Acórdão nº 1532/17.7TB9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 2, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença decidindo nos seguintes termos: (...) Nos termos do que anteriormente se expôs, o Tribunal decide: A) Julgar procedente a acusação pública, por provada e, em consequência, condenar o arguido AA: - pela prática de um de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto nos artigos 30º n.º 2 e 256º nº1 b) e e) do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €:6,50.

- pela prática de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 202º al. a), 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €:6,50.

- em cúmulo jurídico, condenar o mesmo arguido na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de € 6,50, o que perfaz o montante global de €2.600 (dois mil e seiscentos euros), fixando a prisão subsidiária em 266 dias; B) Julgar procedente a acusação pública por provada e, em consequência, condenar a arguida R..., Unipessoal, L.da: - pela prática de um de um crime de falsificação de documento na forma continuada, previsto nos artigos 30º n.º 2 e 256º nº1 b) e e) do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €:100,00.

- pela prática de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 202º al. a), 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €:100,00.

- em cúmulo jurídico, condenar o mesmo arguido na pena única de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de € 100,00, o que perfaz o montante global de €4.000 (quatro mil euros); C) Condenar os arguidos no pagamento de 2 UC’s de taxa de justiça cada um, nos termos no disposto nas disposições conjugadas dos artigos 513º, n.º 1 do Cód. Processo Penal e RCP.

Inconformado, recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1ª - A sentença recorrida equimozou o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a actividade interpretativa deve servir-se para encontrar a justa e correcta resolução do caso concreto.

  1. - E atento o manadeiro fáctico e probatório carreado aos autos, impunha-se uma decisão diversa, no sentido da absolvição do arguido.

  2. - A convicção do julgador há-de formar-se, após, uma ponderação serena de todos os meios de prova produzidos, guiado sempre, por padrões de probabilidade, num processo lógico-dedutivo de montagem do mosaico fáctico, perspectivado pelas regras da experiência comum.

  3. - Andou, mal o Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos descritos nos Pontos 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, e 14, da sentença recorrida, que estão, incorrectamente, julgados, impondo-se decisão diversa.

  4. - A última factura (n.º ...35, no valor de 562,73 €), com data de vencimento alterada, nesta sequência de actividade continuada, conforme descrita no libelo, e transposta, acriticamente, para a sentença, foi emitida em 28/12/2012, nesta data se consolidando o último acto material da alegada conduta criminosa do arguido. (Cfr. fls. 6 e 13 dos autos).

    Não tem cabimento factual, indicar uma data de vencimento duma factura, que foi emitida e produzida em momento histórico-temporal, obviamente, anterior, como sendo o momento cristalizado da prática do acto material, com relevância criminal, como lhe quer apontar a Sr.ª juiz do Tribunal “a quo”.

  5. - Em passo algum do Julgamento se logrou formar o mais resquício material probatório que sustentasse esta afirmação, contida no ponto 5. Dos factos provados, que a conduta do arguido decorreu balizada temporalmente entre 07/09/2011 e 25/05/2013, antes, o último acto material praticado pelo arguido corresponde à data de 28/12/2012.

  6. - Resulta apodíctico, que o ponto 9. dos factos provados está, incorrectamente, julgado, aliás, em clamorosa contradicção, com o vertido no ponto 7 8ª - Diz-se no ponto 9. dos factos provados que a sociedade financeira terá pago à sociedade arguida o valor de 9.686,25 €, em data não concretamente apurada, mas certamente compreendida entre 28/11/2011 e finais de 2013.

    Vem, ainda afirmado na sentença que o pagamento foi efectuado, certamente, em finais de 2013 (???!!!), quando é o próprio Tribunal que considera provado no ponto 7. que a referida factura (n.º ...31) tinha como data de vencimento o dia 28/12/2011.

    E escalpelizando a motivação, constante do ponto 3.3 da sentença, tropeçamos na afirmação da Sr.ª juiz do Tribunal “a quo” que “Ora, quando a sociedade arguida emitia facturas em nome do C..., E.P.E com data de pagamento/vencimento de 30 dias a contar da data de emissão e as enviava à C..., SA, esta adiantava à sociedade arguida o valor em causa, poucos dias depois.” (sublinhado nosso).

  7. - O ponto 9. dos factos provados está, incorrectamente, julgado, no segmento em que considera o momento da entrega do valor em finais de 2013, quando deveria, isso sim, fixar-se a data da entrega da quantia poucos dias após a data de 28/12/2011.

  8. - A empresa arguida ao apor nas facturas uma data de vencimento posterior, pagava por isso, o valor correspondente aos juros remuneratórios, directamente, embolsados pelo Factor, que em, caso algum, tinha prejuízo.

