Acórdão nº 1485/19.7PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução14 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A SENTENÇA RECORRIDA No processo comum singular nº 1485/19.... do Juízo Local Criminal ...

– Juiz ... -, por sentença datada de 7 de Março de 2022, foi decidido: a.

Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 01-12-2019, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo art. 153.º, nº 1 e pelo art. 155.º, nº 1, al. a) do Código Penal, numa pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa com o quantitativo diário de 7,00€ (sete euros), o que perfaz o montante global de 1.050,00€ (mil e cinquenta euros).

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1.

Os presentes autos assentam em duas versões antagónicas dos factos constantes da acusação: a do Arguido, que os nega, e a da Ofendida, que os corrobora.

2.

Quanto às declarações do Arguido, prestadas em 01/02/2022, das 10:59:40 às 11:14:15, foram reputadas de naturais e sinceras, nada sendo invocado que fosse apto a afectar a sua validade ou credibilidade.

3.

Sendo que as mesmas foram ainda corroboradas pelo depoimento da testemunha II, prestado em 14/02/2022, das 16:38:51 às 16:47:05.

4.

Todas no sentido de que o mesmo não praticou os factos dos quais vinha acusado.

5.

Em sentido oposto, corroborando tais factos apenas existe o depoimento da Ofendida, prestado em 01/02/2022, das 11:15:01 às 11:52:56.

6.

Contudo, e contrariamente ao que sucedeu com as declarações do Recorrente, o depoimento da Ofendida acabou por revelar bastantes fragilidades que, de forma manifesta, vieram afectar a sua credibilidade.

7.

O que decorre da demonstrada tendência que esta revelou para inventar ou empolar factos, em função dos seus interesses e conveniências.

8.

Sendo o exemplo mais premente disto a descrição fantasiosa que fez da situação vivida no prédio onde ambos residem, em que relatou um cenário de terror, de barulhos constantes e intimidatórios, com o intuito de fazer passar a imagem doRecorrentee da sua esposacomo pessoas perigosas, perturbadoras e conflituosas.

9. Sendo que essa realidade foi absolutamente desmentida por todas as testemunhas de defesa, residentes no prédio em questão, a saber: BB, cujo depoimento foi prestado em 14/02/2022, das 16:47:50 às 16:52:01; CC, cujo depoimento foi prestado em 14/02/2022, das 16:52:40 às 16:56:28; DD, cujo depoimento foi prestado em 14/02/2022, das 16:57:38 às 17:01:50; EE, cujo depoimento foi prestado em 14/02/2022, das 17:02:37 às 17:05:17; e FF, cujo depoimento foi prestado em 14/02/2022, das 17:06:01 às 17:08:35.

10.

As quais, verdadeiramente isentas, desinteressadas e imparciais, descreveram um cenário de absoluta normalidade, completamente contraditório e incompatível com o cenário dantesco descrito pela Ofendida.

11.

Mais, ainda exemplo desta falta de compromisso com a verdade revelado pela Ofendida foi a efabulação que esta construiu à volta de uma alegada (e falsa) ameaça do Recorrente ao marido da testemunha GG.

12.

Sendo que, porventura não se satisfazendo com os alegados contornos da pretensa ameaça, a Ofendida resolveu inventar outros factos para tornar a alegada situação mais emocionante e impactante, passando a incluir a referência de que o ora Recorrente havia ameaçado com “dois tiros”.

13.

Facto que surpreendeu a própria testemunha GG, que lhe havia contado a alegada história da ameaça ao marido, tendo no seu depoimento, prestado em 01/02/2022, das 12:03:47 às 12:25:03, negado que alguma vez alguém tenha feito referência a quaisquer tiros.

14.

Ora, ficando evidente uma tendência para a dramatização e invenção, não poderá nunca o depoimento da Ofendida merecer grande credibilidade.

15.

Assim, do próprio confronto entre as declarações do Arguido e o depoimento da Ofendida já era difícil ao Tribunal concluir, com certeza e segurança, sobre a culpabilidade do Arguido.

16.

Sendo que, em face das referidas fragilidades e ausência de credibilidade do depoimento da Ofendida, essa conclusão revela-se absolutamente inviável à luz das regras impostas pelo princípio do in dubio pro reo.

17.

Não nos é possível concluir, com a certeza e segurança que se exige, onde reside a verdade: é o Arguido quem diz a verdade? É a ofendida? Ou está a verdade algures num meio termo entre as duas versões? 18.

Pelo que, por manifesta inexistência de elementos probatórios aptos a suportar uma decisão assente numa convicção plena, além de qualquer dúvida, terão os factos constantes dos pontos 2, 3 e 4 da factualidade provada que ser julgados não provados.

19. Em consequência, terá o Recorrente que ser absolvido do crime de que vem condenado.

20.

Subsidiariamenteaosupra invocado, porcautelade patrocínio impõe-se analisar o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados pelo Tribunal a quo.

21.

Assim, como devidoe merecido respeito, urgeconcluirque malandou o Tribunal quando interpretou o pretenso gesto do Recorrente como uma ameaça à vida da Ofendida e, subsequentemente, em proceder à agravação do crime de ameaça, por aplicação do disposto no art. 155º, nº 1, a) do CP.

22.

Com efeito, a ponderação sobre os fundamentos da sua conduta, os moldes em que a mesma se desencadeou – os factos que lhe sucederam e lhe procederam – e a própria personalidade do Recorrente são reveladores de que o pretenso gesto, tendo existido, deveria ser interpretado como uma ofensa à integridade física da Ofendida, e não à sua vida.

23. Razão pela qual, tendo o Arguido que ser condenado por algum crime, o que apenas por hipótese se pode conceber, seria sempre o de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, nº 1 do CP, sem qualquer agravação.

24.

Pelo que, assim sucedendo, terá a respectiva medida da pena que ser revista em conformidade.

*Nestes termos, Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que absolva o Recorrente do crime pelo qual vem acusado.

Subsidiariamente, deve ser revisto o enquadramento jurídico-penal da factualidade apurada, sendo desconsiderada a agravação nos termos do art.

155º, nº 1, a) do CP e revista a medida da pena em conformidade

.

  1. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o mesmo não merece provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

  2. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República pronunciou-se, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

  3. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso 1.1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].

    Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.

    Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.

    Mas também é grave quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.

    Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.

    Assim são estas as questões a decidir por este Tribunal: 1. Há erro de julgamento? 2. Existe tipicidade criminal na factualidade apurada? 3. Não está perfectibilizada a agravação deste crime de ameaça? (aqui com a inerente mexida na medida da pena) 2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1.

    O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição), aqui se consignando que inexistem factos não provados: 1. «O arguido vive na Rua ..., ..., ..., e é vizinho de HH, que reside no ... deste mesmo prédio.

  4. No dia 01 de Dezembro de 2019, cerca das 13h30, o arguido AA ao ver, desde a janela da marquise da sua residência, HH, sua vizinha, a passear o cão no jardim junto ao prédio onde todos habitam, dirigindo-se a esta disse-lhe “se não te portares bem, dou-te uma mocada e faço-te isto, ouviste?!”, tendo passado em seguida um dos seus dedos pela largura do pescoço, no vulgar gesto entendido por todos como significando que lhe cortava o pescoço e que, como tal, a mataria.

  5. O arguido agiu com o propósito de ameaçar e intimidar a ofendida, anunciando a sua intenção de lhe infligir um mal que sabia constituir crime contra a vida, bem sabendo que o seu gesto era adequado a provocar-lhe receio, medo e a prejudicar-lhe a liberdade de...

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