Acórdão nº 934/07.1TBFND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2011
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados: O B (…), SA, requereu a execução de uma livrança contra A (…) e M (…), signatários da mesma.
Os executados deduziram oposição, alegando, em síntese, que a livrança dada à execução foi entregue como garantia de um contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouro. Assim, os executados negociaram com a Auto (…), Lda, a aquisição de um veículo automóvel, tendo-lhes sido proposta a celebração de um crédito ao consumo para pagamento do veículo. Foi a vendedora a tratar da negociação e aprovação da operação de crédito junto do exequente/financiador, limitando-se os executados a assinar um formulário já redigido. Para garantia de cumprimento do contrato de financiamento, o financiador exigiu uma caução, a reserva de propriedade do veículo a seu favor e a livrança em branco dada à execução. A vendedora informou os executados que seria o financiador a efectuar o averbamento da propriedade e a remeter os docu-mentos do veículo, assim que estivessem disponíveis. Porém, passados me-ses, os documentos ainda não tinham chegado e, por isso, em Dezembro de 2004, os executados não puderam apresentar o veículo à inspecção perió-dica e tiveram de cessar a utilização do veículo. A 17/10/2005, o veículo foi apreendido, uma vez que tinha reserva de propriedade a favor da S (…), SA, facto desconhecido dos executados. Por tais razões, os executados suspenderam o pagamento das prestações mensais até que lhes fossem entregues os documentos do veículo. Concluíram pedindo a extinção da instância executiva com o reconhecimento da excepção de não cumprimento.
Recebida a oposição, o financiador contestou alegando ter efectuado o pagamento do veículo à vendedora a pedido dos executados, que já tinham o veículo na sua posse. Cabia aos executados determinar a existência ou não de ónus ou encargos sobre o veículo, desconhecendo o fi-nanciador esse facto. Apenas em 2006, os executados deram conhecimento ao financiador que ainda não possuíam a documentação do veículo e que o mesmo estaria a ser objecto de medida cautelar, sendo certo que o financia-dor lhes comunicou a resolução do contrato por carta de 16/06/2005. Concluiu pela improcedência da oposição.
(Até aqui utilizou-se, no essencial, o relatório da sentença recorrida) Depois do julgamento foi julgada improcedente a oposição.
Os executados recorrem desta sentença, para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição com a consequente extinção da execução, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (em síntese): a) o quesito 3 devia ter tido uma resposta de ‘provado’ e não de provado com a restrição de se excluir a referência ao parceiro financeiro; b) a exigência da exclusividade e de um acordo prévio prevista no art. 12º/2 do Dec. Lei 359/91, de 21/09 (= RCC) devia ter sido interpretada restritivamente, de modo a não impedir a oponibilidade das excepções do comprador ao financiador da compra; c) seja como for, como era ao financiador que incumbia proceder à entrega dos documentos aos compradores, estes podiam opôr-lhe a excepção de não cumprimento dessa obri-gação.
O financiador contra-alegou no sentido da confirmação da sentença.
* Questões que importa decidir: se os executados/compradores podiam excepcionar o não cumprimento da obrigação da entrega dos documentos contra o exequente/financiador.
* Factos provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos): A) Os executados negociaram com a Auto (…), a aquisição de um veículo automóvel usado, Suzuki Vitara, com a matrícula 82-57-QT.
B) Entre os executados e a exequente (= (…)) foi celebrado, em 22/03/2002, o contrato de financiamento nº 149308 junto a fls. 13 e 43 e segs dos autos.
C) Nos termos acordados no contrato B) foi concedido aos executados um financiamento de 17.956,72€, amortizável em 72 prestações mensais e sucessivas de 366,03€ cada vencendo-se a 1ª prestação em 15/02/2002, e as seguintes no dia 15 de cada mês.
D) Para garantia e bom cumprimento do referido crédito, os executados subscreveram em branco a livrança, que foi dada à exe-cução nos autos principais, autorizando o exequente a preenchê-la livremente, designadamente, quanto à data da emissão, montante em dívida, data de vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente ao valor da dívida vencida e não paga, acrescida dos juros até à data fixada para o respectivo vencimento e respecti-vo imposto de selo.
E) O exequente entregou directamente à Auto (…) o montante financiado aos executados.
F) O exequente preencheu a referida livrança pelo valor de 14.754,11€.
1 e 2. Na ocasião mencionada em A), o vendedor propôs aos executados a celebração de um contrato de crédito ao consumo para pagamento do mencionado veículo, tendo afirmado que tinha uma parceria com o exequente e que conseguiria, com facilidade, que a operação fosse aprovada.
3. A Auto (…) negociou com o seu parceiro financeiro a concessão do mencionado crédito [na resposta aos quesitos escreve-se “exequente” em vez de “seu parceiro financeiro” – a alteração decorre da procedência do recurso quanto a esta questão, como se verá mais à frente].
