àquela alteração legislativa e, portanto, sem a ter em conta.

5) Veja-se que, com a entrada em vigor da Lei n.º 89/2019, de 03 de setembro, o artigo 48.º da Lei n.º 111/2015 passou a ter a seguinte redação (com o nosso destaque): “1 - Ao fracionamento e à troca de parcelas aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.º a 1381.º do Código Civil, as disposições da presente lei.

2 - A posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao seu possuidor a justificação do direito a que esta diz respeito, ao abrigo do regime da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de atos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil.

3 - São nulos os atos de justificação de direitos a que se refere o número anterior.

4 - Quando todos os interessados estiverem de acordo, as situações de indivisão podem ser alteradas no âmbito do emparcelamento rural ou da valorização fundiária, pela junção da área correspondente de alguma ou de todas as partes alíquotas, a prédios...

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