Acórdão nº 199/10.8GDCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | ALBERTO MIRA |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório 1.
No âmbito do inquérito registado sob o n.º 199/10.8GDCNT que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Cantanhede, o Ministério Público proferiu, em 7 de Janeiro de 2001, a fls. 64/66, ao abrigo do disposto no artigo 283.º do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), acusação contra a arguida A...
, devidamente identificados nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.
Por sua vez, a assistente B... deduziu, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPP acusação contra a mesma arguida, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal (cfr. fls. 75 dos autos).
O Ministério Público acusou pelos factos constantes da acusação particular e a assistente aderiu à acusação pública (cfr. fls. 77 e 92).
* 2.
Inconformado com os despachos de acusação, a arguida requereu a abertura de instrução, nos precisos termos de fls. 98/102.
* Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho de não pronúncia.
* 3.
A assistente interpôs recurso desta decisão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
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Nos presentes autos foi deduzida acusação contra a arguida A... sendo-lhe imputada a autoria do crime de ofensa à integridade física bem como do crime de injúria.
B) Requereu a arguida a instrução sendo proferido despacho de não pronúncia com base na inexistência de indícios suficientes da prática dos citados crimes pela mesma.
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O despacho de não pronúncia é totalmente omisso quanto à indicação dos factos indiciários.
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Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 308.º do CPP ao despacho de pronúncia ou não pronúncia é aplicável o estipulado no art. 283.º n.ºs 2 e 3 do mesmo diploma legal isto é, o mesmo deve conter “a narração ainda que sintética dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança” sob pena de nulidade.
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O despacho proferido deverá assim ser substituído por outro onde constem os factos indiciados e não indiciados que permitam concluir pela pronúncia (cfr. neste sentido Ac. Tribunal da Relação do Porto, Rec. Penal n.º 58/07.1TAVNH.P1 - 1.ª Secção, que a recorrente ousou seguir atenta a similitude com os presentes autos).
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Sem em nada prescindir do acima referido, dir-se-á que da análise conjunta e conjugada da prova testemunhal e documental constante dos autos resulta existirem elementos que permitem concluir pela autoria dos mesmos por parte da arguida.
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Concretamente as declarações da assistente bem como os depoimentos das testemunhas por si oferecidas e ainda o relatório de perícia médica elaborado pelo I.M.L. da Figueira da Foz.
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Que ao contrário do constante do despacho recorrido não podem ser colocados em crise, mormente com os fundamentos aí referidos como sejam as relações familiares próximas (filha e genro da assistente), interesses por apurar em questão cível subjacente aos factos relatados nos autos e, até, num indiciado acordo prévio quanto ao teor das declarações.
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Principalmente quando em confronto com a demais prova constante dos autos, designadamente com os depoimentos das testemunhas indicadas pela arguida, inclusive a única testemunha ouvida em sede de instrução entendida como “a única testemunha que poderia apresentar alguma isenção” (não obstante ser mandatário judicial da arguida), dadas as evasivas e contradições patentes nos respectivos depoimentos.
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Assim, e nos termos do disposto nos arts. 308.º e 283.º do Código de Processo Penal, deveria ter sido proferido despacho de pronúncia.
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Ao ser proferido despacho de não pronúncia, foi violado o disposto no artigo 308.º, n.º 1 e 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Deve assim revogar-se a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por despacho de pronúncia, como é legal e de justiça! * 4.
O Ministério Público e a arguida remataram as respostas que apresentaram ao recurso nos termos infra transcritos:
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Ministério Público: 1. A douta decisão instrutória não descreve nem especifica quais os factos que considera e que não considera suficientemente indiciados.
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O n.º 2 do artigo 308.º do Código de Processo Penal não distingue entre despacho de pronúncia e de não pronúncia e, não fazendo a lei essa distinção, deve-se entender que quer o despacho seja de pronúncia ou não pronúncia deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma legal, sob pena de nulidade.
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Quanto ao mais, entendemos que não assiste razão à recorrente, uma vez que a douta decisão recorrida fez uma análise exaustiva dos indícios recolhidos em sede de inquérito e em sede de instrução, não merecendo, quanto a nós, qualquer reparo e tendo andado bem ao decidir não pronunciar a arguida A... pelos crimes de ofensa à integridade física simples e injúria por que vinha acusada.
Termos em que deve ser revogado o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que contenha a descrição factual indiciada e, caso assim se não entenda, deve ser mantida a douta decisão de não pronúncia.
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Arguida: l. Nos presentes autos, foi proferido despacho de não pronúncia pelos crimes de ofensa à integridade física e injúria.
