Acórdão nº 441/20.7PBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 31 de Agosto de 2022
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 31 de Agosto de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.
Pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido CC, tendo o acórdão datado de 20 de Junho de 2022 decidido o seguinte: · Condenar o arguido, pela prática, em autoria material, concurso real e sob a forma consumada: ü a)- de um crime de violência doméstica previsto e punido no art.º 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) e n.ºs 4, 5 do Código Penal (tendo por vítima AA), na pena de 3 (três) anos de prisão; ü b)- um crime de violência doméstica previsto e punido no art.º 152.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) e n.ºs 4, 5 do Código Penal (tendo por vítima BB), na pena de 3 (três) anos de prisão; ü c)- operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, cuja execução se não suspende.
· Determinar que o arguido se mantenha sujeito à medida de coacção de internamento preventivo até trânsito em julgado do presente acórdão, sem prejuízo da sua revisão periódica e dos prazos máximos admissíveis.
· Julgar procedente o pedido de reparação das vítimas deduzido pelo Ministério Público contra o arguido CC e, em consequência, condenar o arguido e demandado no pagamento a cada um dos ofendidos da quantia de 800,00 € (oitocentos euros).
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Deste acórdão recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição): «
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O presente recurso visa a reapreciação quer da matéria de facto, quer de matéria de direito esta, designadamente, no que respeita à aplicação de uma medida de segurança ao arguido que deve ser considerado inimputável ou assim, não se entendendo, caso, seja aplicada uma pena de prisão seja o arguido condenado a cumpri-la em meio institucional adequado às suas necessidades e, hipoteticamente sem prescindir da medida da pena aplicada ao arguido.
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É notório que face à prova documental – elementos clínicos – e, prova pericial junta aos autos os Pontos 70, 73, 77 e 78 da Matéria de Facto Provada na parte em que consideraram provado que o arguido “actuou com o propósito”, “quis provocar”, ”bem sabendo que as suas condutas adequadas à produção daqueles efeitos”, “actuou com o propósito concretizado de atingir”, “agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal” foram incorrectamente julgados.
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Existem muitas contradições ao nível da “anomalia psíquica” que é considerada quer, no Relatório Pericial quer, nos demais elementos médicos, uma vez que não caberá lugar ao diagnóstico de Perturbação da Personalidade (PP), uma vez que a estruturação da mesma foi disfuncional por Défice cognitivo /Oligofrenia /Atraso mental ligeiro e não por falha ao nível do carácter, como no caso dos indivíduos com Perturbações Antissocial da Personalidade.
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O arguido é portador de uma doença do foro psiquiátrico, deficiência intelectual ligeira a moderada, perturbação de personalidade antissocial e dependência de canabinóides e abuso de álcool.
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A inteligência do Arguido, foi considerada significativamente inferior aos valores considerados normais para a população em geral (conforme resposta ao quesito 3 do Relatório Pericial) sendo que, as crianças afectadas por esta forma de atraso mental, normalmente, não conseguem atingir um coeficiente de inteligência equivalente ao de uma criança de 11 anos.
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O arguido demonstrou ainda dificuldades de resistência à frustração. Demonstrou uma elevada permeabilidade a influências externas, devendo ser considerado especialmente vulnerável, especialmente no que a consumos de estupefacientes e comportamentos de risco concerne.
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Conforme consta do Relatório Pericial juntos aos autos, à data dos factos de que se encontra acusado, o arguido, em virtude da deficiência mental ligeira de que sofre, agravada pelo consumo regular e dependência de canabinóides e abuso de álcool, apresentava capacidade sensivelmente diminuída para avaliar a ilicitude dos seus actos e para se determinar de acordo com essa avaliação.
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A deficiência mental de que o arguido padece encontra-se presente desde a infância, reveste-se de carácter crónico, não é tratável, limita a sua capacidade de compreender e de interpretar o que o rodeia e de se auto-determinar condicionando o perfil de funcionalidade do arguido CC.
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Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo”, julgou incorrectamente os factos constantes dos Pontos 70-73-77-78 da Matéria Facto Provada e apreciou indevidamente que o atraso mental que o Arguido padece o impede de compreender, interpretar e agir de outro modo, sendo que, a prova documental e pericial produzida impunha uma decisão diversa da recorrida.
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A anomalia psíquica de que o arguido CC padece é passível de integrar os pressupostos do artigo 21.º n.º 1 do Código Penal.