    Esta dinâmica processual era do conhecimento, pleno e expresso, entre as três partes da relação contratual (Factor, aderente e devedor), e que seria, completamente, escusado (saía bem caro à empresa arguida, que suportava os juros), caso o devedor (C..., E.P.E) não fosse repetidamente inadimplente.

  9. - Tendo alterado as datas de vencimento das facturas, o arguido não prosseguia, nem logrou qualquer benefício ilegítimo, antes, pagava essa dilatação temporal, com juros remuneratórios, que eram embolsados pelo Factor, que jamais teve prejuízo patrimonial com esta conduta, tendo como único escopo, evitar o rompimento contratual pela C..., SA, e suas nefastas consequências, por causa do incumprimento reiterado pelo C..., E.P.E no pagamento tempestivo das facturas.

  10. - Quanto à factura ...01, referida no ponto 9. dos factos provados na sentença, em passo algum dos autos germinou cabedal probatório suficiente para considerar como assente o imputado prejuízo patrimonial daquela instituição financeira.

  11. - O que exsuda do Inquérito é uma continental lacuna sobre o desfecho relativo à factura no valor de 9.686,25 €, tendo sido plúrimas as solicitações do Ministério Público e respectivos o.p.c dirigidas à C..., SA, para informar documentalmente sobre o desfecho de tal factura, e que esta instituição financeira, nem se dignou responder.

  12. - Não foi produzida em Julgamento, nem exala dos autos, qualquer segmento probatório, que permita, concluir pelo desfecho desta factura, nomeadamente, o tal prejuízo patrimonial causado à C..., SA.

    Acresce, que entre a empresa arguida e o factor existia um contrato de conta-corrente, pelo que, só com o respectivo encerramento e apurando-se o respectivo saldo, a débito ou a credito, se permitia vislumbrar e aferir do tal prejuízo patrimonial, o que nunca se logrou, quer em sede de Inquérito, quer na fase de Julgamento.

  13. - Resulta, com a clareza do relâmpago, que os pontos dos factos provados na sentença, 5., 8., 9., 10., 11., 12., 13. e 14., estão, incorrectamente, julgados, no segmento que tange com a alegada vantagem patrimonial e prejuízo da “C..., SA”.

  14. - A sentença está ferida de Nulidade insanável, que para os devidos efeitos, aqui, expressamente, se invoca, pelo facto, de consubstanciar uma afronta ao princípio do juiz natural, que mais não é, do que uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal.

  15. - O princípio do juiz natural está normativizado no artigo 32º, n.º 9 da CRP e, radicularmente, proíbe a competência ad hoc de um certo tribunal, perante uma certa causa.

    Os presentes autos foram, devidamente, distribuídos no Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz 2, cujo magistrado judicial titular, tramitou o processo na fase de saneamento.

    Surpreendentemente, o Recorrente foi confrontado com o facto, da fase de Julgamento ter sido presidida, por outra Sr.ª Juiz, a qual bordou, ainda, a sentença, ora posta em crise, obnubilando-se dos autos a Meritíssima Juiz titular.

  16. - A sentença bordada pela Sr.ª Juiz viola o princípio do juiz natural, como emanação do princípio da legalidade em matéria penal, constante do artigo 32º, n.º 9 da CRP, consubstanciando, uma Nulidade insanável, conforme, serenamente, aportou o Ac. do TRC de 24/11/2004, relatado pela Exmª Sr.ª Juiz Desembargadora Alice Santos, e que, aqui, expressamente, se invoca.

  17. - O Tribunal “a quo” bordou uma motivação para respaldar a sua decisão, numa retórica, manifestamente, insuficiente, que não cumpre os mínimos de consagração constitucional, do universal dever de fundamentação.

  18. - O juiz deve indicar os motivos e as provas que sustentaram a prova que confirmou a hipótese acusatória, mas também, os motivos que levaram a excluir as hipóteses antagónicas e a julgar não atendíveis as provas contrárias invocadas na sustentação da hipótese não admitida.

  19. - No caso em apreço, a sentença, na decisão sobre a matéria de facto, omite, as razões que levaram o Tribunal a considerar como não provados os pontos elencados de a) a e).

    Mais, em lado algum da sentença se opera um esforço de fundamentação, no escopo de exsudar a motivação que levou o Tribunal a desconsiderar a teses da Defesa.

  20. - A sentença, ora, posta em crise, padece de Nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca, e que é de conhecimento oficioso.

    A falta de fundamentação, consubstancia, igualmente, uma violação clara da Lei Fundamental, por equimose dos artigos 20º, 32º, n.º1, e 205º todos da CRP, prefigurando a interpretação do artigo 374º do CPP no...

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