Acórdão nº 849/10.6TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1. “SSS…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Câmara Municipal de Z... que lhe impôs coima de € 5000 (cinco mil euros), pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 4.º, n.º 3, alínea f), e 98.º, n.ºs 1, alínea d) e n.º 4, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (doravante designado apenas por R.J.U.E), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo DL n.º 177/01, de 4 de Junho.

* 2.

Interposto recurso de impugnação judicial, pela arguida, através de despacho elaborado em 3 de Setembro de 2010, o Sr. Juiz do 4.º Juízo Criminal de Z... julgou prescrita a referida contra-ordenação.

* 3.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desse despacho, tendo extraído da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Nos presentes autos, a decisão administrativa, proferida em 18.03.2009, condenou a arguida SSS…, Lda., por violação do disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 4.º, do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 98.º do R.J.E.U (Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 04.06).

  1. – Ora, de acordo com o preceituado no citado artigo 4.º, n.º 3, alínea f) do R.J.E.U «estão sujeitas a autorização administrativa: a utilização de edifícios ou suas fracções, bem como as alterações à mesma que não se encontrem previstas na alínea e) do número anterior», sendo que tal comportamento é punido nos termos estabelecidos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 98.º do citado R.J.E.U, com coima graduada entre € 498,00 e € 249 398,95.

  2. – Assim, ao contrário do entendimento expendido na douta sentença ora em recurso, a punição imposta à arguida prende-se com a utilização de instalações sem possuir a respectiva autorização de utilização e não com a efectuação de obras não licenciadas.

  3. – Na verdade, a edificação de obras sem licença e a utilização de instalações sem autorização administrativa são comportamentos distintos, com punições autónomas e distintas.

  4. – E esta distinção mostra-se decisiva, designadamente, no que concerne à prescrição do procedimento contra-ordenacional, por efeito da qualificação da infracção como contra-ordenação permanente.

  5. – De facto, no caso em apreço, a ocupação de uma edificação pela arguida, sem possuir licença de utilização para o efeito, é por natureza uma infracção permanente, uma vez que o momento de consumação perdura enquanto o infractor não cessar o comportamento ilícito, mediante a obtenção do licenciamento ou pela cessação da utilização do local.

  6. – Por outro lado, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, no momento em que deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.

  7. – Os ilícitos permanentes não se confundem com os ilícitos de efeitos duradouros ou permanentes.

  8. – Os ilícitos permanentes são aqueles cuja execução se prolonga no tempo, no sentido de que há uma voluntária manutenção da situação antijurídica, até que cesse.

  9. – Ora, sendo a prescrição uma causa extintiva da responsabilidade contra-ordenacional, não pode a mesma decorrer senão a partir do momento em que essa responsabilidade se estabelece sobre actos materiais que, uma vez chegados ao seu termo, configuram a contra-ordenação consumada.

  10. – Assim, sendo a contra-ordenação dos autos uma infracção em que a realização do acto ou produção do evento com prolongamento no tempo do estado antijurídico típico por efeito de constante renovação da resolução contra-ordenacional do agente, o qual tem a faculdade de lhe por termo a qualquer altura, terá a mesma de ser classificada como infracção duradoura ou permanente.

  11. – Considerando-se a contra-ordenação dos autos como sendo uma contra-ordenação permanente o prazo de prescrição da mesma só se inicia com a cessação do facto executivo, ou seja, só começa a correr no dia em que cessa a consumação.

  12. – De acordo com o estabelecido na alínea a) do artigo 27.º do R.G.C.O., o procedimento contra-ordenacional extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação haja decorrido o prazo de cinco anos, sempre que à infracção seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 49.879,79.

  13. – E, não obstante poderem verificar-se causas de interrupção ou de suspensão do procedimento contra-ordenacional, existe um limite temporal máximo a partir do qual se opera sempre a prescrição do procedimento, uma vez que, ao abrigo do n.º 3 do artigo 28.º do R.G.C.O, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

  14. – Assim, verifica-se que, no caso sub judice, o prazo máximo de prescrição legalmente admissível é de sete anos e seis meses (isto é, o prazo de cinco anos previsto na alínea b) do artigo 27.º do R.G.C.O acrescido de dois anos e seis meses em conformidade com o n.º 3 do artigo 28.º do R.G.C.O.

    ), contados sobre a prática da contra-ordenação (em conformidade com o disposto na alínea a) do artigo 27.º do R.G.C.O).

  15. – Mas, como se disse supra, sendo a contra-ordenação dos autos considerada contra-ordenação permanente o prazo da prescrição da mesma só corre desde o dia em que cessa a consumação.

  16. – E, de acordo com os factos dados como provados na decisão administrativa, é possível concluir que a arguida manteve a utilização das instalações ampliadas, pelo menos, desde 04/10/2002 até 08/04/2008, sem possuir licença de utilização para esse efeito.

  17. – Assim, a infracção pratica pela arguida não se pode ter por consumada antes de 08/04/2008 (data em que a própria arguida informou a Câmara Municipal de Z... que se encontrava a utilizar as referidas instalações).

  18. – Consequentemente, tendo por referência a data de 08/04/2008 e o prazo prescricional de cinco anos, aplicável à ocupação das instalações da arguida sem licença de utilização (nos termos da alínea a) do artigo 27.º do R.G.C.O. e da alínea d), n.º 1 e n.º 4, do artigo 98.º do R.J.E.U), verifica-se que o procedimento contra-ordenacional dos presentes autos não se encontra prescrito.

  19. – Razão pela qual entendemos que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que declare não prescrito o procedimento contra-ordenacional dos presentes autos.

    * 4.

    A arguida respondeu ao recurso. Porém, por despacho de fls. 196, a resposta foi rejeitada, porque extemporânea.

    * 5.

    Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 203, louvando-se nos fundamentos do recurso, pugnou pela procedência deste.

    * 6.

    Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, a arguida-recorrente não exerceu o seu direito de resposta.

    * 7.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    *** II.

    Fundamentação: 1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Em...

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