Acórdão nº 1763/17.0T8ACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Data08 Março 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “J..., S.A.

”, executada em autos de execução, veio deduzir por apenso embargos de executado contra “C...

”, pedindo a procedência dos embargos.

Para tanto, alegou, em síntese, que a garantia prestada é nula, por ser contrária à lei, uma vez que ela Executada ora embargante nunca teve por objeto a prestação de garantias a terceiras entidades, nem a executada estava numa relação de domínio ou de grupo com a sociedade a favor da qual foi prestada a garantia. Acresce que nunca existiu qualquer projeto de internacionalização ou empreendimento comum com a “P..., SGPS, S.A.”, o que era do conhecimento da exequente, uma vez que está vedado a uma SGPS contrair dívidas para empreendimentos comuns ou projetos de internacionalização com outras entidades que nem sequer são suas participadas. Invocou ainda a nulidade do mútuo por ter sido simulado, uma vez que os três milhões de euros que a exequente colocou na conta da “P..., SGPS, S.A.” foram logo transferidos para a conta da “P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A.”, no mesmo banco, a fim de liquidar responsabilidades financeiras.

* A exequente apresentou contestação, na qual invocou venire contra factum proprium da parte da executada, por vir agora afirmar que as declarações que proferiu na escritura de hipoteca outorgada em 2009 não correspondem à verdade. Alegou ainda que o montante de € 3.000.000 foi efetivamente mutuado.

* Teve lugar a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme resulta das respetivas atas.

Na oportuna sequência foi proferida sentença – incorporando a enunciação dos factos dados como provados e não provados e a correspondente “motivação” – na qual se entendeu, no essencial, que «não se tendo demonstrado a falta de justificado interesse próprio da sociedade garante nem a inexistência de relação de domínio ou de grupo, não se pode concluir que a garantia prestada é contrária ao fim da executada», acrescendo que «igualmente se demonstrou que a exequente efetivamente disponibilizou o montante acordado à mutuária, nos exatos termos contratados, tendo sido esta que, posteriormente, lhe deu o destino que entendeu, o que, como é evidente, não constitui qualquer simulação», por ambas as vias se concluindo pela improcedência dos embargos, o que veio a traduzir-se na seguinte concreta decisão: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determinar o normal prosseguimento da execução.

* * * Custas pela executada – artigo 527.º, n.º 1, e 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.» * Inconformada com essa sentença, apresentou a Embargante recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A. O tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e uma errada análise da prova produzida nos presentes autos, olvidando que o Doc. 2 da contestação corrobora, em tudo, o depoimento da testemunha AA, sobretudo quando conjugado com as regras da experiência comum.

  1. Este documento, junto pela própria embargada, demonstra claramente que esta sempre soube que os €3.000.000,00 creditados na conta de movimentos à ordem da P... SGPS, S.A., foram por esta utilizados para liquidar responsabilidades por si anteriormente assumidas e o restante transferido para a conta da P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A. para liquidar responsabilidades financeiras desta última, C. Atento os depoimentos prestados pelas testemunhas BB, AA e CC e o Doc. 2 da contestação, o facto não provado “- os montantes descritos nas alíneas a) a d) do ponto 5) destinaram-se a liquidar responsabilidades financeiras da P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A.” deveria ter sido dado como “provado”.

  2. Do mesmo documento também se extrai que em 12 de maio de 2009 foi liquidada uma operação de desconto de uma livrança (Op. ...01... de € 252.050,61 (duzentos e cinquenta e dois mil e cinquenta euros e sessenta e um cêntimos, anteriormente aceite pela P... SGPS. S.A., facto que também devia forçosamente ter ficado provado.

  3. A constituição da hipoteca favor da embargada, incidente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 da freguesia ... é nula, por ser contrária à lei.

  4. Resulta dos autos que a embargante tem por objeto social a construção civil e obras públicas, reparação e comercialização de edifícios e a compra e venda de propriedades e não a prestação de garantias a terceiras entidades.

