Acórdão nº 2/07.6TATBU.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Data23 Novembro 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punível pelos art. 15º, nº 1, b), e 148º, nº1, ambos do Código Penal.

O pedido de indemnização civil deduzido por B... foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, foi a demandada Companhia de Seguros X..., S.A., condenada a pagar-lhe a quantia de 10 624,24 € a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Mais foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelos HUC, tendo a demandada civil sido condenada a pagar a este a quantia de 2 508,65 €.

  1. Inconformada, a demandada civil recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «1. A ora recorrente não se conforma com a douta sentença, nomeadamente na condenação do arguido e consequente condenação da ora recorrente a pagar aos demandantes cíveis a quantia de 1 0.624,24€ e 2.50a,65€.

  2. Considera a ora recorrente que a culpa na produção do acidente em análise dos autos é totalmente imputável ao lesado e demandante cível B..., sendo a sentença nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 668º nº 1 do CPC e do art. 410º nº 1 e nº 2 alínea b).

  3. Na motivação de facto da sentença a meritíssima juiz do tribunal a quo começa por referir que a produção da prova nesta causa foi atípica, considerando que tanto as declarações do arguido, como os depoimentos testemunhais foram ilógicos e incongruentes.

  4. Na esteira da meritíssima juiz, a ora recorrente considera que a produção de prova em audiência de julgamento, nomeadamente a prova testemunhal, foi toda ela eivada de incompatibilidades, incoerências e, permita-se, falta de verdade.

  5. Resulta assim que da audiência de discussão e julgamento nenhuma prova testemunhal foi feita acerca da forma como o acidente ocorreu.

  6. Assim sendo, não pode a ora recorrente aceitar e acatar a decisão proferida pela meritíssima juiz, que com base em prova nenhuma e sustentada nas suas regras de experiencia comum decide dar como provados os factos constantes nas alíneas C), D), K), L) e M) da douta sentença.

  7. Não consegue a ora recorrente compreender de que forma e que regras da experiencia comum permitem condenar um arguido e um demandado cível, sem qualquer prova testemunhal ou outra.

  8. Os factos que objectivamente se conseguiram apurar no presente processo foram os seguintes: • existiu um acidente de viação entre um motociclo e um ligeiro de passageiros que seguiam no mesmo sentido de trânsito, • o embate deu-se na faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito que ambos levavam, • o motociclo seguia à frente do ligeiro, • o motociclo pretendia virar à esquerda, • o embate na roda traseira sob a lateral direita do motociclo.

  9. Todos os factos supra referidos se retiram de documentos juntos aos autos, nomeadamente auto de ocorrência e fotografias do motociclo.

  10. Relativamente ao acidente considera ao ora recorrente que mais nenhum facto se conseguiu apurar com rigor e certeza, ou pelo menos com um grau de probabilidade forte como exige o Código Penal, a regra do ónus da prova e sobretudo o principio do in dúbio pro reu.

  11. O Código da Estrada, art. 44º, 35º nº 1 e 21º nº 1, consideram a mudança de direcção à esquerda como uma manobra perigosa, os quais, de forma a minimizar os riscos pela sua realização impõem, aos condutores, que a realizem regras imperativas de conduta.

  12. Da prova produzida em julgamento, ou constante no processo, não resultou que o lesado B..., tenha cumprido nenhuma das regras.

  13. Nos termos do art. 342º nº 1 do Código Civil a prova dos factos constitutivos do direito alegado incumbe àquele que invocar um direito.

  14. Quod non est in actis non est in mundo.

  15. O princípio do in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

  16. Não existindo um verdadeiro ónus da prova que recaia em qualquer dos sujeitos processuais, nomeadamente o arguido e o MP, e devendo o tribunal investigar autonomamente toda a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre prova do facto para além de toda a dúvida razoável.

  17. No presente caso, não existindo qualquer prova produzida nos autos que vá de molde à condenação do arguido não pode a meritíssima juiz, por regras de experiência comum, proceder à sua condenação sem que um só facto, relativo à culpa na produção do acidente, esteja alicerçado em prova produzida nos autos.

