Acórdão nº 237/08.4GCTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | ALBERTO MIRA |
Data da Resolução | 19 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório: 1.
No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido L...
, divorciado, empresário, residente …, Sintra, acusado da prática, em autoria material, de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355.º, do Código Penal.
* 2.
Em sentença de 19 de Julho de 2010, o tribunal condenou o arguido L…, pela prática, como autor material, do referido crime, na pena de 1 (um) ano de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período de tempo.
* 3.
Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
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A sentença ora em crise não poderia ter dado como provado: i. que o arguido tivesse tido perfeito conhecimento das advertências feitas ao M...; ii. que estivesse ciente da legitimidade da apreensão e das obrigações inerentes ao cargo de fiel depositário; iii. que o arguido tivesse subtraído ao poder público o veículo apreendido; iv. que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de a subtrair ao poder público, e que soubesse que a sua conduta era proibida por lei.
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Face aos factos dados como provados, a sentença enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C.P.P..
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Acresce que a matéria de facto na realidade provada é insuficiente para a condenação pelo crime de que acusado e para uma correcta aplicação do direito – não contém os elementos essenciais para a condenação pela prática do crime de que vem acusado.
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O arguido é acusado e condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal.
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Os elementos do tipo de crime são: destruição; danificação; inutilização ou subtracção ao poder público.
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Para além do cariz definitivo da frustração da finalidade da custódia acima referido é necessário ainda que o depositário, neste caso o arguido, tivesse sido devidamente notificado a fazer a entrega do bem e a não tenha feito.
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Resulta da fundamentação da própria sentença (pág. 7, 3.º parág.) “…seja por via do seu descaminho, em que consubstancia, por exemplo, a sua venda ou qualquer outra forma de alienação a título definitivo”.
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A pedra de toque desta fundamentação é o caris definitivo da perda da garantia patrimonial objecto da penhora.
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Mesmo com base nos factos dados como provados, não se mostram preenchidos os elementos do tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado.
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O arguido actuou sem dolo.
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O arguido actuou sem consciência da ilicitude dos factos.
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A pena aplicada é claramente desproporcionada, devendo ter-se optado por medida não privativa de liberdade.
Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão absolutória.
*4.
O Ministério Público rematou a resposta ao recurso nos termos infra transcritos: 1. No que se reporta à existência dos vícios previstos no artigo 410.°, do Código de Processo Penal, considera o Ministério Público que os mesmos não se verificam.
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Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede audiência de julgamento, resultou provado que o arguido/recorrente praticou a factualidade dada como provada na sentença.
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Nesta conformidade, do teor dos depoimentos das testemunhas e os demais elementos de prova constantes dos autos, há, necessariamente, que concluir que a matéria factual dada como provada pelo Mmo Juiz “a quo” foi correcta, tendo sido adequadamente valorada a prova acima referenciada.
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Comete o crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355,°, do Código Penal, aquele que, tendo conhecimento que o veículo se encontra apreendido pela G.N.R., mesmo, assim, o utiliza.
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A decretada apreensão do veículo deixaria de ter sentido se quem quer que fosse o pudesse utilizar, a seu belo prazer, para viagens curtas ou longas, sabendo que o mesmo se encontrava apreendido pelo poder público do Estado.
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Com a sua actuação - e ao contrário do que argumenta - impediu, frustrou, a finalidade da submissão dos bens ao poder público do Tribunal, que os tinha apreendido e entregue à guarda do fiel depositário, para que este os apresentasse logo que fosse determinado.
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Atenta a matéria de facto dada como provada, e que em nosso entender não merecerá qualquer reparo, o arguido foi condenado pela prática do crime de descaminho, previsto e punido pelo artigo 355.°, do Código Penal, na pena de l (um) ano de prisão suspensa na execução por igual período.
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Atenta a matéria de facto dada como provada, e tendo em conta os critérios enunciados no artigo 71.° do Código Penal, bem como as finalidades inerentes à aplicação das penas, consideramos que o tribunal “a quo” não interpretou da forma mais correcta os critérios determinativos da pena concretamente aplicável, não valorizando certas atenuantes e optando por uma pena de prisão, suspensa na execução, particularmente rigorosa, que, em nosso entender, não se mostra adequada, proporcional e justa ao caso em apreço.
