Acórdão nº 7571/17.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A) A presente ação declarativa de condenação, na qual o presente recurso se insere, foi interposta pelos Autores contra a Ré seguradora com o fim de obterem o cumprimento, por parte desta última, das obrigações que assumiu num contrato de seguro de grupo (ramo vida), porquanto a Ré entende que tal contrato foi por si resolvido em 2006, por falta de pagamento de prémios, e os Autores sustentam que tal resolução não existiu nos termos previstos na lei e, por isso, a falta de pagamento dos prémios fez incorrer apenas os segurados em mora.

    A seguradora argumentou ainda que a falta de pagamento de prémios por cerca de 10 anos consecutivos, desde 2006 até ao falecimento dos pais dos autores em 2017, sempre constituiria exercício abusivo do direito que invocam.

    No final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

    1. Declaro inoperante e ineficaz a resolução operada pela Ré, considerando válido e em vigor o contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º ...., certificado n.º ....; b) Condeno a Ré a pagar ao Banco credor a quantia necessária para amortização do empréstimo à data do falecimento da segurada I (…) no valor de €144.680,92 (cento e quarenta e quatro mil seiscentos e oitenta euros e noventa e dois cêntimos), e revertendo o remanescente do valor segurado de €238.425,39 a favor dos Autores, no valor de €93.744,47, mas devendo os Autores assumirem o pagamento dos prémios relativos a tal quantia, no valor de €63.662,13, pelo que apenas têm direito a receber o remanescente de €30.082,34 (trinta mil e oitenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), acrescidos de juros à taxa de 4% até integral e efectivo pagamento, contados desde a presente decisão uma vez que a quantia era ilíquida (Portaria n.º 291/2003 de 08/04 e face ao disposto nos arts. 804º, 805º, nº. 3, do Cód. Civil); c) Absolvo a Ré do mais peticionado.

      Custas na proporção do decaimento - cfr. artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil».

      B) É desta decisão que recorre a Ré, a qual formulou as seguintes conclusões: (…) C) Os Autores recorridos contra-alegaram, tendo concluído do seguinte modo: (…) D) Os Autores também recorreram subordinadamente.

      As conclusões do seu recurso são estas: (…) E) Respondendo ao recurso subordinado, a Ré concluiu nestes termos: (…) II. Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

      Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: Recurso da Ré 1 – A primeira questão colocada consiste na impugnação da matéria de facto.

      (

    2. A Ré pretendendo que seja declarado provado o facto «não provado n.º 3» onde se diz não ter resultado provado «Que a Ré não fosse informada do referido em J) e K) (matéria do art. 11.º da contestação)», isto é, «não se provou» que a Ré seguradora tivesse sido informada do divórcio entre I (…) e J (…) e da partilha dos bens comuns, em especial da patilha do imóvel hipotecado e do acordo entre os ex-cônjuges no sentido de que seria a mutuária I (…) a suportar o passivo atinente Aos mútuos contraídos pelo ex-casal.

      A recorrente argumenta que ela, Ré, só foi informada destes factos pela carta de 25-6-2007 (cópia a fls. 63/64, subscrita por advogado).

      (b) Pretende retificar o ponto 4 dos «factos não provados», por ser manifesto que onde se alude à comunicação referida em «V», pretendia-se dizer comunicação referida em «Y» (c) Pretende ainda que seja levada aos factos provados a advertência feita pelo notário aos ex-cônjuges, na escritura de partilha, com este teor: «…com a advertência de que o primeiro outorgante [trata-se de J (…)] só fica exonerado da referida obrigação [trata-se do pagamento do passivo relativo aos mútuos contraídos pelo ex-casal] contraída perante a referida instituição de crédito [tratava-se à data do banco C (…)], após o consentimento desta…».

      2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se a anulação da apólice por parte da seguradora Ré obedeceu aos requisitos legais e contratuais, o que passa por verificar se a seguradora tinha de remeter apenas a notificação relativa à interpelação admonitória prevista no artigo 808.º do Código Civil, ao marido J (…) pai dos Autores, ou se tal notificação tinha de ser também remetida à esposa I (…), mãe dos Autores 3 – Em terceiro lugar, caso não se conclua pela validade da resolução do contrato de seguro, coloca-se a questão de saber se o exercício do direito por parte dos Autores é abusivo, na medida em que vêm exigir da seguradora uma indemnização alegando falta de comunicação da interpelação admonitória, quando é certo que a mãe (I (…)) dos recorrentes soube da anulação da apólice assim como soube que os prémios relativos ao seguro não foram pagos desde 2006.

