Acórdão nº 586/07.9GBAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução26 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 586/07.9GBAND que corre termos na comarca do Baixo Vouga, Anadia – Juízo de Instância Criminal, o arguido A...

foi condenado, em 4/12/2009, pela prática de um crime de coacção agravada, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e n.º 2, 155.º, n.º 1, al. a), e 22.º, todos do C. Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 15 meses.

Foi, ainda, o referido A...

condenado a pagar à demandante B...

a quantia de 750 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a condenação até integral pagamento, à taxa legal, determinada nos termos do artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.

**** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 14/12/2009, o Ministério Público, defendendo a sua revogação, na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão ou, caso assim não seja entendido, a manutenção da suspensão, mas subordinada ao cumprimento de deveres, regras de conduta ou regime de prova, com PRS ou, ainda, a declaração de nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto quanto à decretada suspensão, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Por factos de 17/10/2007, o arguido foi condenado pela prática de um crime de coacção agravada, na forma tentada, p. e p. nos artigos 154.º-1-2, 155.º-1-a), 22.º e 23.º, todos do CP, na pena de 15 meses de prisão, suspensa por igual período, sem sujeição a deveres, regras de conduta ou regime de prova.

  1. Os factos provados, de onde avultam os antecedentes criminais do arguido, não autorizam o Tribunal a quo a suspender a execução daquela pena, ademais incondicionalmente.

  2. Na verdade, o seu percurso criminal já averba 6 condenações, 3 delas pelo crime de detenção de arma proibida, sendo que estes factos foram cometidos de novo com recurso a uma arma de fogo e ocorreram justamente durante a anterior suspensão da pena de 1 ano de prisão que vigora desde 18.1.2007 até 18.1.2011.

  3. A decretada suspensão incondicionada, ademais ocorrendo em simultâneo com outra anterior suspensão que perdurará por mais tempo, até 2011, redundaria numa absolvição encapotada, pois seria inócua/inútil e ineficaz, gerando um sentimento de impunidade, inutilidade e inoperância do direito criminal que urge combater.

  4. De facto, não se verifica o pressuposto material legitimador da suspensão a que alude o artigo 50.º-1 do CP, a qual não releva de mero capricho, arbítrio ou alvedrio do julgador, antes assenta na efectiva prova de factos objectivos conducentes à afirmação de um juízo de prognose favorável ao arguido pelo Tribunal.

  5. Ora, a este respeito, o que o arguido oferece é “uma mão vazia e outra cheia de nada”, pois que, note-se, nada, mesmo nada, se provou vg. no que concerne à sua personalidade, às condições da sua vida, à sua inserção familiar, social e laboral, à sua conduta anterior e posterior aos factos, etc.

  6. Ou seja, o Tribunal a quo não fundamentou minimamente a decretada suspensão, ademais tendo fortes argumentos que a desaconselhavam, como o vasto passado criminal do arguido, pelo que, nessa parte, a sentença é nula, nos termos dos artigos 374.º-2 e 379.º-1-a)-2, nulidade que ora se invoca.

  7. Mas, ainda que optasse pela suspensão, desde que devidamente fundamentada, então, vistas as fortes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, não poderia deixar de a subordinar, nos termos dos artigos 50.º-2, 51.º a 54.º, todos do CP, ao cumprimento de deveres; de regras de conduta ou com regime de prova, como sejam, vg. o ressarcimento ou satisfação moral à ofendida; o não contactar com aquela por qualquer modo ou abster-se de possuir armas de fogo durante certo período; a elaboração de PRS, acompanhado e monitorizado pelo IRS, etc., em ordem a promover a sua integração na sociedade e a afirmar a validade da norma jurídica violada.

  8. Ao decidir como decidiu, violou o Mº Juiz a quo, entre outros, os artigos 50.º a 54.º, do CP, e 374.º-2, do CPP, o que inquina a sentença de nulidade, nos termos do artigo 379.º-1-a)-2, do CPP.

    **** O arguido, notificado da sentença e da interposição do recurso em 16/5/2011, nada veio trazer aos autos.

    **** O recurso foi, em 1/7/2011, admitido.

    Nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 6/9/2011, no sentido da procedência do recurso, acompanhando integralmente as razões nele expostas.

    Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido, em 21/9/2011, exercido o direito de resposta pelo recorrente, pugnando este, então, pela manutenção integral da sentença recorrida.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    ***II. Decisão Recorrida: “(…) I – O TRIBUNAL JULGA PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS: 1.

    No dia 17 de Outubro de 2007, cerca das 15 horas, o arguido A… dirigiu-se ao local de trabalho da ofendida B..., sito em …, Anadia, levando com ele uma pistola preta de características não apuradas.

  9. Aí chegado, o arguido começou a discutir com a ofendida por causa de uma sociedade a ambos pertencente que estaria com problemas.