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Considerando-se que, interpretando adequadamente as circunstâncias valoradas na sentença recorrida, bem como os critérios enunciados no artigo 71.° do Código Penal, maxime o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, à sua integração na sociedade, entendemos que a pena aplicada ao recorrente deverá ser substituída por outra que aplique ao mesmo uma pena de prisão de 6 meses, substituída por igual período de multa, à razão de € 7,50 dia, num total de 1.350,00 €; e ainda, caso não efectuasse o pagamento da multa, cumpra a pena de prisão fixada.
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Atentos os limites mínimo e máximo abstractamente previstos, e a situação económica e financeira do recorrente, não poderá deixar de se reconhecer que a taxa fixada não é exagerada.
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Pelo exposto, consideramos que a sentença proferida pelo tribunal “a quo” apenas violou a interpretação a dar ao preceito legal contido no artigo 71.°, do Código Penal, devendo se revogada nesta parte e substituída por outra decisão que interprete correctamente as circunstâncias ali enunciadas, e que não tendo sido violados quaisquer outros normativos legais, deverá quanto ao mais ser mantida na íntegra a sentença recorrida.
*5.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer que, na parte mais relevante, passamos a reproduzir: «Ora, sobre o objecto do presente recurso, pese embora devamos assinalar que não nos parece que assista qualquer razão ao recorrente no que toca à matéria de facto fixada, e por isso mesmo sufraguemos em geral a resposta à motivação do recurso apresentada pelo Exm.° Procurador-Adjunto junto da 1.ª instância, quer-nos porém parecer que o recurso do arguido deverá, também por outras razões, ser merecedor de parcial provimento no que toca à subsuncão dos factos ao ilícito penal pelo qual o arguido foi condenado, e concedendo-se também por isso quanto ao invocado vício da insuficiência da matéria de facto para a condenação.
Com efeito, por referência à matéria de facto dada como provada na sentença, da execução a que se reconduzem os factos, mais do que se explanou na matéria de facto, o que resulta é que o arguido recorrente, enquanto ali fiel depositário do veículo …, o qual foi ali penhorado e subsequentemente apreendido, e a quem foi notificado de que tinha “a obrigação de não utilizar nem alienar por qualquer outra forma e de o entregar quando lhe for exigido, ficando notificado de que a utilização ou a alienação o fará incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível nos termos do disposto no n.º l alínea b) do Artigo 348.° do Código Penal” (sublinhado nosso) (cfr. motivação da matéria de facto e Auto de Apreensão de fls. 20).
Ora, o tribunal fez coincidir o conceito de subtracção com a utilização do automóvel que o agente estava obrigado a não fazer, proferindo sentença condenatória sem que para tal tivesse de facto matéria de facto bastante, designadamente também quanto ao elemento subjectivo, enfermando assim a sentença do vício do art. 410.° n.° 2 a) do C.P.P., ou seja, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, incorrendo também a sentença no vício da alínea c) do mesmo normativo penal, qual seja o erro notório na apreciação da prova.
De facto, tendo o arguido sido notificado, enquanto fiel depositário, de que em caso de utilização do veículo automóvel, incorreria no crime de desobediência do art. 348.° n.° l b) do C.P., (referido Auto de fls. 20), tendo o arguido perfeito conhecimento das consequências dessa utilização do veículo, não se percebe, não só a acusação pelo crime de descaminho do art. 355.° do C.P., como também a sua condenação por esse crime.
Na nossa perspectiva, para além de que, designadamente no ponto 3 da matéria de facto dada como provada, se deveria ter ido mais longe nos termos da notificação constante do Auto de Apreensão de fls. 20, afigura-se-nos que os factos integrarão sim o crime de desobediência do art. 348.° n.° l b), e não o de descaminho do art. 355.°, ambos do C.P., pelo que se terá...
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