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O Tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente violando os artigos 14.º, 20.º e 152.º, nº 1, al. d), n.º 2, al. a), n.º 4 e 5, todos do Código Penal e ainda o princípio da tipicidade previsto nos artigos 29.º n.º 1 da C. R. P. e artigo 1.º do Código Penal.
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Sem prescindir, do supra alegado, “Tratando-se quer a deficiência mental, quer a perturbação da personalidade, condições clínicas crónicas e não abordáveis do ponto de vista estritamente médico, é provável que persistam inalteradas no futuro, podendo vir a condicionar repetição de comportamentos ilícitos de semelhante natureza.” Senhora Perita em resposta ao Quesito 9. do Relatório Pericial supra mencionado. (sublinhado e negrito nosso) M) Pelo que, conjugado com a gravidade dos factos praticados pelo arguido CC em virtude da sua anomalia psíquica o receio que as vítimas têm de que o mesmo possa “atentar contra a sua integridade física e mesmo contra as suas vidas” (conforme Ponto 75- da Matéria dado como Provada) deve ser aplicado o artigo 91.º n.º 1 do Código Penal.
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Existe pois, também quanto a esta matéria erro notório na apreciação da prova e ao não aplicar o previsto no artigo 91.º n.º 1 do Código Penal, aderindo à conclusão do exame pericial (resposta aos quesitos 6 e 9 do mesmo), o Tribunal “a quo” interpretou erradamente o artigo 163.º do Código de Processo Penal, violando o mesmo, assim como, o disposto no artigo 40.º n.º 1 e 152.º n.º 1 alínea d), n.º 2 alínea a), n.ºs 4 e 5 todos do Código Penal.
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A aplicação de uma medida de segurança surge da necessidade de prevenção da prática de factos ilícitos típicos no futuro e, não obstante, em geral, ser aplicada resposta à especial perigosidade de delinquentes imputáveis especialmente perigosos deve também ser aplicada a delinquentes de imputabilidade diminuída quando a pena for considerada insuficiente do ponto de vista das finalidades de prevenção especial, o que, se verifica “in casu” pois, a doença do CC é permanente e não tratável.
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Ainda que se entenda, que não se encontram reunidos os pressupostos para ao arguido ser aplicada uma medida de segurança, a título cautelar, sempre se dirá que qualquer pena a cumprir pelo arguido deverá ser sempre cumprida em meio institucional revestindo-se “de grande importância a necessidade de supervisão comportamental por parte de terceiros” – conforme resposta ao quesito 9 do Relatório Pericial e no seguimento do Relatório Social do arguido.
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As finalidades de prevenção especial que o caso merece e a salvaguarda dos direitos dos deficientes mentais ligeiros apenas serão alcançados com o acompanhamento de terceiros em contexto institucional adequado às necessidades específicas do arguido.
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Em todo o caso, e sem prescindir de todo o supra alegado, uma pena de prisão a pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, cuja execução não foi suspensa é excessiva, desproporcional e nem sequer responde às exigências de prevenção geral (ás de prevenção especial nunca responderá atenta a deficiência do Arguido).
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Note-se que apesar, de o Arguido ter praticado os ilícitos pelos quais vem acusado, o mesmo, padece de uma deficiência mental ligeira, tendo um défice cognitivo inferior à média da população e eventualmente, sofre de uma perturbação de personalidade, condições clínicas que são crónicas e não são tratáveis.
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Posto isto, é por demais evidente que as necessidades de prevenção especial são médias, e não elevadas, encontrando-se o Arguido actualmente com um comportamento adequado e motivado para as actividades que lhe são propostas no Hospital Prisional onde se encontra.
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De facto, o Tribunal “a quo” deveria ter aplicado uma condenação mais reintegradora e menos excessiva, atenta a matéria provada, a ausência de antecedentes criminais, a anomalia psíquica de que padece o arguido e as circunstâncias em que os factos ilícitos aconteceram (mormente quando o arguido estava sob o efeito de álcool, não acompanhado medicamente e precisava de dinheiro para os seus vícios não compreendendo o porquê dos seus progenitores lho negarem).
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Face ao exposto, não sendo de condenar o arguido numa medida de segurança, recorre o Arguido da medida concreta da pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada porquanto: W) A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente; e em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. artigos 40.º nº s 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal).
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Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração atuam pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes que vão determinar, em última análise, a medida da pena.
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Entende, pois, S. M. O. o Recorrente, que caso não lhe seja aplicada uma medida de segurança, a aplicação de uma pena de prisão próxima do limite mínimo da moldura penal a cumprir em instituição adequada às necessidades do arguido, acautelará de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, o que se requer, Z) Face ao exposto e, ao não entender...
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