Acórdão nº 373/20.9T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO A. , instaurou a presente acção especial de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, contra o seu cônjuge, B. , pedindo que fosse decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Para tanto, alegou a autora encontrar-se o casal separado de facto há mais de um ano, de forma consecutiva, bem como o seu propósito de não restabelecer a vida em comum.

* Citado, o R. apresentou contestação, impugnando o alegado pela A. e concluindo pela improcedência do pedido de divórcio.

* Procedeu-se a audiência de julgamento, tendo afinal o tribunal proferido sentença com o seguinte teor: “Pelo exposto e decidindo, julga-se a acção totalmente procedente, pelo que: 1.º Decreta-se a dissolução do casamento celebrado entre a autora A. e o réu B. , com fundamento na ruptura do casamento por separação de facto por um ano consecutivo, casamento este que consta do assento nº 22855 de 22 de Novembro de 2013 da Conservatória do Registo Civil da 7ª Conservatória do Registo Civil de x... , originalmente correspondente ao assento nº 90/1991, lavrado em 23Mar1991;” * Não conformado com esta decisão, impetrou o R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “3. Conclusões 1. Devem ser eliminados os factos elencados sobre os números 3 e 4 dos factos provados e passar a não provados; 2. Na realidade o aí constante não são factos, mas antes conceitos jurídicos, que carecem de ser integrados por factos; 3. Não obstante os ter alegado, a A. não logrou provar os factos integradores desses conceitos, 4. Nem os factos que foram provados são suficientes para integrar esses conceitos.

  1. Ainda que assim se não entenda, a Sentença recorrida viola o disposto na al.a) do art.1781º do Código Civil; 6. Ao estabelecer como fundamento de divórcio “a separação de facto por um ano consecutivo” a Lei substantiva estabelece um requisito objectivo para que os cônjuges possam requerer o divórcio sem o consentimento do outro.

  2. Esse requisito deve verificar-se à data em que a acção de divórcio é intentada.

  3. Estando à data da interposição do divórcio os cônjuges separados de facto há apenas seis meses deve improceder a acção de divórcio.

  4. Não colhe a interpretação de que o divórcio deve ser decretado se o ano de separação de facto sobrevier na pendência da acção de divórcio.

  5. Se a A. tivesse alegado factos verdadeiros – que a situação fáctica descrita (ainda que se pudesse subsumir no conceito de separação de facto) ocorria há seis meses quando a acção de divórcio foi intentada, a acção teria de soçobrar logo no Saneador, dado faltar-lhe um requisito essencial.

  6. A interpretação do Tribunal a quo viola, pois, o disposto na al.a) do art.1781º do Código Civil, 12. Como viola o princípio da estabilidade da instância, plasmado no art.260º do Código Civil, 13. Violando, também o princípio da igualdade das partes.

  7. Se o legislador não quisesse que transcorresse um ano de separação de facto antes que os cônjuges pudessem requerer em juízo o divórcio sem o consentimento do outro, a redacção do preceito legal teria sido outra, por exemplo, que “é fundamento de divórcio a separação de facto”.

  8. A interpretação que deve vingar da al.a) art.1781º do Código Civil é que, ao estabelecer um período de um ano de separação de facto entre os cônjuges, o legislador exige que esse requisito se verifique aquando da propositura da acção, não sendo possível o decretamento do divórcio ainda que esse ano se complete apenas na pendência da acção.

  9. Se o ano de separação de facto se completar na pendência da acção, tal superveniência não pode ser aproveitada, nos termos do disposto no art.611º do Código Civil, uma vez que esse preceito legal exclui a sua própria aplicabilidade quando outras normas legais o impeçam, 17. E no caso concreto, impede-o a al.a) do art.1781º do Código Civil.

  10. Os factos julgados provados também não podem subsumir-se na al.d) do art.1781º do Código Civil.

    Nestes termos, nos melhores de Direito e nos do sempre mui Douto suprimento de V.Exa., deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a Sentença de primeira instância, sendo a mesma substituída por outra que não decrete o divórcio entre A. e R. Com o que se fará JUSTIÇA!” * Pela A. e ora recorrida foram interpostas contra alegações, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo da seguinte forma: “CONCLUSÕES: 1. O Recorrente alega que o Tribunal a quo terá feito uma incorreta interpretação da matéria de facto, mormente ao ter julgado verificada a separação de facto por um ano consecutivo, bem como, a rutura definitiva da vida conjugal comum dos cônjuges.

