Acórdão nº 1937/18.6T8GRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução29 de Janeiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: M...

veio intentar a presente acção contra Associação de ..., Ipss, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vª. Exª. deve a presente impugnação ser considerada procedente por provada e por via disso ser declarado caducado e/ ou prescrito e/ ou improcedente o procedimento disciplinar ora impugnado e em consequência ser revogada a decisão ora impugnada, com a reposição da antiguidade e da retribuição perdida no período de suspensão do contrato de trabalho Deve ainda, considerado procedente por provada a presente que foram aplicadas à Autora sanções abusivas, e por via disso ser a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a 10 vezes da retribuição perdida ou a perder por força da aplicação daquela sanção, isto nunca inferior a €13.692,00”.

Alegou, para o efeito e em síntese, que a Ré lhe aplicou uma sanção disciplinar, traduzida numa suspensão de trabalho por vinte dias por cada uma de três infracções alegadamente apuradas, num total de sessenta dias com perda de antiguidade.

Alegou a prescrição e a improcedência do procedimento disciplinar, devendo a sanção de que foi alvo ser considerada abusiva, por lhe ter sido aplicada na sequência e por causa do exercício dos seus direitos, como forma de pressão. Sofreu danos resultantes dessa conduta da Ré.

Conclui, pedindo que seja revogada essa decisão disciplinar, com a reposição da antiguidade e da retribuição perdidas no período de suspensão do contrato de trabalho, bem como a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a 10 vezes da retribuição perdida ou a perder por força da aplicação daquela sanção, num total nunca inferior a €13.692,00.

Na contestação a Ré defendeu a inutilidade superveniente da lide, uma vez que a Autora fez cessar o contrato de trabalho antes do cumprimento da sanção disciplinar.

A Autora sustentou a improcedência desta pretensão da Ré.

No articulado de resposta veio a Autora ampliar a causa de pedir e o pedido, alegando a resolução do contrato de trabalho por justa causa e a existência de créditos resultantes da execução do contrato de trabalho, pedindo, a final, a condenação da Ré a pagar-lhe: a) €8.719,20, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa; b) €1.453,20, a título de férias vencidas a 1 de janeiro de 2018 e respetivo subsídio; c) Juros vencidos e vincendos sobre essas quantias, desde a data do vencimento das mesmas até efectivo e integral pagamento.

Contestando a pretensão da Autora, a Ré excepcionou a caducidade do direito de resolução.

Alegou, para o efeito e em síntese, que, na sequência da impugnação judicial da decisão disciplinar e da citação da Ré, esta apresentou queixa crime contra a Autora em 12 de Dezembro de 2018, alegando os mesmos factos impugnados nestes autos. Este processo crime foi arquivado por despacho de 7 de Maio de 2019, notificado às partes a 9 de Maio de 2019, correndo a partir daí prazo para abertura de instrução, que terminaria a 29 de Maio de 2019.

Mais alegou que, por carta registada com A/R datada de 7 de Junho de 2019, a Autora fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com a Ré, com efeitos a partir de 24 de Junho de 2019.

Nessa carta invocou os fundamentos pelos quais entende que lhe assistiu justa causa para a resolução.

Contestando a pretensão da Autora, a Ré excepcionou a caducidade do direito de resolução e defendeu-se por impugnação, dizendo que a Autora não teve qualquer fundamento para resolver o contrato de trabalho.

A cumulação de pedidos e cauda de pedir foi admitida por despacho de 24 de Fevereiro de 2020.

Foi proferido o seguinte despacho: “Em face do que se expôs, este Tribunal decide: I.

Julgar parcialmente extinta a instância, sendo a extinção na parte respeitante ao pedido formulado na petição inicial, por inutilidade superveniente da lide, conforme o disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.

II.

Custas a cargo da autora M... (artigo 536º, nos 2, a contrario, e 3, do Código de Processo Civil) na proporção de 57% (cinquenta e sete por cento) das devidas a final”.

E em sede de despacho saneador foi decidido o seguinte: “Pelo exposto decide o Tribunal: I.

Julgando verificada a exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho, por parte da autora M..., absolver a ré «Associação ..., IPSS» do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, acrescendo juros de mora.

II.

Condenar a autora M... no pagamento das custas do processo, na proporção de 36% (trinta e seis por cento)”.