4. Aprovada a operação de crédito, tratou de toda a documen-tação e apresentou o formulário do contrato, devidamente preen-chido, para que os executados o assinassem.
5. Tal contrato foi assinado na mesma data que o contrato de compra e venda do veículo automóvel.
6 a 8. Depois de celebrados os contratos, a Auto (…) informou os executados que seria o exequente quem faria o averba-mento da propriedade do veículo e que iria remeter os documentos do veículo assim que estivessem disponíveis, uma vez que havia também que proceder ao averbamento da reserva de propriedade, o que levaria algum tempo.
9. Para que os executados pudessem circular com o veículo, a Auto (…) foi emitindo guias de circulação.
10. A partir de determinada data começou a dizer aos execu-tados que o atraso nos documentos se devia a inércia por parte do exequente.
11 a 13. Quando o veículo tinha de ser submetido à inspecção periódica, os executados não tinham ainda os documentos do mesmo veículo, pelo que não puderam efectuar a inspecção, tendo deixado de utilizar o veículo.
14. Em 17/10/2005 foi apreendido aos executados o mencio-nado veículo.
15 e 16. O veículo tinha reserva de propriedade a favor da S (…), o que os executados desconheciam.
17. O exequente entregou o montante financiado aos executa-dos à vendedora a pedido dos primeiros.
18 e 19. Em Junho de 2005, das 72 prestações mensais do contrato referido em B) e C), apenas tinham sido pagas 27, e muitas delas não foram pagas na respectiva data.
20. O valor aposto pelo exequente na livrança, junta aos autos principais, corresponde às mensalidades vencidas e não cobradas, juros contratuais e moratórios respectivos, portes, encargos, impos-tos, seguros, mensalidades vincendas e cláusula penal de 4%.
21. Em 16/06/2005, o exequente enviou aos executados uma carta registada, com aviso de recepção, a resolver o contrato, a qual se mostra junta a fls. 47 dos autos.
22. Comunicando-lhes ainda que havia efectuado o preenchi-mento da livrança pelo valor de 14.754,11€ e fixado o vencimento para 30/06/2005.
23. Só depois da recepção dessa carta, comunicaram os exe-cutados à exequente que ainda não possuíam a documentação do veículo.
I Recurso quanto aos factos conclusão a) (…) A resposta ao quesito deve pois passar a ser de provado, sem restrições.
II Recurso quanto ao direito Conclusão b) Das razões da sentença A sentença depois de dizer que entre os executados e a Auto (…) tinha sido celebrado um contrato de compra e venda (art. 874º do Código Civil) e depois de considerar que, para além das obrigações principais decorrentes desse contrato (art. 879º do CC: a obrigação de entregar a coisa, e a obrigação de pagar o preço) existem outras com carácter acessório, assumindo especial relevo no caso a obrigação de entrega dos documentos relativos à coisa ou direito (art. 882º/2 do CC), que se justifica pela ideia básica de colocar o comprador em condições de fruir plenamente o seu direito” (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4ª ed, Coimbra Editora, 1997, p. 173), conclui que em relação à falta de cumprimento desta obrigação é possível, dada a sua particular relevância nos contratos de compra e venda de veículos automóveis, opôr a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428 do CC).
Depois diz que no caso dos autos a vendedora não cumpriu tal obrigação, ou seja, os documentos nunca chegaram a ser entregues aos executados, o que determinou a impossibilidade de continuação do uso do veículo, por não ser possível submeter o mesmo à inspecção periódica e por entretanto ter sido apreendido, mas entende que não é possível aos executados oporem a excepção de não cumprimento do contrato, por um lado, porque em relação à vendedora eles já cumpriram a obrigação do pagamento do preço e, por outro lado, porque em relação ao financiador ou ao contrato de crédito ao consumo, não se verificam os dois requisitos exigidos para o efeito pelo art. 12º/2 do à data vigente RCC, com as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Dec. Lei 101/2000, de 02/06 (acordo prévio de exclusividade e obtenção do crédito no âmbito desse acordo).
Invoca neste sentido três acórdãos do STJ que serão referidos abaixo.
* Da obrigação de entrega dos documentos Não está em causa, nos autos, a qualificação “dos contratos” nem que a falta de entrega dos documentos, no caso, equivale à falta de cumpri-mento da obrigação da entrega do bem, podendo por isso legitimar, contra o vendedor, a excepção de não cumprimento “do contrato”.
Reforce-se apenas esta questão: para os executados poderem circular com o veículo tinham que ter os documentos do mesmo (arts. 5º/1a), 2 e 3, 9º e 25º/1, do Dec. Lei 54/75, de 12/02, 78º/1 e 2 do Código da Estrada, 11º/3 e 28º do Decreto...
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