Acórdão nº 820/20.0T8SRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Na acção executiva para pagamento de quantia certa[1] movida por Fundação (…) contra L (…) e M (…), a 04.5.2020, julgou-se que a exequente “não se encontra isenta do pagamento de custas na presente Acção Executiva” e que “a tramitação do Processo Executivo quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas é levada a cabo por Oficial de Justiça, sendo-lhe vedada a designação de Agente de Execução, a menos que o exequente pretenda suportar - de forma definitiva e sem direito a qualquer reembolso - todas as custas de parte que voluntariamente opte por pagar, nomeadamente todos os honorários e despesas devidos até final ao Agente de Execução designado”.

Considerou o Mm.º Juiz a quo, por um lado, que a exequente não beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais (RCP) (aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02) porquanto, no caso concreto, “não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável” - pois se trata de mera “cobrança coactiva de um crédito que não lhe foi voluntariamente satisfeito e que é uma contraprestação de um serviço que presta de forma onerosa” - e, por outro lado, que “para permitir o acesso ao direito de execução pelos exequentes que se encontram dispensados ou isentos do pagamento de custas”, “optou o Estado por manter - para si próprio, para o M.º Público, para a generalidade dos isentos ou dispensados de custas, e para outras situações (art.º 722º CPC) - o Oficial de Justiça a desempenhar, de forma gratuita para ambas as partes (exequente e executado) as funções que na Acção Executiva passaram a ser da competência do Agente de Execução”.

Inconformada, a exequente apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - O despacho em causa é nulo, porquanto ambíguo ao abrigo do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que declara que a apelante não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos quando na verdade actua, neste caso, no âmbito da sua especial atribuição de desenvolver actividades no domínio da educação (o que implica a salvaguarda de todos os interesses associados a essa actividade, incluindo a cobrança de dívidas); é meramente conclusivo por não especificar os fundamentos de facto e de direito, violando, por isso, também, a alínea c) do mesmo art.º.

  1. - A presente execução foi instaurada para obtenção da cobrança de dívida emergente de serviços prestados pela Casa (…), estabelecimento da apelante/exequente que é uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos, traduzindo-se numa instituição particular de solidariedade social e utilidade pública.

  2. - A comparticipação familiar é essencial para garantir a sustentabilidade do projecto desenvolvido pela Casa (...) e, no limite, pela própria Fundação, dada a sua natureza eminentemente social.

  3. - A cobrança das comparticipações familiares não pode deixar de se considerar incluída para efeitos da isenção subjectiva prevista no art.º 4º, n.º 1, alínea f), do RCP, sendo certo que a actividade em causa é de interesse público e a isenção deve incluir todas as actividades conexas com a desenvolvida, indispensáveis ou instrumentais.

  4. - A cobrança de dívidas que resultam do incumprimento do pagamento das comparticipações familiares e serviços devidos deve entender-se incluída na defesa dos interesses que à apelante foram especialmente conferidos, sob pena de insustentabilidade da acção social que desenvolve, uma vez que a educação é uma sua atribuição e a Casa (...) desenvolve funções na área da educação que são eminentemente sociais, pelo que a cobrança das dívidas dessa atividade deve integrar o conceito de actuação no âmbito das suas especiais atribuições, sob pena de completo esvaziamento da referida norma do RCP.

  5. - A recorrente encontra-se, pois, isenta do pagamento de custas.

  6. - Em lugar algum do CPC ou do RCP resulta que as diligências de processos executivos em que litiguem partes isentas tenham que ser levadas a cabo por oficial de justiça sendo que, pelo contrário, esse mesmo diploma separa a isenção das custas da responsabilidade por custas, nomeadamente nos n.ºs 6 e 7 do art.º 4º do RCP, podendo entidades isentas suportar custas, razão pela qual nada impede, salva situação de insuficiência económica da contraparte, recebê-las.

  7. - O despacho é nulo, por meramente conclusivo, pois não se alcança em que processos a recorrente imputou centenas ou milhares de euros, sendo que a sua qualidade de IPSS lhe impõe, especialmente, que litigue com responsabilidade e por isso viola o art.º 615º, alíneas b) e c) do CPC; por outro lado, assenta em premissas erradas porque nada na lei proíbe a recorrente, titular de uma isenção subjectiva, de nomear um agente de execução na medida em tal gerará custas de parte, pois será a exequente a suportar as despesas associadas no caso de não haver pagamento nem bens penhoráveis, bem como no caso de insuficiência económica do executado.

Remata dizendo que deve a decisão ser revogada, sem prescindir da declaração de nulidade, também por violação da alínea d) do n.º 1 do art.º 651º do CPC, reconhecendo-se a isenção de custas da apelante.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo: a) nulidade da decisão; b) se a exequente beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4º, n.º 1, al. f), do RCP; c) nomeação do agente de execução.

* II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:[2]

  1. Foi alegado no requerimento executivo (inicial e sucessivos), nomeadamente: 1º- A exequente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que apoia, promove e desenvolve actividades no âmbito da educação em que se insere a desenvolvida pela Casa (…), que lhe pertence, estabelecimento que presta serviços de creche e infantário, sito em Arganil.

    1. - Os executados são pais da menor E (…), utente da referida Casa (...) e que frequentou o estabelecimento entre 17.3.2014 e 31.8.2019.

    2. - Apesar de exequente e executados terem acordado uma prestação devida mensalmente, estes não procederam ao seu pagamento integral, levando a que a exequente propusesse injunções, a que foram apostas fórmulas executórias e que aqui servem de título executivo.

    3. - A exequente “encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais”.

  2. Prevê-se, além do mais, nos Estatutos da exequente que: - “A Fundação tem por objectivo contribuir para a promoção da população da região centro, através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos, podendo, todavia, vir a estender-se a outras localidades do País por deliberação do Conselho de Administração.” (art.º 2º); - “Para atingir o seu objectivo a Fundação propõe-se a apoiar, promover e realizar atividades nos seguintes âmbitos: a) Solidariedade Social; b) Educação; (…)” (art.º 3º); - “Constituem receitas da Fundação: (…) c) Os rendimentos dos serviços e as comparticipações dos utentes; (…) e) Subsídios do Estado e de outras entidades.” (art.º 6º).

  3. A exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sob a forma de Fundação de Solidariedade Social e tem o objecto estatutário aludido em 1. a) e b).

  4. A exequente é titular de diversos estabelecimentos de educação de infância denominados “Casas (...) ”, onde, inicialmente (entre 1936 e 1970), eram prestados, gratuitamente, todos os cuidados básicos, desde os educativos, à alimentação e à vigilância médica.

  5. Pela frequência da Casa (...) aludida em 1. a) é devida uma comparticipação familiar fixada em conformidade com os critérios definidos na norma XIV do respectivo Regulamento Interno.

  6. Nos termos do n.º 3 da norma XV do mesmo Regulamento, “todos os débitos serão exigidos através de processo de pagamento voluntário ou cobrança coerciva”.

    2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

  7. No arrazoado e “conclusões” da alegação de recurso, a exequente afirma, designadamente, que o Tribunal a quo não fundamentou a decisão recorrida, que a mesma é ambígua e/ou contraditória e que deixou de se pronunciar sobre algumas questões essenciais, pelo que se verificam as causas de nulidade previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC[3].

    Preceitua o referido art.º que é nula a sentença quando: não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (b); os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou...

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