Acórdão nº 247/19.6T8FNVN-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário: Nos termos do n.º 1 do artigo 635.º (Delimitação subjetiva e objetiva do recurso) do Código de Processo Civil, em caso de litisconsórcio necessário, o recorrente não pode recorrer quanto a um dos vencedores e excluir do recurso os restantes, sob pena de ilegitimidade desse vencedor contra o qual foi unicamente dirigido o recurso.

* Recorrente …………F (…) Recorrido……………M (…) Ambos melhor identificados nos autos.

* I. Relatório

  1. O presente recurso vem interposto pela Autora e respeita ao despacho saneador na parte em que absolveu o réu M (…) (senhorio) da instância quanto ao primeiro pedido formulado na petição, por ilegitimidade ativa, e na parte em que absolveu este mesmo réu quanto aos pedidos formulados em segundo e terceiro lugares, porquanto, nos termos da decisão, os pedidos alicerçados na causa de pedir invocada pela Autora são manifestamente inviáveis e improcedentes.

    Em síntese, a Autora demanda o réu M (…) na qualidade de senhorio por ter arrendado um prédio para aí funcionar um café/pub, quando na verdade, diz, não o podia fazer porque o prédio não tinha licença administrativa para serem aí exercidas essas atividades; e demanda os outros réus (arrendatários) por serem responsáveis pelo ruído gerado com a exploração do estabelecimento, ruído que, dizem, não os deixa sossegar durante parte da noite e também pelos prejuízos gerados por maus-cheiros e lixo feito pelos clientes do estabelecimento, o qual se acumula em frente ao prédio da autora, ao ponto de inviabilizar a hipótese da autora arrendar a sua casa para habitação.

    No saneador, na parte que aqui interessa, foram proferidas as seguintes decisões: Primeira decisão «B.

    Ilegitimidade da Autora para o pedido no ponto 1 do pedido principal O Réu M (…) - a fls. 29 verso - veio invocar a ilegitimidade activa da Autora para a dedução do pedido principal n.º 1, pelo qual é requerida a declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Réus, respeitante ao estabelecimento sito (…), (...) .

    A Autora respondeu - a fls. 200 -, defendendo que por ser titular do direito a habitar o imóvel do artigo 1.º da petição inicial em sossego, tem também o direito de invocar a nulidade de um contrato de arrendamento celebrado entre os Réus, porquanto o fim do arrendamento apenas poderia ser habitacional e foi destinado à indústria da restauração e eventos recreativos.

    Cumpre apreciar e decidir.

    Ao apuramento da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objecto da acção - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respectiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa.

    A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem que ser apreciada.

    Os direitos de crédito são direitos relativos, ou seja, apenas concedem ao seu titular o poder de exigir o comportamento prescrito de uma determinada ou de várias determinadas pessoas – o devedor ou devedores -, não tendo o poder de exigir ou pretender de mais ninguém a realização da prestação, e, por isso, apenas têm eficácia e oponibilidade inter partes.

    Opõem-se aos direitos absolutos, como os direitos reais e direitos de personalidade, que implicam no pólo passivo da relação jurídica, respectivamente, um dever geral de abstenção e um dever geral de respeito (nestes exactos termos, Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 23).

    Nas acções constitutivas e de anulação, a causa de pedir é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o direito pretendido, conforme o artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

    Ora, o facto que a Autora invoca - artigo 23.º da petição - para fundamentar a «nulidade» do contrato de arrendamento é o da circunstância de o Réu M (…)arrendar um prédio destinado a habitação e a arrendatária F (…) ter destinado tal prédio para actividade de bar e café, afectando o prédio a um uso diverso do fim a que se destina.

    Tal alegação comporta dois problemas. O primeiro é o de que a factualidade alegada não é susceptível de comportar aquele pedido de nulidade, pelo que se poderia dizer que se estaria perante uma inconcludência jurídica, porquanto nenhuma previsão normativa sanciona com declaração de nulidade o facto de se usar um prédio para fim diverso daquele a que se destina. Ou seja, o pedido deduzido pela Autora não se pode alicerçar naqueles factos. O segundo será que, mesmo que se leia o pedido «declarado nulo» como efeito jurídico-prático análogo ao efeito da resolução do contrato (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), a Autora não teria legitimidade para o concreto pedido.

    Vejamos, a anulação do contrato de arrendamento por uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina é possível por via do artigo 1083.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil, que dispõe: «2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio: […] c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;» Considerando que anulação do negócio tem o mesmo efeito jurídico-prático pretendido pela Autora - declaração de nulidade do contrato de arrendamento -, não se pode de todo afirmar-se com segurança firmar-se que existe inconcludência jurídica, mas, porventura, errada subsunção jurídica do efeito jurídico pretendido.

    Mas ainda que assim se considere, analisando o artigo 1083.º, n.º 1, do Código Civil, constata-se que a lei outorga a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento somente às partes do contrato. E no n.º 2 do mesmo artigo conclui-se que a lei apenas confere ao senhorio a possibilidade de resolver o contrato com base no uso do prédio locado para fim diverso daquele a que se destina.

    Ora, uma vez que a Autora não é sujeito da relação contratual locatícia, como descrito na petição inicial, e uma vez que a lei apenas atribui às partes do contrato a titularidade do interesse legítimo consistente na resolução daquele, a Autora não é titular do interesse relevante para efeito de legitimidade do pedido principal n.º 1. Não sendo a Autora parte do negócio, é manifesto que o fundamento de resolução apontado ao mesmo não pode ser arguido por esta, que para tanto e por essa razão carece de legitimidade.

    Em face do exposto, declara-se a Autora parte ilegítima para formular o pedido principal n.º 1 contra os Réus, sendo estes absolvidos da instância quanto ao referido pedido formulado como n.º 1 na petição, atenta a declarada ilegitimidade ativa e tudo conforme o disposto nos artigos 30.º, 577.º, alínea e), e 576.º, todos do Código de Processo Civil.

    Custas da acção, nesta parte, a cargo da Autora (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 1, e Tabela I do Regulamento das Custas Processuais)».

    Segunda decisão «C. Ininteligibilidade dos pedidos principais formulados como n.ºs 2 e 3 quanto ao Réu M (…) O Réu M (…) invocou a ininteligibilidade dos pedidos formulados como n.ºs 1 (este prejudicado face ao anteriormente decidido), 2 e 3, porquanto, no seu entender, quanto a estes últimos, não lhe foi imputado qualquer facto gerador de responsabilidade civil extra-contratual - fls. 30.

    A Autora respondeu - a fls. 200 -, tendo referido quanto à ineptidão da petição inicial que «A A. vive em Tomar, mas tem o usufruto da casa de Figueiró do Vinhos como residência secundária sua e da sua família».

    Cumpre apreciar e decidir.

    A ineptidão da petição inicial consiste numa excepção dilatória que, uma vez verificada, conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância, sendo de conhecimento oficioso pelo Tribunal, em conformidade com o disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do Código de Processo Civil.

    Nos termos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, a petição inicial diz-se inepta se for ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

    Ou seja, seria necessário que existisse uma falta de formulação do pedido ou da causa de pedir por parte da Autora, traduzindo-se tal «na falta do objecto do processo» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado...

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