Acórdão nº 312/11.8TBRGR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I - AA, por si e em representação de seus filhos menores BB, CC e DD, intentaram contra EE - Sucursal em Portugal, acção declarativa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes as seguintes quantias: aos AA., enquanto únicos e universais herdeiros do falecido FF, € 160.000,00 a título do dano morte; à A. AA € 105.490,50 por danos patrimoniais e € 100.000,00 por danos não patrimoniais; à A. BB € 50.000,00 por danos morais; ao A. DD € 50.000,00 por danos morais; e ao A. CC € 50.000,00 por danos morais e € 39.904,77 por danos patrimoniais.
Alegaram factos que implicam a responsabilidade civil do proprietário de um tractor que vitimou FF, marido e pai dos AA., a qual foi transferida contratualmente para a R. através de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
A R. contestou e pugnou pela improcedência da acção, alegando que o contrato de seguro não abarcava o acidente dos autos.
Os AA. replicaram e, para efeitos de dedução subsidiária do pedido, pediram a intervenção principal de GG e HH, respectivamente proprietário e condutor do tractor.
Os intervenientes GG e HH contestaram, rebatendo os argumentos da R. EE no que concerne à sua responsabilidade, impugnando também os factos alegados pelos AA.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que decidiu: - Absolver da instância os RR. GG e HH da instância em razão da sua ilegitimidade; - Condenar a R. EE a pagar: a) Aos AA. AA, BB, CC e DD, o montante de € 75.000,00 a título de indemnização pelo dano-morte (€ 60.000,00) e danos não patrimoniais do falecido (€ 15.000,00); b) Aos AA. AA, BB e CC, o montante de € 209.400,00 por lucros cessantes; c) À A. AA o montante de € 1.390,50 pelas despesas de funeral; d) À A. AA o montante de € 50.000,00 apor danos morais próprios; e) A cada um dos AA. BB, CC e DD o montante de € 35.000,00 por danos morais próprios; f) Aos montantes acrescem os juros legais contados a partir do trânsito desta sentença altura em que se fixa a obrigação e até integral pagamento.
A R. apelou e a Relação revogou a sentença, absolvendo-a de todos os pedidos.
Os AA. interpuseram recurso de revista em que suscitam essencialmente as seguintes questões: a) O contrato de seguro abarca o acidente dos autos, uma vez que tanto abarca acidentes de viação como de trabalho provocados pelo veículo automóvel na sua função habitual; b) A R. Seguradora não informou o tomador do seguro da necessidade de outorgar seguro que cobrisse os danos emergentes do funcionamento do tractor no exercício da sua actividade; c) O condutor do tractor tinha o dever de desligar o motor da rotativa ligada à picadora, tendo actuado negligentemente e causando com o seu comportamento a morte do sinistrado; d) Sempre haveria responsabilidade pelo risco, atenta a perigosidade inerente a um veículo parado num plano inclinado, com o motor em funcionamento e a picadora em rotação.
Houve contra-alegações dos intervenientes.
Cumpre decidir.
II – Factos provados: 1. No dia 9-6-10, por volta das 17h 50m, num terreno agrícola sito no …, Lomba de S. Pedro, Ribeira Grande, ocorreu um acidente.
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Nesse dia, FF, marido da A. AA e pai dos restantes AA., trabalhava no referido terreno de sacho em apoio a um tractor agrícola com picadora.
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O tractor, matrícula ...-...-..., marca Massey Fergusson, propriedade de II, era conduzido por HH.
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A certa altura, quando efectuava os trabalhos referidos em 2.
, HH parou o tractor no terreno, com o motor e a picadora a trabalhar, mas com o travão de mão accionado, fazendo-o num sentido ascendente para conversar com um conhecido que se postara à sua esquerda, sempre atendendo ao seu sentido de marcha, e a cerca de 5 a 6 m de FF que sachava do lado direito atento o sentido de marcha do tractor, mas mais para baixo, tendo por referência a traseira do veículo.
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Durante aquela conversa, FF dirigiu-se para o lado direito do tractor, atento o sentido em que este estava parado, postou-se entre a roda traseira desse lado e uma das aberturas da picadora, tendo sido colhido pelas respectivas lâminas e "engolido" e triturado, sofrendo lesões tais que lhe determinaram a morte.
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O tractor é dotado de uma cabine fechada e a picadora é totalmente vedada pela parte de trás e pelas laterais.
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Ao ser colhido pelas lâminas da picadora, FF, e em razão de por isso se aperceber que daí lhe adviria a morte, experienciou momentos de pânico, medo e angústia, bem como de dores lancinantes.