  11. Alega que o Tribunal recorrido terá feito uma incorreta subsunção dos factos ao Direito, que considerou conceitos como factos, sem os ter densificado, e por isso fez uma incorreta apreciação da matéria de facto.

  12. Ora, o Recorrente impugna matéria de facto sem, no entanto, cumprir o ónus que lhe incumbia nos termos do art. 640º nº 1 e 2 do CPC, não demonstrando que, concretos pontos da matéria de facto considera terem sido incorretamente julgados pelo Tribunal, bem como, face a estes em que sentido deveria o Tribunal ter decidido.

  13. Estando, por isso, o recurso ferido de nulidade, a qual se argui e requer seja declarada com as consequências legais, mormente as previstas no referido artigo, devendo por isso, o mesmo ser rejeitado. Caso assim se não entenda, 5. O Recorrente alega ainda que a separação da habitação não implica a separação de facto e bem assim a rutura da vida conjugal, a Recorrida não se conforma com tal argumentação, ficou amplamente demonstrada a cessação da habitação e a rutura da vida conjugal, não só pela colocação de uma placa de esferovite material isolante e um armário a obstruir a porta de ligação das casas, como desde logo, da separação de casa, tudo afirma a pretensão de separação.

  14. Resultou demonstrado o preenchimento do elemento subjetivo da alínea a) do art. 1781º - ou seja, o propósito de não mais restabelecer a vida em comum por parte da Recorrida, e o elemento Objetivo - a falta de vida em comum dos cônjuges.

  15. Alega, porém, o Recorrente que resultando provada a separação de facto em agosto de 2019, à data de propositura da ação ainda não se verificava um ano de separação de facto, não podendo por essa via, proceder a ação.

  16. A versão do Recorrente é desatualizada, pois, o Direito da família tem evoluído com os tempos e é hoje voltado para a individualidade dos membros do casal, conforme entendeu o Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23-02-2021, no âmbito dos autos 3069/19.0T8VNG.P1.S1, veio consagrar que «O artigo 611º, nº1, do CPC, permite, com algumas restrições, que na sentença sejam tomados em consideração factos que se produzam depois da propositura da ação. Na verdade, de acordo com este preceito, o Tribunal deve “(…) tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”, assim o facto de se admitir a separação de facto na data de agosto 2019, não colide com a causa de pedir, não a altera nem a modifica, sendo por isso admissível nos termos do art. 588º do CPC.

  17. Sobre a referência temporal da falta de decurso de um ano consecutivo de separação de facto ao tempo da propositura da ação prevalece o princípio da atualidade da decisão consagrado no art. 611.º do CPC. Está em causa como que uma espécie de “utilidade superveniente da lide”.» 10. Neste conspecto e volvendo-nos aos presentes autos, os cônjuges, encontram-se separados de facto, pelo menos, segundo resultou dos factos provados em audiência de julgamento, desde agosto de 2019, a audiência de discussão e julgamento aconteceu dois anos depois, e também aí a Autora/ Recorrida afirmou a sua vontade de cessar a união conjugal com o Recorrente, donde se infere a seriedade da vontade de cessar a relação conjugal.

  18. Pelo que, a decisão proferida se reveste de atualidade, a qual deve prevalecer sobre formalismos exagerados.

  19. Deste modo, e seguindo os ensinamentos do Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, deverá a sentença proferida pelo Tribunal recorrido ser confirmada por não padecer de qualquer vicio, já que a mesma foi proferida em obediência aos factos verificados no momento do encerramento da discussão, servindo o Direito.

  20. Acresce que a mesma serve em pleno os princípios plasmados na lei civil, mormente a economia processual e a utilidade das ações, já que mantendo a Autora/recorrida o propósito de se divorciar, como mantém, e atentos os circunstancialismos do presente, poderia já intentar nova ação, para obter o mesmo resultado que apresente ação já poderá contemplar, situação adversa à celeridade e eficácia processual.

    Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exas. doutamente suprirá, deve:

    1. O recurso apresentado pelo Réu/Reconvinte ser rejeitado por não cumprir a formalidade prevista no art. 640º nº 1 e 2; Caso assim se não entenda, b) Ser a Sentença proferida pelo Juízo de família e menores do Tribunal Judicial de Alcobaça ser confirmada por a mesma não padecer de qualquer vício e servir na plenitude os interesses do Direito.” * QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. rtigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas...

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