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Não concordando com o douto despacho, vem a assistente ora recorrente interpor o presente recurso, requerendo a nulidade da decisão instrutória por falta de fundamentação quanto à matéria de facto, entendendo ainda existirem indícios suficientes para a pronúncia da arguida pelos crimes de que foi acusada.
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Entende a ora recorrida que nenhuma censura há a fazer ao despacho recorrido, uma vez que a decisão instrutória contém todos os requisitos ou pressupostos que faz depender a sua validade.
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Assim o tribunal a quo, após a análise de todos os indícios recolhidos em sede de Inquérito e em sede de Instrução, fez a narração pormenorizada dos mesmos, contendo estes os depoimentos das testemunhas e relatórios médicos constantes dos autos, sem omitir qualquer elemento de prova importante para a tomada da decisão.
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Quanto à existência de indícios suficientes para submeter a arguida a julgamento, os mesmos não foram recolhidos, atenta toda a prova testemunhal e documental constante dos autos, tendo o tribunal a quo aplicado ao caso concreto todos os princípios teóricos referentes à Instrução e decisão instrutória.
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Assim, da análise dos indícios recolhidos em sede de Inquérito, relativamente à prova testemunhal, além das declarações da assistente que se revelaram totalmente parciais, sendo as duas testemunhas arroladas por aquela suas familiares próximas, e por tal facto corroboraram a sua versão.
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Atentos tais factos, bem decidiu o tribunal ao entender não serem tais depoimentos isentos, até porque foram contadas histórias com palavras muito semelhantes, o que parecia indicar um acordo prévio sobre o modo como as declarações seriam prestadas, daí serem descredibilizados, logo não relevantes para a boa decisão da causa.
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Apenas restou o relatório da perícia médico legal efectuado pelo I.M.L da Figueira da Foz, quanto ao crime de ofensa à integridade física; ainda que a arguida tivesse ferido a assistente seria ao tentar soltar-se, uma vez que estava a ser agarrada nos peitos pela recorrente.
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Da análise dos indícios recolhidos em sede de Instrução, o depoimento da única testemunha arrolada, C..., revelou-se determinante para a prolação do despacho de não pronúncia da arguida, uma vez o mesmo “referiu que a arguida não dirigiu qualquer expressão injuriosa”, fls. 144 do despacho recorrido, quanto ao crime de injúria de que foi acusada.
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O tribunal a quo apenas valorou aquele depoimento por se mostrar “espontâneo, sério, peremptório, e por isso credível”, pois era a única testemunha que poderia apresentar alguma isenção, uma vez não se tratar de nenhum familiar das partes, tendo “deposto no sentido de não ter a arguida praticado os factos por que vem acusada, tendo as suas declarações permitido afastar os fracos indícios recolhidos em Inquérito (uma vez que o tribunal não conclui pela credibilidade das testemunhas que depuseram contra a arguida)”.
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Ainda quanto à ofensa à integridade física, aquela testemunha, C..., “... referiu, de forma séria e que permitiu convencer o tribunal que, aquando do momento em que a assistente se agarrou aos peitos da arguida, a mesma se tentou libertar, os familiares da assistente se agarraram e, nesse confronto, acabaram por lhe fazer um pequeno golpe no nariz, que é compatível, com o decurso do tempo, com a lesão na face apresentada pela queixosa”.
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Porquanto, se eventualmente a arguida tivesse ferido a assistente ao tentar soltar-se, seria ainda de convocar, segundo a versão da única testemunha que se afigurou credível ao tribunal no âmbito da Instrução requerida, uma causa de exclusão da ilicitude, designadamente, legítima defesa, pois foi a forma da arguida se libertar da ofensa a que estava a ser alvo.
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Pelo atrás exposto, continua a não merecer qualquer censura ou reclamação o despacho recorrido, uma vez que ponderaria a dúvida, que é bastante razoável, no sentido de favorecer a arguida, dando-se num eventual julgamento a que fosse submetida como não provados os factos que poderiam responsabilizá-la penalmente.
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Da mesma forma, dúvidas não restam da operância do princípio in dubio pro reo, caso a arguida ora recorrida fosse submetida a julgamento, pois este princípio é o corolário da garantia constitucional da presunção da inocência, cfr. art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.
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Por tudo o exposto, entende-se que o tribunal a quo decidiu em total conformidade com os normativos constitucionais e legais, fundamentando correctamente toda a matéria produzida em sede de Instrução, devendo, por tal facto ser mantida integralmente a decisão...
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