Acórdão nº 831/20.T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, residente em ..., ..., instaurou a presente ação declarativa de condenação, que seguiu a forma (única) de processo comum, contra BB, residente em ..., ..., pedindo ao tribunal que: a) reconheça e declare que, na constância do casamento, o casal comum que foi constituído por autor e ré, introduziu no lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, propriedade da Ré, por ser bem próprio dela, benfeitorias úteis e necessárias, no valor de 183.884,95€, correspondentes à construção da casa de morada de família, com a execução dos trabalhos e aquisição e incorporação dos materiais melhor descritos supra nos artigos 11.º a 23.º da petição inicial; b) reconheça e declare que as referidas benfeitorias, em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote de terreno onde foram executadas, sem detrimento das mesmas; c) reconheça e declare que a autora e o réu são credores, na proporção de metade cada um, sobre o património comum, do referido valor de 183.884,95€, sob pena de enriquecimento sem causa da ré à custa do autor.

Para tanto, alega, em síntese, que a autora e o réu casaram um com o outro no dia 15/09/2007, tendo o casamento sido dissolvido, por divórcio decretado por sentença proferida no dia 19/04/2018, em consequência do que foi instaurado inventário (notarial) para partilha dos bens comuns do casal, onde as partes foram remetidas para os meios comuns relativamente ao valor das benfeitorias efetuadas pelo casal em terreno que era propriedade da ré.

Neste sentido, alega que a ré, antes do casamento, era proprietária de um lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, que lhe tinha sido doado por seus pais, onde, após o casamento, o autor e a ré construíram uma moradia, que veio a ser a casa de morada de família, cujas despesas (de construção, administrativas e de equipamento do recheio) foram suportadas pelo casal, que encomendou e pagou os serviços/trabalhos/equipamentos descritos nos artigos 11º a 23º da petição inicial.

Alega que as obras efetuadas não podem ser levantadas do lote de terreno propriedade da ré sem a sua deterioração, tendo gastado em tais obras o valor de 183.884,95€, montante que aumenta em igual montante o valor do lote de terreno, cabendo ao autor o direito a metade desse valor.

* A ré, regularmente citada, contestou, pugnando pela improcedência da ação. Deduziu, ainda, reconvenção contra o autor, pedindo ao tribunal que: I) reconheça e declare que as benfeitorias, que correspondem à casa de habitação implantada e construída há cerca de quase 10 anos, no lote de terreno, propriedade da ré e descrito no n.º 7 da PI, localizado em ..., em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote sem detrimento das mesmas; II) reconheça e declare que a quantia monetária de 45.964,27€ que a ré tinha de solteira e que transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, foi aplicada no pagamento das referidas benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré; III) reconheça e declare que, atualmente, o valor das benfeitorias efetuadas no referido lote de terreno da ré, é de 37.065,97€; IV) reconheça e declare que houve sub-rogação total das referidas benfeitorias no lugar da quantia monetária que a réu transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, donde saíram os pagamentos das benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré; V) reconheça e declare que quanto a este valor sub-rogado de benfeitorias no valor da quantia monetária da ré, tratando-se de um bem próprio da ré, não terá assim que ser objeto de partilha; Subsidiariamente ao pedido em III), IV) e V); VI) Caso seja reconhecido e declarado que atualmente a avaliação das referidas benfeitorias resulta num valor superior à referida quantia monetária de 45.964,27€; VII) reconheça e declare que houve sub-rogação parcial das referidas benfeitorias no lugar da correspondente quantia monetária de 45.964,27€, que a ré transferiu da sua conta bancária de solteira para a conta comum do casal, donde saíram os pagamentos das benfeitorias efetuadas no lote de terreno da ré, bem próprio da ré; VIII) Quanto a este valor sub-rogado de benfeitorias no valor de 45.964,27€, tratando-se de um bem próprio da ré, deverá ser reconhecido e declarado que não terá assim que ser objeto de partilha; IX) Quanto ao eventual valor de benfeitorias que ultrapasse o referido valor sub-rogado de 45.964,27€, deverá ser reconhecido e declarado que o autor e a ré são credores na proporção de metade cada um, sobre o património comum, desse valor que ultrapasse o referido valor sub-rogado.

