Acórdão nº 124/08.6GAACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos A..., residente em …, Alcobaça, e B...

, residente na …, Alcobaça, imputando-se ao arguido A..., em autoria material, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, al. a), do Código Penal; e, à arguida B..., em autoria material, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.

A assistente B... deduziu, de fls. 133 a 140, pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 1.500, pelos danos morais que o mesmo lhe causou, acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva, vencidos desde a data da notificação do arguido para contestar até integral pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 10 de Dezembro de 2009, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: - absolver o arguido A... da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, al. a), do Código Penal; - condenar o arguido A..., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º1, 26.º e 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), perfazendo o montante global de € 700 (setecentos euros).

- condenar a arguida B..., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos artigos 14.º, n.º1, 26.º e 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), perfazendo o montante global de € 490 (quatrocentos e noventa euros).

Mais decidiu julgar o pedido de indemnização civil deduzido por B... parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência: a) condenar o demandado civil a pagar-lhe a quantia global de € 300 (trezentos euros), acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal anual de 4%, desde a notificação do arguido para contestar o pedido cível até integrar pagamento; e b) absolvê-lo do demais peticionado.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. O Tribunal recorrido deu como provados, em sede de sentença, factos diversos dos constantes do despacho de pronúncia; 2. O arguido foi pronunciado por um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.152.º, n.º2, al.a) do CP; 3. Verificando-se na Audiência de Discussão e Julgamento, que a actuação do arguido preenche um crime de ofensas à integridade física simples, sendo este crime diverso do qual vinha acusado - crime de violência doméstica -, existe alteração substancial dos factos.

  1. Essa alteração substancial dos factos, verificada na Audiência de Discussão e Julgamento, não pode ser levada em conta pelo Tribunal, para efeitos de condenação sendo nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação.

  2. A alteração substancial dos factos descritos na acusação implica sempre apuramento de factos novos, ou modificação dos descritos, que não pode ser tomada em conta pelo Tribunal para efeitos de condenação, art.359.º, n.º 1do CPP; 6. Assim sendo, não se verificando os casos previstos no artigo 359.º do Código de Processo Penal, o Tribunal “a quo”, ao condenar o arguido pelo crime de ofensas à integridade física simples está a violar o n.º1 do artigo 359.º do mesmo Código, sendo nula tal sentença condenatória.

  3. Foi violado o princípio da investigação, no que toca ao ónus de investigar o facto submetido a julgamento.

    Mais, 8. Em obediência ao princípio do contraditório, consagrado no art.32.º, n.º1/n.º5 da Constituição da República Portuguesa, impõe-se que o arguido seja dada a oportunidade de se pronunciar sobre tal alteração substancial dos factos.

  4. Mesmo que da alteração da qualificação pertinente resulte uma condenação por crime menos grave, em homenagem a uma correcta e abrangente protecção dos direitos de defesa do arguido, impõe-se que e1e não seja surpreendido por uma condenação por um crime diverso do inserido na acusação/pronuncia, 10. Mesmo que no decurso da audiência se verificar um alteração não substancial dos factos descritos na acusação/pronuncia, com relevo para a decisão da causa, o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa; 11. Tal insuficiência deverá justificar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do n.º1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal.

  5. Face à matéria de facto provada, não pode considerar-se fundado o pedido de indemnização civil, no sentido dado pelo artigo 377.º do Código de Processo Penal, pelo que deverá o arguido ser absolvido do respectivo pedido, isto atendendo a que o arguido veio a final condenado por crime diverso do constante do despacho de pronúncia.

  6. Caso assim não seja entendido, o que se pondera mas não se concede, a pena aplicada ao arguido é demasiado severa devendo ser substituída por pena inferior e adequada aos factos praticados e a todas as circunstâncias relevantes apuradas nos autos.

    Face ao exposto e ao que resulta dos autos.

    Deverá a douta sentença condenatória ser declarada nula, por violação dos preceitos legais invocados e, em consequência, ser o presente recurso julgado procedente, com as legais consequências.

    O Ministério Público na Comarca de Alcobaça respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência e manutenção integral da douta sentença.

    O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribuna da Relação emitiu parecer no sentido da confirmação e manutenção da decisão recorrida, e que seja negado provimento ao recurso.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados

    1. Do despacho de pronúncia: 1. Os arguidos A...e B...foram casados um com o outro desde … 1992 até …2009, vivendo numa habitação sita na Rua …, Alcobaça.

  7. No verão de 2004, o arguido A...pôs a arguida na rua.

  8. No Verão de 2007, o arguido bateu na arguida, causando-lhe um hematoma num braço e numa perna.

  9. No Verão de 2007, a arguida dormia no quarto da filha.

  10. No dia 19 de Abril de 2008, o arguido encontrava-se a ver televisão em casa e a arguida B..., em face disso, ligou a aparelhagem. Quando o arguido disse que a aparelhagem era dele, a arguida colocou a música mais alta.

  11. Na sequência do descrito em 5), gerou-se uma discussão entre ambos, tendo o arguido desferido um murro no olho esquerdo da arguida B....

  12. Como consequência necessária e directa da conduta do arguido descrita em 6), a arguida sofreu uma equimose da pálpebra superior esquerda, de 5 por 3 centímetros, que demandou um período de 7 dias para a respectiva cura, sem impossibilidade para o trabalho.

  13. No dia 7 de Junho de 2008, pelas 15.20 horas, o arguido A...encontrava-se em casa a ver televisão quando se gerou uma discussão com a arguida B....

  14. A certa altura da discussão referida em 8), a arguida desferiu um murro na face esquerda do A… .

  15. Entretanto, o arguido conseguiu agarrar-lhe a mão direita e a arguida, com a mão esquerda, arranhou a face direita do arguido junto ao olho.

  16. Como consequência necessária e directa da conduta da arguida descrita em 10), o arguido A...sofreu três escoriações na hemiface direita, sendo uma na região frontal, outra na pálpebra inferior e outra na região malar, as quais determinaram um período de 5 dias para a respectiva cura, sem impossibilidade para o trabalho.

  17. Ao actuar do modo supra descrito em 3) e 6), o arguido A… agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, com a intenção, concretizada, de molestar o corpo da ofendida.

  18. Ao agir do modo descrito em 9) e 10), a arguida B...actuou voluntária, livre e conscientemente, com a intenção, concretizada, de provocar dores e ferimentos no arguido.

  19. O arguido sabia que a sua conduta descrita em 3) e 6) era proibida e punida por lei.

  20. A arguida sabia que a sua conduta descrita em 9) e 10) era proibida e punida por lei.

    b) Do pedido de indemnização civil: 16. Em consequência do descrito em 3), 6) e 7), a demandante civil sentiu-se humilhada, nervosa, desgostosa e envergonhada.

  21. Em consequência do descrito em 3), 6) e...

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