Acórdão nº 1472/17.0T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução25 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO M (…), residente em França, instaurou a presente ação declarativa de condenação, que seguiu a forma de processo comum, contra D (…), residente em (...) , (...) , pedindo ao tribunal que condene o Réu a: a) reconhecer que os valores constantes da conta bancária com o n.º (…) do Banco (…) à data de 19/06/2013 fazem parte do património comum do casal, devendo ainda o réu ser condenado a relacioná-los no processo de inventário n.º (...) 66/15 e na sanção aplicável à sonegação de bens prevista no n.º 1 do artigo 2096º do C. Civil; b) Em alternativa, e para o caso de se verificar que o réu dissipou tais valores em data anterior à da propositura da ação de divórcio pela autora, ser o réu condenado a pagar à autora uma indemnização por perdas e danos decorrentes de atos praticados pelo réu no exercício dos seus poderes de administração com intenção de prejudicar o casal ou a autora no montante de 62.996,00€ correspondente a metade do valor existente nas contas bancárias antes do início dos atos lesivos do património comum do casal.

Para tanto, alega, em síntese, que foi casada com o réu, tendo no dia 19/06/2013 dado entrada com o processo de divórcio contra o mesmo, no qual veio a ser decretado o divórcio do casal.

Alega, ainda, que, na constância do matrimónio, o réu abriu a conta bancária n.º (…) no banco (…) (titulada unicamente pelo réu), onde foram sendo depositados os valores obtidos com o produto do trabalho de ambos os ex-cônjuges, conta bancária esta que em 28/03/2013 apresentava um saldo à ordem de 49 108,05€ e tinha associado um seguro poupança que apresenta o valor global de 76 883,95€ - aí existindo o montante global de 125 992,00€, que constitui bem comum do casal e ainda não foi objeto de partilha.

Alega, finalmente, que desconhece o paradeiro daquelas quantias e o destino que o réu lhes deu, as quais pertencem à autora e ao réu na proporção de metade para cada um, recusando-se o réu a prestar informações sobre a sua existência e/ou o seu destino.

* O réu, regularmente citado, admitindo a factualidade referente ao casamento, divórcio, inventário e acordo de partilha, impugnou a demais factualidade alegada, concluindo pela improcedência da ação.

A este respeito, sustentou, por um lado, que a conta bancária em causa é uma conta solidária, que tinha associada 4 apólices de seguro poupança, sendo 3 delas subscritas pelo réu e a outra subscrita pela autora, pertencendo os valores daquelas 3 apólices exclusivamente ao réu, por serem bem próprio seu (onde figurava como único beneficiário) - e o valor da outra apólice exclusivamente à autora.

Alega que as apólices por si subscritas já caíram na conta à ordem, sendo o valor aí depositado bem próprio seu, que já transferiu para outra conta – ainda antes da data em que foi decretado o divórcio. E que resta associada a tal conta apenas a apólice titulada pela autora, que é bem próprio desta – não havendo bens comuns para partilhar.

Por outro lado, alega que as quantias monetárias aplicadas nas apólices de seguro lhe advieram de dinheiro que recebeu na sequência do óbito dos seus pais e também de poupanças por si efetuadas antes do casamento, constituindo tais valores bem próprio do autor – não havendo bens comuns a partilhar.

* Findos os articulados, após suspensão da instância por acordo das partes, o tribunal realizou a audiência prévia das partes, tendo fixado o valor da causa, proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e fixado os temas da prova, conduzindo os autos para a audiência final.

Realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais, conforme se alcança da respectiva ata.

* Na sentença, considerou-se, em suma, que devendo qualificar-se os contratos em causa como contratos de seguro do ramo vida, com uma natureza mista, tal natureza jurídica deve determinar o seu regime e, consequentemente, nos termos do artigo 1733º/1-e) do Código Civil, que o pagamento da prestação a que se vinculou a seguradora contratante, no termo do contrato, configura um bem próprio do cônjuge beneficiário, in casu, o réu, donde, se o réu dispôs das quantias que lhe foram pagas pela seguradora, nos termos dos contratos de seguro de vida celebrados, na medida em que tais quantias constituíam bem próprio do réu, improcedia a pretensão da autora termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «IV – Dispositivo.

Pelo exposto, o tribunal julga a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolve o réu dos pedidos.

Custas pela autora, com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais - cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais.

Registe e notifique.

» * Inconformada, apresentou a Autora recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões: (…) Nas contra-alegações que apresentou, o Réu/recorrido pronuncia-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

* Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - desacerto da decisão que qualificou os produtos financeiros subscritos exclusivamente pelo Réu como seguros de vida propriamente ditos tendo, em consequência, afastado os valores monetários associados a esses mesmos produtos da comunhão [à luz do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 1733º do C. Civil]? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vejamos o elenco factual que foi considerado “fixado”/“provado” pelo Tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo Tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sendo certo que o recurso foi expressamente circunscrito pela Autora/recorrente à matéria de direito. Tendo presente esta circunstância, foi o seguinte o consignado em termos de factos “provados”: «O tribunal, discutida a causa, respeitando o ónus de alegação dos factos essenciais que impendia sobre ambas as partes, com relevo para a decisão a proferir, julga provados os seguintes factos: 1. A autora instaurou o presente processo na sequência do despacho proferido pela Senhora Notária do Cartório Notarial do (...) , no âmbito do processo de inventário n.º (...) 66/15, no qual determinou a remessa das partes para os meios judiciais comuns, a fim de “dirimir a questão relativa à titularidade do dinheiro existente na conta n.º (…) do Banco (…) e do seguro poupança associado a essa conta bancária, suspendendo-se a tramitação do presente processo até que seja definitivamente decidida a questão de direito”; 2. Discute-se nesse processo de inventário a existência ou inexistência de bens a partilhar e, nomeadamente, a questão referente à titularidade do dinheiro existente na conta n.º (…) do (…) e dos seguros poupança associado a essa mesma conta bancária; 3. A autora e o réu foram casados entre si, tendo contraído matrimónio em 06 de Janeiro de 1979, sob o regime da comunhão de adquiridos; 4. A autora, no dia 19 de junho de 2013, intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o réu, a qual correu termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal sob o n.º 96/13.5TBSBG; 5. Na tentativa de conciliação efetuada, houve acordo entre as partes, o que, mediante decisão proferida no dia 9 de julho de 2013 e transitada em julgado no mesmo dia, permitiu a homologação do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, tendo-se alcançado os necessários acordos, e o tribunal decretado o divórcio; 6. Em paralelo, mas fora do âmbito do processo de divórcio, a autora e o réu outorgaram contrato promessa de partilha, no qual definiram desde logo parte significativa...

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