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O falecido FF havia contratado os serviços do tractor …-IC-…, a fim de tal máquina lavrar o terreno onde se verificou o acidente.
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O proprietário do tractor transferiu para a R., por contrato de seguro válido à data do acidente, apólice nº …54, a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação daquele seu veículo.
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A R., quando contratou com o dono do tractor o contrato de seguro, não alertou o segurado para a exclusão dos riscos de laboração, bem como da obrigatoriedade de tal seguro.
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Nas condições gerais e particulares do contrato de seguro consta uma cláusula, com a Epígrafe 806, sob a epígrafe "Exclusão dos Riscos de Laboração", na qual pode ler-se: "...
não ficando em caso algum, cobertos os danos a terceiros causados pelo veículo seguro, bem como os danos sofridos pelo próprio veículo, desde que tais prejuízos sejam consequência dos trabalhos próprios e específicos da sua laboração ...".
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Nas condições particulares pode ler-se, entre parêntesis (aplicáveis segundo a indicação inserta na apólice) “da apólice constam identificadas as seguintes condições especiais e particulares 001, 002, 004, 010, 015, 021, 800, 822”.
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A cláus. preliminar n° 1 das Condições Gerais, parte I, estabelece: "Entre a EE Companhia de Seguros SA e o tomador do seguro mencionado nas condições particulares estabelece-se um contrato de seguro que se regula pelas presentes Condições Gerais e pelas Condições Particulares e ainda se contratadas, pelas Condições Especiais".
E no n° 3 desta cláusula diz-se o seguinte: "As Condições Especiais prevêem a cobertura de outros riscos e ou garantias além dos previstos nas presentes Condições Gerais e carecem de ser especificadamente identificadas nas condições particulares".
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O n° 2, al. a), da Cláus. 2ª, dispõe que: "O presente contrato garante até aos limites e nas condições nele estabelecidas a responsabilidade civil do tomador do seguro ... bem como dos seus legítimos detentores e condutores pelos danos corporais e materiais causados a terceiros".
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A cláus. 37ª dispõe sobre o seguro automóvel facultativo e estabelece que: "O Seguro Automóvel Facultativo rege-se pelo disposto nas Condições Particulares e nas Condições Especiais contratadas, bem como pelo disposto nas presentes Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo – Parte II - e, no que não estiver especificamente regulado, pelas Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil Obrigatório - Parte I.
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A cláus. 39ª, sob a epígrafe Cobertura Facultativa, dispõe que: "Mediante convenção expressa e o pagamento do respectivo sobre prémio, o âmbito do presente contrato pode ser alargado, nos termos das correspondentes Condições Especiais, os seguintes riscos: - Responsabilidade Civil Facultativa ...
".
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A cobertura de Responsabilidade Civil Facultativa encontra-se identificada nas Condições Especiais sob o n° 001.
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Da apólice junta aos autos, sob a expressão "Condições Especiais e Particulares", consta, além de outros, o seguinte nº 001.
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A cláus. 41ª, dispondo sobre as exclusões gerais aplicáveis a esta cobertura, estabelece no seu n° 1, al. g), que: "Além das exclusões previstas no Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil - Parte - e nas exclusões próprias de cada Condição Especial, ficam também excluídos os: ...
g) Sinistros ocorridos em serviço diferente e de maior risco do que aquele que estiver contratado nas condições particulares".
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AA estava grávida do terceiro filho do casal, CC, que viria a nascer após a morte do progenitor FF.
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FF era agricultor e nessa qualidade, cerca de duas vezes em cada semana trabalhava para terceiros, auferindo o rendimento diário de € 35,00, comercializando ainda batata que produzia nas suas próprias terras e vendendo anualmente entre 1.000 e 1.500 sacas de 20 Kg à razão de 7 a € 9 cada, e bem assim providenciava daquelas suas terras (dele ou arrendadas), para consumo doméstico, variados legumes, que, fossem comprados fora, implicariam um dispêndio de cerca de € 50,00.
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FF era um jovem adulto alegre, bem-disposto e brincalhão, cheio de vida e saúde e sempre pronto a ajudar quem dele precisava, designadamente, a esposa e os filhos, além de um excelente trabalhador, dedicado e consciencioso.
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Era um amante da vida, da família e estimado por todos quanto com ele privavam, principalmente pelos seus muitos amigos; era um marido dedicado, companheiro e amigo e um pai extremoso e sempre presente.
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Os AA., antes alegres e esperançosos, agora choram e vivem tristes pela morte do marido, pai e amigo muito querido.
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A A. AA perdeu a alegria de viver.
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Nos filhos BB e DD jamais se apaga da memória a imagem do pai dócil, e estes e o filho CC costumam ainda hoje perguntar pelo progenitor.
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