  10. Na sequência da discussão, o arguido empunhou a pistola que trazia consigo e, ao mesmo tempo que apontava na direcção da ofendida, disse-lhe em voz alta e tom sério: “Ou vens comigo ou dou-te um tiro!”, querendo com isso significar, e assim foi entendido por aquela, que a mataria se a mesma não o acompanhasse.

  11. Entretanto, o patrão da ofendida, C..., apercebeu-se da discussão e aproximou-se dizendo ao arguido para baixar a arma e abandonar o local, o que o mesmo acabou por fazer, embora com relutância.

  12. O gesto efectuado pelo arguido com a pistola e as palavras que proferiu nessa sequência deixaram a ofendida muito intranquila e assustada, receosa como ficou de que aquele possa levar a cabo o propósito anunciado.

  13. O arguido actuou com o propósito de constranger a ofendida a acompanhá-lo através do anúncio de que a mataria ou, no mínimo, a molestaria fisicamente alvejando-a a tiro, bem sabendo que dessa forma a deixava assustada, inquieta e com receio de vir a sofrer qualquer acto atentatório da sua vida ou integridade física, querendo agir da forma por que o fez.

  14. Sabia, também que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

  15. Em consequência da actuação do arguido, a ofendida sentiu medo, receio, inquietação pela sua integridade física e pela sua vida.

  16. Os factos ocorreram no local de trabalho da ofendida, circunstância que ainda mais a afectou pela vergonha e por todas as repercussões sociais que um incidente deste acarreta.

  17. Na manhã do dia em causa, ofendida e arguido estiveram os dois numa Clínica Médica Dentária, sita na …, em Seia, onde ambos receberam tratamentos dentários pagos pelo arguido, tendo sido indicado ao arguido um medicamento.

  18. Nessa manhã, pelas 11 horas, o arguido fez um levantamento bancário com o seu cartão de crédito.

  19. Por factos ocorridos a 20/04/1999, o arguido foi condenado (sentença a 23/04/1999; extinta a 21/01/2002) pela prática de um crime de detenção de arma proibida numa pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 1.700$00 (Proc. Sumário n.º 62/96 do Tribunal de Moimenta da Beira).

  20. Por factos ocorridos a 21/05/1999, o arguido foi condenado (sentença a 21/06/1999; trânsito a 06/07/1999; extinta a 24/09/2001) pela prática de um crime de detenção de arma proibida numa pena de 05 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 01 (um) ano (Proc. Sumário n.º 90/99 do Tribunal de Moimenta da Beira).

  21. Por factos ocorridos a 26/05/2003, o arguido foi condenado (sentença a 08/04/2005; trânsito a 27/04/2005) pela prática de um crime de desobediência qualificada numa pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (Proc. C.S. n.º 106/03.4GBLMG do Tribunal de Lamego).

  22. Por factos ocorridos a 06/10/2004, o arguido foi condenado (sentença a 31/03/2006; trânsito a 28/07/2008) pela prática de um crime de dano numa pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (Proc. C.S. n.º 539/04.9GBAND do extinto 2.º Juízo do Tribunal de Anadia).

  23. Por factos ocorridos a 13/12/2004, o arguido foi condenado (sentença a 15/11/2006; trânsito a 18/01/2007) pela prática de um crime de detenção de arma proibida numa pena de 01 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 04 (quatro) anos (Proc. C.S. n.º 393/04.0GBSCD do 1.º Juízo do Tribunal de Santa Comba Dão).

  24. Por factos ocorridos em 08/2001, o arguido foi condenado (sentença a 21/07/2008; trânsito a 10/09/2008) pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal numa pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 14 (catorze) meses (Proc. C.C. n.º 13/02.8ZRCBR do 2.º Juízo do Tribunal de Lamego).

    II – O TRIBUNAL JULGA NÃO PROVADOS TODOS OS RESTANTES FACTOS, NOMEADAMENTE QUE: 1.

    Em consequência da actuação do arguido, a ofendida ficou profundamente afectada, alterando a sua postura de vida e a forma como passou a encarar as relações inter-pessoais.

  25. À data dos factos, a ofendida trabalhava no principal café de …, terra pequena, onde todos se conhecem e tudo se sabe. Café esse situado na rua principal da localidade, muito frequentado pelas pessoas da terra, sendo que rapidamente a notícia se espalhou e a ofendida passou a estar, como popularmente se diz: “nas bocas do mundo”.

  26. Toda esta situação afectou fortemente a sua situação laboral e o seu desempenho profissional, tendo a ofendida sofrido gravemente com isso, sentindo-se desajustada e marginalizada.

  27. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida evitou sair à rua com medo que o arguido a pudesse encontrar, reiterar a ameaça ou mesmo concretizá-la, perdeu apetite, começou a ter pesadelos nos poucos momentos em que conseguia dormitar, mais insónias teve, tornando-se uma pessoa mais isolada e anémica quando anteriormente era uma pessoa mais alegre, extrovertida, lutadora e com gosto pela...

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