Acórdão nº 5130/20.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Cristina Neves Adjuntos: Teresa Albuquerque Falcão de Magalhães Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO AA e BB, intentaram a presente ação contra Seguradoras U..., S.A.

, peticionando a sua condenação a pagar aos autores a quanta de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos danos não patrimoniais sofridos por si e pela sua falecida mãe, CC, quantia essa acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da sentença até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento das custas e encargos com o processo.

Para fundamentarem o seu pedido alegam que o falecimento de sua mãe ocorreu na sequência de um acidente com um tractor munido de uma fresa mecânica que, por culpa do condutor deste tractor, foi posta em funcionamento quando a vítima se encontrava entre a roda traseira do tractor e a fresa, causando-lhe a morte.

* Contestou a R., por excepção, alegando que o acidente em causa constitui acidente de laboração, por essa via excluído, bem como os respectivos danos, das garantias do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...37 e ainda a preterição de litisconsórcio necessário no que se reporta à indemnização pelo dano morte.

Impugnou, ainda, os factos relativos ao acidente, cuja culpa imputa à vítima, bem como os danos invocados.

* Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual o Juiz a quo, considerando incluir-se este acidente nos riscos decorrentes da circulação do veículo, decidiu “1– Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar à autora AA, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a títulos de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

2 - Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar ao autor BB, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a títulos de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

3– Condeno a Ré Seguradoras U..., S.A. a pagar aos autores AA e BB a quantia de 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima CC e a quantia de € 70.000 (setenta mil euros) pela perda do direito à vida da vítima CC, quantias essas acrescidas dos juros legais contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

4 - Custas da ação a cargo dos autores e Ré, na proporção do respetivo decaimento.” * Não conformada com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma, restrito à matéria de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. O acidente em causa nos presentes autos ocorreu quando a infeliz sinistrada foi colhida pelas lâminas de uma fresa em funcionamento, acoplada a um tractor agrícola, de matrícula ..-0D-.., no decurso de trabalhos de sementeira num campo de cultivo.

  1. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...37, DD, na qualidade de proprietário e tomador do seguro, transferiu para a recorrente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do trator agrícola da marca ..., modelo ..., de matrícula ..-OD-...

  2. Nos termos do disposto no nº 4 do art.º 4º do DL 291/2007, de 21 de Agosto, a obrigação de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é afastada nas situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais.

  3. Um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tal como o titulado pela apólice nº ...37 só cobre ou garante acidentes qualificados como acidentes de viação, isto é, quando o veículo envolvido tenha sido causa do evento enquanto na sua função de veículo circulante, o que manifestamente não sucedeu no caso dos presentes autos, pois o tractor agrícola ao qual se encontrava acoplada a fresa encontrava-se na sua função de laboração agrícola e a sua movimentação tinha como fim único e exclusivo a realização de uma tarefa agrícola.

  4. A utilização da fresa constitui actividade notoriamente perigosa, como para além do mais se conclui da matéria de facto dada como provada: O condutor não podia ter ligado a fresa sem que antes se tivesse assegurado que a vítima tivesse saído de junto da traseira do trator e de junto da fresa, tanto mais que o condutor bem sabia que a fresa tem lâminas com forte e rápida rotação e que, por isso, constitui um mecanismo perigoso – 1.12 dos factos provados; A fresa em causa era dotada de lâminas que funcionavam de forma rotativa e que, com ela ligada, passaram a estar em movimento – 1.33 dos factos provados; A fresa que se encontrava acoplada ao OD, da marca ..., modelo ..., com 1,70 metros de largura, era constituída por um conjunto de 8 grupos de facas rotativas, 4 do lado esquerdo e 4 do lado direito; cada um daqueles 8 grupos possuía 4 facas, totalizando assim 32 facas no total – 1.37 dos factos provados.

  5. O caso cai assim sob a alçada no disposto no art.º 493º, nº 2, do CCivil e excluído dele está aplicação do disposto no art.º 503º do mesmo diploma legal: O disposto no artigo 493, nº 2 do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre – cfr. Assento nº 1/80, publicado no Diário da República I Série, de 20 de Janeiro.

