Acórdão nº 1215/10.9TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução21 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório R (…) intentou a presente acção especial de jurisdição voluntária, requerendo que se proceda a inquérito judicial à sociedade I (…) Lda.

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O requerente alega que a sociedade requerida é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a realização de inspecções técnicas a veículos a motor, tendo o capital social de € 24.939,90, repartido por duas quotas, de € 12.469,95 cada uma, sendo uma quota titulada por (…) e outra quota titulada por (…). Justifica a sua qualidade de sócio da I (…) por sucessão mortis causa, uma vez que a quota de que é contitular pertencia ao sócio e gerente da sociedade (…), que era seu pai e que faleceu em 18 de Julho de 2009.

Invoca que, tendo detectado irregularidades praticadas pelos gerentes (…) e (…), e apercebendo-se que estes haviam deixado a gestão da sociedade aos funcionários, endereçou à gerência, em 9 de Setembro de 2009, uma carta na qual solicitou a documentação da empresa. A 14 de Outubro de 2009 deslocou-se à empresa que presta serviços de contabilidade à sociedade, para consultar a documentação, tendo então constatado outras irregularidades. Na sequência desta consulta, e porque constatou a falta de diversos documentos, a 26 de Outubro de 2009 endereçou uma nova carta à requerida, solicitando alguns esclarecimentos, solicitação que reiterou por nova missiva de 10 de Novembro de 2009, sem obter resposta. Encetou então diversas diligências, nomeadamente consultas da prestação de contas de 2008 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, no âmbito das quais detectou mais irregularidades que denotam que a gestão da sociedade tem sido lesiva do interesse social. Por fim, no dia 7 de Janeiro de 2010, através da sua advogada, endereçou nova carta à gerência em que reiterou o pedido de documentos.

Alega ainda que se não fossem as diligências que efectuou, desconheceria quase por completo a situação financeira e contabilística da sociedade requerida, o que representa uma violação do seu dever de informação, e que pretende se proceda a inquérito a fim de descobrir as irregularidades apontadas e outras que se venham a apurar. Invoca por fim que, tendo adquirido a qualidade de sócio por ser herdeiro do titular da quota social, tem legitimidade para, desacompanhado dos demais herdeiros, pedir a realização de inquérito judicial, requerendo contudo à cautela, caso assim se não entenda, a intervenção principal provocada dos demais herdeiros.

Foram citados para contestar a acção a requerida I (…) Lda.

e os gerentes (…) A requerida I (…) Lda.

apresentou contestação, começando por invocar a ilegitimidade do requerente para requerer o presente inquérito judicial, por considerar que este não pode exercer autonomamente os direitos sociais emergentes da quota social cuja titular é a herança indivisa, e que, mesmo que se configure esta situação como contitularidade da quota, os respectivos contitulares apenas podem exercer os direitos a ela inerentes, nos termos do artigo 222º do Código das Sociedades Comerciais, através de representante comum, que no caso será a cabeça-de-casal, mãe do requerente. Acrescenta que, mesmo que assim não fosse, o requerente só teria legitimidade para requerer inquérito relativamente aos factos ocorridos a partir de 18 de Julho de 2009, data da morte do seu pai.

Mais invoca que a petição inicial é inepta por inexistência de pedido, porquanto o requerente não indica as concretas informações societárias que lhe não foram facultadas ou que lhe foram facultadas de forma deficiente. Refere que o único fundamento que divisa para o pedido de inquérito judicial por entrave ao exercício do direito de informação se reporta às missivas onde se solicita a acta que aprovou as contas respeitantes ao exercício de 2008, as quais não foram objecto de resposta por se desconhecer o mandato conferido à ilustre mandatária que as subscreveu.

Conclui pelo indeferimento liminar do pedido de inquérito, seja por ilegitimidade do requerente, seja por ineptidão da petição inicial, ou, se assim se não entender, pela inverificação dos pressupostos exigidos pelo artigo 216º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, bem como pelo indeferimento do pedido de intervenção principal provocada.

Por seu turno, também a gerente (…) contestou a acção, aderindo para o efeito à contestação da sociedade requerida e reiterando ainda argumentos no sentido da ilegitimidade do requerente e da inexistência de fundamentos para se proceder a inquérito. Mais refutou os factos alegados pelo requerente relativos à má gestão da sociedade e às supostas irregularidades cometidas, e concluiu pelo indeferimento dos pedidos formulados.

O requerente respondeu alegando que o pedido formulado consiste no pedido de realização de inquérito judicial à sociedade, estando o mesmo fundamentado na averiguação de determinados pontos de facto indicados ao longo do requerimento, e que, caso se entenda que é destituído de legitimidade, deverão ser chamados os restantes herdeiros.

Foi proferido despacho saneador que declarou a ilegitimidade activa do requerente e, em consequência, não se determinou a realização de inquérito judicial à sociedade I (…), Lda.

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Inconformado com esta decisão, o requerente interpôs recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões: (…) Os recorridos contra-alegaram pugnando pela total improcedência do recurso.

Ordenou-se a baixa dos autos à primeira instância a fim de serem conhecidas as arguidas nulidades da decisão sob censura e, conhecidos os alegados vícios, colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Nulidade da decisão sob censura por contradição dos fundamentos com a decisão e por omissão de pronúncia; 2.2 Legitimidade singular do recorrente para requerer inquérito judicial a sociedade por quotas de que era sócio o seu falecido progenitor e cuja herança ainda não foi objecto de partilha; 2.3 Conformidade constitucional com o direito fundamental de acesso ao direito da conclusão da insanabilidade da ilegitimidade singular e da interpretação de que o...

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