Inconformada com ambos os despachos, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: ...

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão: - a inutilidade superveniente da lide; - a caducidade do direito da Autora de pedir a resolução do contrato com invocação de justa causa.

Como factualidade relevante temos a descrita no relatório do presente acórdão.

- o direito: - a primeira questão: a inutilidade superveniente da lide: A decisão recorrida considerou verificar-se a inutilidade superveniente da lide, dado que ocorreu a caducidade da sanção disciplinar decidida aplicar pela Ré à Autora, sendo que, entretanto, esta comunicou a resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho, sem que a referida sanção tenha sido executada. E sendo essa decisão de aplicação afectada pela caducidade, não pode, assim, constar do registo disciplinar.

Contra isto reage a recorrente, defendendo, em primeira linha, que se verificou a efectiva aplicação da sanção disciplinar, sendo que das normas contidas no artº 331º, nºs 1 e 5, do CT, não resulta que deva ser cumprida a decisão determinada em processo disciplinar para poder ser peticionada a respectiva indemnização, antes se bastando com a decisão tomada.

E isto porque os danos suportados pelo trabalhador podem surgir com a simples escolha da sanção, como sejam prejuízos na sua imagem perante os demais trabalhadores e/ ou terceiros.

Sem conceder, argumenta que ainda que se admitisse para efeitos de raciocínio académico que o direito da entidade patronal executar a sanção disciplinar determinada tinha caducado, como o refere o despacho saneador, sempre se tem de entender que esta caducidade não teria qualquer efeito sobre a decisão tomada, que na verdade continua a poder ser registada, e que por isso continua a beliscar a imagem do trabalhador, enquanto tal.

É o seguinte o teor do despacho aqui impugnado: “A inutilidade superveniente da lide é uma das causas de extinção da instância [artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil], pressupondo a verificação de dois pressupostos cumulativos: -A ocorrência de um evento que esgote as finalidades visadas na ação ou incidente; - Sendo esse evento posterior à instauração da ação.

A análise do segundo requisito não suscita dificuldades no caso em apreço, refletindo-se na cessação do contrato de trabalho, posterior à instauração da ação, em virtude da qual ocorreu necessariamente a cessação do poder disciplinar da ré sobre a autora.

No que concerne ao primeiro requisito, verifica-se que a autora pretende, em primeira linha, a revogação da decisão que aplicou a sanção disciplinar e consequentes efeitos, designadamente a reposição da antiguidade e da retribuição. A decisão determinou a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade [artigo 328º, nº 1, alínea e), do Código do Trabalho].

A decisão da questão suscitada não prescinde, a nosso ver, da análise da norma do artigo 330º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar”, cujo nº 2 determina que “a aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade”.

O termo “aplicação” afigura-se-nos incorretamente utilizado, devendo antes ler-se no sentido de execução.

Esta interpretação assenta na circunstância de o prazo de caducidade se contar da data da decisão disciplinar, sendo nesta que a sanção disciplinar é determinada/aplicada.

Aliás, a própria epígrafe da norma aponta para a existência de dois momentos distintos: o da decisão, no qual, como se disse, a sanção é determinada/aplicada, e o da sua aplicação, correspondente à execução/cumprimento da decisão.

Isto significa que, por via da decisão disciplinar, o empregador determina a aplicação de uma sanção disciplinar, que, nos termos do referido nº 2 do artigo 330º do Código do Trabalho, tem de ser executada no prazo de 3 meses, sob pena de caducidade.

Esta consequência não incide apenas sobre a execução da sanção disciplinar, isto é, não obsta apenas à execução da sanção, antes refletindo-se sobre a própria decisão: é a decisão de aplicação da sanção disciplinar que é afetada pela caducidade, o que implica, além do mais, a inadmissibilidade de registo da sanção disciplinar ou da sua manutenção no registo.

Por outro lado, na medida em que a caducidade incide sobre a própria decisão disciplinar, em caso algum o empregador poderá executar a decisão por via da compensação de créditos, uma vez que inexiste crédito do empregador.

Em segunda linha, a autora peticionou a condenação da ré nos termos do disposto no artigo 331º, nos 3 e 5, do Código do Trabalho, que dispõe: “3 – O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes.

5 – Em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10...

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