  6. A utilização de uma máquina agrícola “capinadeira”, ainda que atrelada a um tractor para a sua locomoção, consiste em «actividade perigosa» para efeitos de aplicação do regime predisposto pelo art. 493.º, n.º 2, do CC, sempre que os danos produzidos se devem em exclusivo ao perigo típico (que deveria ter sido antecipado e neutralizado pela tomada de acções preventivas adequadas e necessárias por um utilizador diligente) resultante de um “evento de laboração ou exploração” da máquina, no âmbito de actuação das suas funções específicas e funcionamento próprio, ainda que na dependência da circulação devida ao tractor associado e promotor dessas funcionalidades – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.04.2022, no qual foi Relator o Exmo Senhor Juiz Conselheiro Ricardo Costa, disponível em www.dgsi.pt.

  7. O sinistro em causa nos presentes autos não constitui acidente de viação, antes acidente de laboração, pelo que dele se encontra excluída a cobertura e garantias do seguro de responsabilidade civil automóvel contratado entre a recorrente e o proprietário do tractor agrícola ao qual se encontrava acoplada a fresa.

  8. A recorrente deve assim ser absolvida de todos os pedidos formulados.

    Sem Prescindir, 10. Caso assim se não entenda – o que não se concede – sempre será de imputar à infeliz sinistrada uma quota parte de responsabilidade na produção dos danos por ela sofridos.

  9. Considerando a imprevidência da actuação da sinistrada, conhecedora do perigo que representava a fresa em laboração, deverá à mesma ser imputada 30% da responsabilidade na produção dos danos que vieram a resultar na sua morte, cfr. art.º 570º do CCivil, devendo ser deduzida a percentagem de 30% ao valor global da condenação.

  10. Na douta sentença fez-se incorrecta interpretação dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente dos art.ºs 483º, 493º, 503º e 570º, todos do CCivil e do art.º 4º do DL 291/2007, de 21 de Agosto.

    Pelo exposto, Na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve a douta sentença recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo JUSTIÇA.” * Os AA. interpuseram contra-alegações, delas constando as seguintes conclusões: “1) O veículo ..., tractor agrícola melhor identificado nos autos (ponto 1.25. dos factos provados), constitui um veículo para o qual existe obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, nos termos impostos pelo DL nº 291/2007, de 21/08 (Regime do Seguro Automóvel Obrigatório), e conforme resulta designadamente do disposto no art. 4º, nº 1 daquele diploma legal; 2) No cumprimento de tal obrigação legal, o proprietário e condutor do referido veículo, DD, celebrou com a Ré/Apelante o contrato de seguro melhor identificado nos autos (ponto 1.23. dos factos provados), segundo o qual foi transferida para a Ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação daquele veículo; 3) Consta das Condições Particulares da respectiva apólice de seguro a menção de que “De acordo com a presente Cláusula Particular, a cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória deste Contrato produzirá igualmente efeitos em relação à unidade (reboque) que no momento do sinistro se encontre atrelado ao veículo seguro”, querendo isso significar que as partes contratantes do seguro quiseram e contrataram que a cobertura de Responsabilidade Civil Obrigatória produzisse igualmente efeitos em relação à unidade que no momento do sinistro se encontrasse atrelada ao veículo seguro, incluindo qualquer alfaia (fresa ou outra) que a ele estivesse atrelada; 4) O acidente dos autos constitui um verdadeiro acidente de viação, conforme resulta da factualidade provada nos pontos 1.1., 1.2., 1.3., 1.4., 1.6., 1.9., 1.11., 1.13., 1.21., 1.25., 1.28. e 1.34., uma vez que na altura do acidente o veículo ... estava em movimento e circulação e estava a ser utilizado na sua função habitual de locomoção- transporte, sendo tal entendimento protegido pela Legislação Portuguesa (art. 483º do Código Civil, art. 4º, nº 1 e art. 4º, nº 4 a contrário, do DL 291/2007, de 21/08), pelo Direito Comunitário (art. 3º, nº 1, da Diretiva nº 72/166/CEE, arts. , 3º, nº 1, e da Diretiva 2009/93/CE e art. 7º da Diretiva 2009/103/CE), pela Jurisprudência do TJUE (acórdão de 04/09/2014) e pela maioria da Jurisprudência Portuguesa sobre a matéria (entre outros, ac. do STJ de 17/12/2015 no processo 312/11.8TBRGR.L1.S1 e demais acórdãos que nele foram citados, ac. do STJ de 18/01/2000 no processo 99A979, ac. do TRG de 15/02/2018 no processo...

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