  5. A capacidade das pessoas coletivas abrange (apenas) os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.

  6. Do simples cotejo da ata da Assembleia Geral da embargante de 2 de março de 2009, logo se constata que a embargante não tinha no seu corpo social qualquer participação da P..., SGPS, S.A., pelo que não estava numa relação de domínio ou de grupo com a mesma.

    I. Eram, na altura, acionistas da embargante AA, DD e EE – Doc. 2 do requerimento inicial.

  7. Eis, portanto, desmontada a vertente do alegado interesse próprio da embargante na prestação da garantia.

  8. Por outro lado, o alegado mútuo prestado pela exequente nunca teve lugar e nunca esteve em causa e nunca existiu qualquer projeto de internacionalização ou empreendimento comum com a P..., S.A., o que era do pleno conhecimento da exequente, como referido pela testemunha AA.

    L. O mútuo invocado pela embargada nunca verdadeiramente teve lugar.

  9. Dada a conjuntura económica do país, em maio de 2009, a empresa P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A. já atravessava graves dificuldades financeiras, que eram irreparáveis e que determinaram a sua insolvência em 13 de abril de 2011.

  10. Nessa altura, a P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A. apresentava para com a embargada uma avultada dívida de vários milhões de euros, que se encontrava em incumprimento.

  11. O “mútuo” cozinhado com a P..., S.A. mais não constituiu que uma forma ardilosa de aumentar as garantias do Banco exequente sem este mobilizar ou disponibilizar quaisquer novos recursos financeiros.

  12. Tratou-se apenas de renegociar um passivo da P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A. e da assunção do referido passivo por parte da ora embargante, sem que tivesse sido mutuada nesta altura qualquer nova quantia, fosse àquela sociedade, fosse à embargante, ora recorrente.

  13. Tratou-se, pois, de um mútuo simulado: os €3.000.000,00 que o Banco exequente alegadamente terá colocado (se é que foram colocados) na conta da ora embargante, logo foram transferidos para a conta da P... – Empreitadas e Obras Públicas do ..., S.A., no mesmo Banco, logo foram aproveitados para liquidar responsabilidades financeiras desta última! R. Tratando-se de um mútuo simulado, o mesmo é inequivocamente nulo.

  14. Sendo nulo o contrato de mútuo, nula é forçosamente a garantia hipotecária.

  15. O mútuo é um contrato real quoad constitutionem, cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objeto mediato.

  16. Não existindo prova plena da demonstração da entrega da quantia por parte dos credores e incumbindo a estes, como mutuantes, o ónus da prova da entrega da quantia, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentarem outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir não demonstrarem o preenchimento dos requisitos do direito de crédito resultante do mútuo por si invocado e que foi validamente impugnado.

    V. Demonstrado que verdadeiramente nada foi mutuado pela exequente à P..., S.A. e demonstrado que esta tinha perfeito conhecimento de que eram falsos e desprovidos de qualquer correspondência com a realidade os motivos invocados para a concessão da garantia real na ata da Assembleia Gral da embargante de 2 de março de 2009, é inequivocamente nula e de nenhum efeito a hipoteca exequenda.

  17. O procedimento aqui retratado era, de resto, um procedimento recorrente no Banco exequente, frequentemente utilizado como forma de aumentar as garantias dos empréstimos que fazia sem ter de mobilizar ou disponibilizar quaisquer novos recursos financeiros.

    X. Deverá, pois, inequivocamente, ser revogada a douta sentença recorrida.

  18. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 3; 486.º e 488.º do Código das Sociedades Comerciais e os artigos 160.º, n.º 1; 240.º, n.º 2; 280.º, n.º 1; 294.º e 730.º, al. a) do Código Civil.

    Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, assim, ser revogada a douta sentença ora recorrida e substituída por outra que julgue os embargos de executado totalmente procedentes, por provados, com o que será feita, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!» * A Exequente apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões: «1. A Apelante interpôs recurso da douta sentença proferida em 07-07 2021, que decidiu, em suma: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determinar o normal prosseguimento da execução.” 2. Contudo, afigura-se à Apelada que a douta sentença recorrida deve manter-se, pois consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes.

    1. A douta sentença ora em crise, entendeu, com base em toda a...

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