Acórdão nº 759/19.1T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2020

Data19 Maio 2020
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 759/19.1T8LRA-A.C1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral * Sumário do acórdão: 1. O escopo do art.º 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 09.9) é evitar o risco sério (ainda que meramente potencial) de colisão entre os interesses dos clientes do Mandatário, quando um determinado interesse de um é contrário ao do outro, acautelando-se, assim, os valores da legalidade, dignidade, independência, segredo profissional, lealdade, confiança e ética.

  1. Não integra a previsão do n.º 3 do referido art.º - «o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes» - a situação em que os assuntos em discussão são diferentes e sem qualquer conexão, não seja possível concluir pela existência de conflito entre os interesses desses clientes e nada obste a que o Mandatário ajuíze, em primeira linha, da observância das normas éticas e deontológicas.

    * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Na acção declarativa comum movida por A (…) contra M (…), esta afirmou que o Exmo. Mandatário do A. demandou o mesmo A. e a Ré em outra acção, nela patrocinando os pais do A. contra este e contra a Ré (conforme documentos juntos aos autos[1]), o que constitui violação manifesta do disposto no art.º 99º/3 do EOA, porquanto um advogado representar um cliente numa acção, depois de o ter demandado noutra acção como executado, não pode deixar de constituir esse conflito de interesses, que o EOA, aprovado por lei, expressamente não permite, configurando falta de mandato, devendo o Autor ser notificado para regularizar o vício, com a cominação prevista no art.º 48/2 do CPC.

    Respondeu o A. através daquele Exmo. Mandatário, confirmando patrocinar terceiros em acção intentada contra o A. por si nestes autos patrocinado e contra a Ré, mas concluiu pela não violação de qualquer regra deontológica.

    No exercício do contraditório, a Ré veio ainda dizer que dúvidas não existem quanto ao alegado na contestação, situação que configura conflito de interesses, mas “se o Autor, apesar do que foi trazido ao processo, e que certamente será do seu conhecimento, entende não existir conflito de interesses com os seus pais, que contra ele, patrocinados pelo seu aqui advogado, instauraram um processo executivo pedindo o pagamento de mais de setenta e oito mil euros, naturalmente que em tal conflito não se vai insistir”(cf. requerimento de 20.9.2019)[2].

    Por despacho de 12.11.2019 - remetendo-se para o disposto no art.º 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados/EOA (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.9) e considerando-se que “dúvidas inexistem (…) que e independentemente das razões que terão levado o mandatário do A. a patrocinar terceiros, em acção proposta também contra o aqui A., a verdade é que estatutariamente o não podia fazer” -, a Mm.ª Juíza a quo decidiu: «- o Dr. (…) não pode manter-se nos autos enquanto mandatário do A;/ - o A. deverá no prazo de 20 dias outorgar procuração a advogado (que não partilhe escritório com o Dr. (…)) com poderes especiais para ratificar o processado, ratificação essa a efectuar pelo mandatário a constituir relativamente aos actos praticados pelo Dr. (…).

    » Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Facilmente se alcança inexistir falta ou insuficiência de procuração ou sequer a sua irregularidade.

    1. - Apenas existe irregularidade do mandato, quando a procuração não satisfaz os requisitos necessários para ser pública ou havida por pública, razão porque o despacho recorrido viola frontalmente o disposto no art.º 48º do Código de Processo Civil (CPC).

    2. - É a própria Ordem dos Advogados quem tem competência para dirimir qualquer conflito de interesses entre os seus clientes (entre dois ou mais clientes representados pelo mesmo advogado), conflito de interesses (entre clientes do signatário) que se não verifica na situação em apreço, por nunca o signatário ter sido constituído mandatário ou sequer consultado pela Ré/Recorrida.

    3. - Nos mais variados assuntos extrajudiciais ou judiciais sempre representou a parte contrária, inexistindo qualquer conflito de interesses entre os seus clientes ou sequer qualquer questão conexa com a dos presentes autos.

    4. - Comprovativo de que o signatário não violou qualquer dispositivo legal do EOA, atente-se não só ao facto do art.º 99º dos Estatutos se inserir no CAPÍTULO II - RELAÇÕES COM CLIENTES, como também ao que se refere sob os n.ºs 2 a 16 do III das presentes alegações[3].

    5. - Deverá revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento da lide sem obrigatoriedade do A. ter de outorgar procuração a outrem que não o signatário, por ser neste em quem aquele confia plenamente e a quem outorgou procuração válida (tomando-se-lhe declarações para o efeito se se entender necessário), sob pena de se violar o disposto nos art.ºs 48º do CPC e 3º, 54º, n.º 1, alínea f), 58º, 81º a 83º, 88º a 90º e 97º a 100º do EOA.

    A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

    Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se existe conflito de interesses que torne anómalo o mandato que o A. conferiu ao Exmo. subscritor da p. i. e das alegações de...

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