      Recurso subordinado 1 – A primeira questão a analisar respeita à impugnação da matéria de facto, referindo os recorrentes que não podia ter sido declarado provado que a dívida relativa aos prémios de seguro era a mencionada na alínea «CC», isto é, de €63.662,13, porque este valor resulta do documento elaborado e junto pela Ré do qual não constam os valores intermédios que terão conduzido ao valor final apresentado, pelo que se poderia apenas declarar provado que existia uma quantia em dívida relativa a prémios, mas indeterminada.

      2 - Em segundo lugar, coloca-se a questão da legalidade da condenação da seguradora ao determinar o abate relativos aos prémios em dívida, ao montante de €93.744,47 que a Ré, nos termos da sentença, foi condenada a pagar aos recorrentes, porquanto a Ré não deduziu reconvenção nem invocou a compensação.

      Com esta questão prende-se a invocação da nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º1, al.. e) do CPC, por ter existido, na perspetiva dos recorrentes condenação além do pedido.

  2. Fundamentação a) Nulidades de sentença A nulidade (parcial) da sentença invocada no recurso subordinado será analisada abaixo quando se tratar a questão da legalidade da dedução dos prémios de seguro ao valor que a seguradora foi condenada a pagar aos recorrentes.

    1. Impugnação da matéria de facto (recurso principal) 1 – Vejamos se deve ser declarado provado o facto «não provado n.º 3», isto é, se deve declarar-se provado que «que a Ré seguradora foi informada do divórcio entre I (…) e J (…) em 05/07/2002, e da partilha dos bens comuns, em especial da patilha do imóvel hipotecado e do acordo entre os ex-cônjuges no sentido de que seria a mutuária I (...) a suportar o passivo atinente aos mútuos contraídos pelo ex-casal».

      A recorrente argumenta que ela, Ré, só foi informada destes factos pela carta de 25-6-2007 (cópia a fls. 63/64, subscrita por advogado).

      A Ré fundamenta a sua pretensão nos depoimentos das (…) que transcreveu (com indicação do minuto e segundo).

      Verifica-se que estas duas testemunhas referiram claramente que a Ré não recebeu qualquer comunicação dos segurados a informar acerca do respetivo divórcio e dos termos da partilha e justificaram as suas informações referindo que se porventura tal informação tivesse sido remetida encontrava-se no respetivo dossiê e do exame do mesmo puderam constatar que não existia tal informação (ver minutos 1:36, 7:59 a 8:58 e 24:13 quanto à testemunha (…) e minutos13:03 a 14.48 quanto à testemunha (…)).

      Afigura-se procedente a impugnação pelas seguintes razões: Em primeiro lugar, cumpre referir que ambas as hipóteses factuais foram viáveis no passado, isto é, pode ter existido tal comunicação, assim como pode não ter ocorrido.

      Porém, se tal comunicação tivesse sido realizada teria sido executada através de um suporte físico qualquer, como uma carta ou através de uma comunicação eletrónica suscetível de ter deixado um qualquer registo.

      As testemunhas mencionadas são funcionários da Ré e é expectável que prestem declarações que promovam os interesses da sua entidade patronal, mas se porventura não foi recebida qualquer comunicação, não podiam deixar de prestar as declarações que prestaram.

      Por outro lado, se tal comunicação tivesse sido realizada, certamente os segurados, pais dos autores, teriam usado meios duráveis, como a expedição de uma carta e tratando-se de assunto importante, por implicar a manutenção de um contrato de seguro, não o fariam sem terem prova de que fizeram tal comunicação.

      Ora, não se encontra prova nos autos de que os pais dos Autores tivessem expedido uma carta ou tivessem ido a um balcão da seguradora e feito a entrega de um tal documento.

      Por outro lado, se tal comunicação tivesse sido realizada, a Ré teria certamente respondido aos Autores, como respondeu à carta que o Sr. Advogado enviou à Ré em 25 de junho de 2007, mencionada na alínea W) dos factos provados.

      Ora, não há registo nos autos de uma tal resposta.

      Por conseguinte, a melhor explicação para a inexistência desta tripla falta de manifestações documentais que se deixa assinalada, consiste na omissão da comunicação à seguradora, por parte dos pais dos autores, de que estes se tinham divorciado e partilhado o imóvel, tendo ficado a mãe dos autores como proprietária e responsável pelo passivo.

      Por isso, é inverosímil a hipótese de tal comunicação ter sido feita e não existir qualquer registo documental dela, principalmente a inexistência de uma resposta da Ré dizendo aos pais dos autores que o contrato de seguro só podia ser alterado com a concordância do banco mutuante.

      Concluiu-se, pois, pela procedência desta parte da impugnação, pelo que o facto não provado n.º 3», passa a constituir a alínea...

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