Para tanto, admitindo a factualidade referente ao casamento e divórcio, à propriedade do lote de terreno e à realização de algumas obras, alega que a moradia em questão começou a ser construída apenas no ano de 2010, tendo sido estimado o custo da sua construção no montante de 96.214,25€, mas que grande parte dos pagamentos efetuados (45.964,27€) foram efetuados com dinheiro propriedade da ré, que tinha na sua conta bancária de solteira.

Alega, por outro lado, que, tendo sido adjudicada a construção da moradia com “chave na mão”, o valor patrimonial tributário das benfeitorias efetuadas ascende a 37.065,97€, tendo havido sub-rogação deste valor no valor que foi pago pela ré, através do dinheiro que tinha na sua conta bancária de solteira.

* O autor replicou, pugnando pela inamissibilidade da reconvenção relativamente aos pedidos formulados em I), III) e VI), impugnando o alegado valor das benfeitorias, bem como o alegado direito de crédito da ré, concluindo pela improcedência da reconvenção e nos termos da petição inicial.

* Findos os articulados, o tribunal realizou a audiência prévia das partes, tendo tentado a conciliação das partes, admitido a reconvenção deduzida, proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e fixado os temas da prova, conduzindo os autos para a audiência final, com previa realização de prova pericial.

* Realizada a perícia determinada, realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais, como se alcança das respetivas atas. Na sentença, considerou-se, em suma, que estando em causa benfeitorias úteis feitas pelo casal formado por A. e Ré, na constância do casamento, em prédio que era bem próprio da Ré, da factualidade provada resultava que o valor das obras coincidia com o valor aumentado ao prédio, isto é, no montante de € 135.960,00, donde um direito de crédito do A. sobre a Ré no montante de € 67.980,00, sendo que já improcedia a reconvenção, por a Ré não ter logrado provar que as benfeitorias tivessem sido feitas com dinheiro exclusivamente seu, assim ficando prejudicado o demais peticionado pela Ré com essa base, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «IV – Dispositivo.

Pelo exposto, o tribunal julga a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo a ré do demais peticionado e o reconvindo dos pedidos:

  1. Reconhece e declara que, na constância do casamento, o casal comum que foi constituído por autor e ré, introduziu no lote de terreno inscrito na matriz sob o artigo ...41 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, propriedade da Ré, por ser bem próprio dela, benfeitorias úteis, no valor de 135.960,00€ - correspondentes à construção da casa de morada de família, com a execução dos trabalhos e aquisição e incorporação dos materiais melhor descritos nos factos provados; b) Reconhece e declara que as referidas benfeitorias, em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote de terreno onde foram executadas, sem detrimento das mesmas; c) Reconhece e declara que o autor é credor da ré no montante de 67.980,00€, sob pena de enriquecimento sem causa da ré à custa do autor.

    Condena o autor e a ré no pagamento das custas da ação e na proporção do decaimento e condena a reconvinte nas custas da reconvenção – com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais).

    Registe e notifique – e, oportunamente, devolva o processo administrativo à Câmara Municipal ....»[2] * Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[3]: «

    1. Tendo em conta, a globalidade dos factos provados, nomeadamente os factos provados nº 25 a 33 inclusive, da Sentença recorrida, muito respeitosamente, ficou evidenciado que: a R amealhara a quantia de 45.964,27€ até se casar; que esse dinheiro amealhado gerara juros; que depois de se casar a R fez duas transferências da sua conta de solteira para a conta co-titulada (uma uma direta no valor de 25.000,00€, em 12/08/2010 e outra, que passou ainda por uma outra conta da R, no valor de 23.383,07€, em 04/03/2013) no total de 48.383,07€; para além destas duas referidas entradas de dinheiro na conta co-titulada, provenientes da conta da R, no total de 48.383,07€, mais nenhuma outra entrada na referida conta co-titulada foi provada, ou alegada sequer, ou referida em qualquer parte da Sentença recorrida. Tendo ainda em conta a globalidade dos factos provados, nomeadamente os factos provados nº 23 e 34 e a seguinte parte da “Motivação (…) O teor dos docs. de fls. 108 e v.º, que documentam o teor de dois cheques emitidos em nome do empreiteiro (CC), um emitido … no dia 18/08/2014, no valor de 20.000,00€, e outro emitido … no dia 04/01/2012, no valor de 25.000,00€, que foram pagos, respetivamente, em 29/08/2014 e 05/01/2012, ambos sacados sobre a conta “5400” (…)”, (o que se podem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT