Acórdão nº 15/09.3TASBG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução30 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Decisão sumária [artigo 417.º, n.º 6, alínea c), do CPP] I. Relatório 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 15/09.3TASBG que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Sabugal, iniciado com a denúncia que consta de fls. 2/5, 7/15, apresentada por A... contra B... e marido C..., devidamente identificados nos autos, o Ministério Público proferiu, em 6 de Abril de 2010, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), despacho de arquivamento.

*2.

Inconformado com esse despacho, o denunciante A... requereu, em 4 de Maio de 2010, a sua constituição como assistente e, simultaneamente, a abertura de instrução, nos termos do estatuído pelo art. 287.º, n.º 1, al. b) do CPP, para que, a final: - fosse declarada a nulidade do inquérito, por omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade, ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP; - realizadas as diligências instrutórias sugeridas pelo requerente e outras que, no decurso das anteriores se reputassem pertinentes, fossem os denunciados constituídos arguidos e, em momento oportuno, pronunciados pelo crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, do CP, qualificado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º, do referido Código, em concurso real com um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, ainda do mesmo diploma legal; - sem prescindir, caso se apurasse a existência de documento idóneo que habilitasse a denunciada a movimentar/administrar o património de D..., fossem os denunciados pronunciados, em momento processual adequado, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º do CP, e/ou de um crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º do indicado corpo normativo.

*3.

Em despacho de 18 de Maio de 2010, a Sr.ª Juíza afecta à Instrução Criminal admitiu, genericamente, a constituição de assistente do denunciante.

*Ainda no mesmo despacho, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 58.º, n.º 1, al. a), 61.º, n.º 1, al. g), 120.º, n.ºs 2, al. d), e 3, 122.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 272.º, n.º 1, todos do CPP, julgou-se verificada a nulidade de insuficiência do inquérito e, em consequência, foi declarado nulo o despacho de fls. 71 a 75 dos autos, que determinou o arquivamento do inquérito, bem como todos os actos posteriores, com excepção do requerimento de constituição de assistente e do despacho que se pronunciou sobre o mesmo.

*4.

Realizadas diligências de inquérito, consistentes na constituição dos denunciados como arguidos, o Ministério Público proferiu novo despacho de arquivamento, ao abrigo da disposição legal acima indicada (artigo 277.º, n.º 1, do CPP).

*5.

O denunciante, admitido como assistente, requereu novamente a abertura da instrução, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 191/212.

*6.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo sido, a final, proferido despacho de não pronúncia.

* 7.

O denunciante, constituído arguido, interpôs recurso da referida decisão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu, a fls. 158 a 163, despacho de arquivamento nos presentes autos.

  1. - Não se conformando com o despacho de arquivamento, o ofendido, com a qualidade de Assistente, requereu a abertura da instrução, alegando que os factos denunciados são susceptíveis de indiciar a prática pelos arguidos de pelo menos um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, qualificado pela alínea a) do n.º l do artigo 204.º, em concurso real com um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, e, caso se confirme a existência de um documento idóneo capaz de habilitar a arguida a movimentar o património de seu pai, entendeu o assistente que os factos denunciados são susceptíveis de indiciar a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. no artigo 205.º do C.P. e/ou um crime de infidelidade, p. e p. no artigo 224.º do mesmo diploma legal.

  2. - Foi decretada a abertura da instrução, no decurso da qual se procedeu à inquirição de D..., E..., F... e G... e realizadas as demais diligências instrutórias sugeridas pelo assistente.

  3. - Os autos foram instruídos com a seguinte prova documental: os pagamentos efectuados pelo instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. - IFAP, I.P. - a D... desde 01/01/1998 até 10/02/2011 (cfr. fls. 305 a 337 dos autos); certidão da decisão de avaliação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (Direcção de Finanças da Guarda) dos arguidos, que deu origem ao inquérito n.º 3/10.7TASBG, que corre termos no Tribunal a quo (cfr. fls. 400 a 405 do autos), sendo posteriormente junta certidão do parecer elaborado pela Direcção de Finanças da Guarda no âmbito do mesmo inquérito (cfr. fls. 875 a 888 dos autos); extractos das seguintes contas bancárias do Banco Santander Totta, S.A., desde o ano de 2000, e identificação dos respectivos titulares; pelo Instituto de Gestão de Tesouraria e do Crédito PC I.P., os movimentos realizados desde o ano de 200 nas seguintes contas de aforro; cópia autenticada dos talões de resgate e dos talões das subscrições às contas de aforro identificadas (cfr. fls. 931 a 965).

  4. - Encerrada a instrução, a Exma. Juíza a quo proferiu despacho de não pronúncia.

  5. - Entende o Assistente que da prova documental produzida, corroborada pela prova testemunhal, resultam indícios suficientes para a pronúncia dos arguidos pela prática de crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º do Código penal, qualificado pela al. a) do n.º l do artigo 204.º do mesmo diploma legal, de um crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A do Código Penal, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º do Código Penal e de um crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º do Código penal; 7.ª - Nomeadamente se tivesse sido levado em conta o depoimento da testemunha F... e da testemunha G....

  6. - Confrontando tais depoimentos com a informação constante da prova documental e da qual resulta o seguinte: 9.ª - Que efectivamente os arguidos adquiriram dois imóveis (cfr. com as respectivas certidões das escrituras de compra e venda); 10.ª - Dos extractos bancários resulta que os arguidos auferem mensalmente cerca de l.000,00 € do trabalho prestado na empresa WW.... (cfr. fls. 635 a 766 dos autos); 11.ª - Do parecer emitido pela Direcção de Finanças de Guarda (cfr. fls. 401 a 405 e 876 a 888), resulta que os arguidos “declararam um rendimento líquido total de 10.736,19 €; adquiriram, pelo preço de € 86.000,00, um prédio urbano sito em Almada sem recurso a crédito bancário”; 12.ª - E que houve uma transferência de numerário da conta de E..., sogra de C..., que foi utilizada na compra de imóvel; 13.ª - Que foram subscritos certificados de aforro, entre 2001 e 2010, na conta aforro titulada pelo arguido C..., no valor global de €36.995,62; em 2008, na conta de aforro titulada pela arguida B...., no valor de €5.000,00; em 2009, na conta de aforro titulada por H..., no valor de €29.900,00; em 2009 e 2010, na conta de aforro titulada por J..., no valor de €24.950,00.

  7. - “Constata-se que os arguidos detêm património e quantias monetárias que não podem ter sido adquiridos apenas com os rendimentos provenientes da actividade laboral que exercem na empresa WW...e, já que os seus salários têm um valor muito inferior ao necessário para a aquisição dos imóveis e dos certificados de aforro de que são titulares os arguidos e as suas filhas que ainda não têm rendimentos” (in decisão instrutória).

  8. - Entende o recorrente que, das diligências instrutórias, é possível cabalmente identificar a proveniência de tais quantia monetárias.

  9. - Resulta que, das contas dos ofendidos, foi transferido (no mínimo) para a titularidade e domínio de facto dos arguidos o valor global de € 92.700,994.

  10. - Resulta ainda do ofício enviado pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) que foi pago o valor global de € 46.008,53, a título de subsídios para a agricultura, no período entre 01/01/1998 a 22-02-2011 (cfr. fls. 605 a 337 dos presentes autos).

  11. - Ainda assim, entendeu a Juíza a quo que não foram colhidos elementos suficientes capazes de “ultrapassar a dúvida razoável quanto ao facto de os arguidos terem procedido à apropriação ilegítima de dinheiro dos ofendidos, entendemos que a mesma deve ser resolvida de acordo com o principio in dubio pro reo, que irá necessariamente aproveitar aos arguidos, impondo ao Tribunal que decida no sentido que lhes é mais favorável, ou seja, dando como não indiciados os factos sobre que recai se os mesmos forem desfavoráveis aos arguidos”.

  12. - Considerou que, não resultam indiciados os fachos imputados aos arguidos no requerimento de abertura de instrução, com excepção da compra dos imóveis, dos rendimentos auferidos pelos arguidos na empresa WW...e e da existência de contas bancárias e de contas de aforro de que são titulares os arguidos e as suas filhas.

  13. - Todavia, entende o recorrente que, conjugando todos os elementos de prova referidos e fazendo a sua análise crítica, com meridiana facilidade se pode concluir que os autos contêm indícios suficientes de que a conduta dos arguidos consubstancia a prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.º do Código penal, qualificado pela al.) a) do n.º l do artigo 204.º do mesmo diploma legal.

  14. - No caso em concreto, não podemos, senão, deixar de concluir que, da prova recolhida, resultam indícios que revelam uma possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de que aos arguidos venha a ser aplicada uma pena, porquanto, por apelo a um juízo de prognose, com base em critérios de normalidade e mantendo-se em julgamento os elementos probatórios existentes; 22.ª - Isto é, da factualidade existente nos autos resulta, inequivocamente, que as condutas dos arguidos preenchem quer os...

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