  18. Pelo supra exposto, deve o arguido ser absolvido da prática do crime pelo qual vinha acusado e em consequência deve a ora recorrente ser absolvida dos pedidos cíveis contra ela deduzidos, devendo toda a culpa na produção do acidente ser imputada ao lesado, motivo pelo qual deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser a ora recorrente absolvida de todos os pedidos.

  19. A sentença penal apenas pode apreciar e decidir o pedido de indemnização civil baseado em danos provocados pela prática do crime que constitui objecto da acção penal.

  20. A procedência do pedido de indemnização civil restringe-se à responsabilidade civil baseada na culpa, disposta no art. 483º nº 1 do C. Civil, pelo que não tendo resultado provada a culpa do arguido na produção do acidente não pode ser aplicado o art. 506º do CC, responsabilidade pelo risco ao presente caso.

  21. Sem conceder e por mero dever de patrocínio, se V. Exas. perfilharem de opinião diversa da explanada no presente recurso, e decidirem que o arguido teve cota parte de culpa na produção do acidente deverá a mesma ser reduzida para menos de 50%, uma vez que o lesado, ao não sinalizar a manobra de mudança de direcção, contribuiu em percentagem superior a 50% para a produção do acidente.

  22. Por último, em relação ao montante fixado pelo douto tribunal a quo a título de danos morais para o lesado B..., considera a ora recorrente ser o mesmo extremamente exagerado.

  23. Considera a ora recorrente que, a título de danos morais a atribuir ao lesado B... qualquer quantia total (a qual posteriormente terá que ser dividida pela quota-parte de responsabilidade) que ultrapasse os 7.500€ será exagerada e consubstanciará um enriquecimento do lesado».

  24. O recurso foi admitido.

  25. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

    Realizada a conferência cumpre decidir.

    * * FACTOS PROVADOS 6.

    Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «A. No dia 01.09.2006, cerca das 12h10, o arguido A..., na Estrada Nacional n.º 17, próximo do Km. 56, em Catraia de Mouronho – Tábua, conduzia o veículo automóvel da marca …no sentido Moita da Serra – Gândara de Espariz.

    B. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, B… conduzia, à frente do arguido, na mesma hemifaixa de rodagem, o ciclomotor de matrícula … .

    C. Ao chegar ao local onde a estrada dá acesso à esquerda, atento o referido sentido de marcha, a um estabelecimento comercial, B… aproximou-se do eixo da via, com intenção de virar à esquerda.

    D. No momento em que o ciclomotor de B... se preparava para entrar na hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que circula em sentido contrário, o arguido colidiu na roda traseira daquele ciclomotor, o qual foi projectado para o seu lado esquerdo, atento o referido sentido de marcha.

    E. O veículo conduzido por B... ficou imobilizado a cerca de 20 metros do veículo conduzido pelo arguido, que este imobilizou na hemifaixa de rodagem em que seguia, a cerca de 30 metros do local do embate.

    F. B... ficou caído junto à entrada de um caminho que dá acesso a uma moradia e a um estabelecimento comercial existente do lado esquerdo da estrada, atento o referido sentido de marcha.

    G. No local do acidente, a Estrada Nacional n.º 17 apresenta configuração rectilínea, tem uma largura de 5,80 metros e as suas hemifaixas de rodagem encontram-se separadas por uma linha longitudinal descontínua, estando o seu piso em bom estado de conservação.

    H. A recta referida tem, aproximadamente, 200 metros, situando-se a entrada para o caminho referido em F sensivelmente a meio daquela.

    I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A, não chovia e o piso da estrada estava seco.

    J. Como consequência directa e necessária do embate e posterior queda ao solo, B... sofreu as lesões descritas no relatório pericial junto a fls. 39-41, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente cicatrizes e edemas na face da perna e no joelho do membro inferior direito e encurtamento de 1 cm deste membro inferior em relação ao contralateral, que lhe determinaram 75 dias de doença, durante os quais esteve 45 dias incapacitado de forma geral e 30 dias incapacitado de forma parcial.

    K. Ao colidir com o ciclomotor conduzido por B... da forma descrita em D, o arguido procedeu de forma livre e descuidada, não logrando controlar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar o embate, omitindo assim as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, que devia ter adoptado, como era capaz, para evitar a produção do resultado verificado.

    L. O arguido podia e devia ter previsto a possibilidade de, com a sua conduta, causar ofensas na...

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