Acórdão nº 549/07.4TAENT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, sob acusação do Ministério Público foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido V...

, casado, motorista, residente em XX..., , ..., imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Código Penal ( de acordo com as alterações aprovadas pelas Lei n.º 59/07, de 04.09) e, à data dos factos, um crime designado de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a), do mesmo Código.

Realizada a audiência de discussão e julgamento o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24 de Junho de 2009, decidiu: - Absolver o arguido V... da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a) e n.º2, do Código Penal e, à data dos factos, um crime designado de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a), do Código Penal; - Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Setembro de 2001; - Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Março de 2007; - Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Novembro de 2007; - Operar o cúmulo jurídico das penas e condenar o arguido V..., pela prática dos crimes referidos, na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), perfazendo a multa global de € 1.840 (mil oitocentos e quarenta euros).

Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido V..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: A.- A douta sentença em recurso está enfermada de nulidade insanável vícios previstos nos artigos 48.º,49.º e 50.º do Código de Processo Penal e artigos 115.º a 117.º do Código Penal, porquanto nos crimes semi-públicos a queixa da ofendida condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção do procedimento por esses crimes, constituindo a legitimidade do Ministério Público requisito de validade do processo, pelo que, não tendo sido apresentada queixa pelo crime de tempestivamente não podia o tribunal conhecer da sua existência.

B.- Quanto à matéria dada como provada nos pontos 3 e 4 da douta sentença, o direito de queixa relativos aos mesmos caducou, porquanto tendo a queixa sido apresentada em 28/11/2007 e reportando-se tal factualidade a Setembro de 2001 e 10 de Março de 2007, decorreram mais de seis meses.

C.- O artigo 115.º do Código Penal, impõe que a averiguação dos requisitos necessários ao exercício do direito de queixa tem de reportar-se ao momento da sua apresentação, sendo este um prazo de caducidade para o efeito do respectivo calculo, subordinado à regra de contagem do artigo 279.º do Código Civil.

D.- Por conseguinte é apreciado oficiosamente pelo juiz ou pelo Ministério Público, em qualquer fase do processo, devendo ser declarado extinto tal direito e por conseguinte deve ser declarado caducado o elemento essencial de procedibilidade da queixa.

A falta do elemento essencial de procedibilidade da queixa implica, quanto aos 2 crimes dados como provados no ponto 3 e 4 da matéria dada como provada na douta sentença, implica a nulidade do processo (Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, página 34). Nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final - cfr. artigo 119.º alínea b) do Código de Processo Penal.

E.- Efectivamente este preceito comina com nulidade insanável a falta de promoção do processo pelo Ministério Público “nos termos do artigo 48.º”, artigo este que também nos remete para os artigos 49.º e 50.º do mesmo Código de Processo Penal. Isto porque, nos crimes semi-públicos a queixa da ofendida condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção do procedimento por esses crimes, constituindo a legitimidade do Ministério Público requisito de validade do processo.

F.- Não tendo sido apresentada queixa pelo crime de tempestivamente (artigo 115.º a 117.º do Código Penal) não podia o tribunal conhecer da sua existência.

Pelo que, nesta parte deverá, pois, declarar-se a sentença nula e de nenhum efeito por violação dos artigos 113.º, 114.º,115.º, 116.º e 117.º do Código Penal, 32.º,n.º 1 da Constituição da República, e ainda artigos 48.º, 49.º, 50.º do Código Processo Penal.

G.- Quanto à factualidade vertida nos pontos 7, 8 e 9 da matéria dada como provada este tipo de ilícitos estabelece como autêntico pressuposto de procedibilidade e legitimidade na prossecução do procedimento criminal, que o titular do direito de queixa formule e expresse a respectiva queixa, tendo de exercer de forma expressa esse seu direito.

H.- A queixa configura-se assim como um autêntico pressuposto de admissibilidade sobre o processo criminal, pressuposto processual, de natureza adjectiva, mas é também uma condição material de responsabilidade penal do agente - artigos 113.º, 114.º, 115.º, 116.º, 117.º, do Código Penal e ainda artigos 48.º,49.º, 50.º, do Código Processo Penal.

I.- A ofendida apresentou queixa pelos seguintes factos vertidos na douta acusação pública, nomeadamente, por no início de Novembro de 2007, ... Na sequência do desentendimento, o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a. Desferiu ainda na mesma, vários socos com o punho fechado. Apertou-lhe também o pescoço com ambas as mãos. Enquanto a agredia, o arguido chamou também C... de “puta” e “vaca”, em voz alta e tom áspero.” J.- Na douta sentença a fls. 5 é assente na matéria dada como não provada que: “No início de Novembro de 2007, o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a, desferiu-lhe vários socos com o punho fechado, apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos e chamou-a de "puta" e "vaca." L.- Tendo o Tribunal “a quo” condenou o recorrente por ter “puxado os cabelos”, naquela data, relativamente às quais não há queixa, não há acusação, condição de procedibilidade criminal.

M.- Nos termos artigo l43.º do Código Penal o procedimento criminal pelo crime de ofensas à integridade depende de queixa, sendo que nos termos do artigo 48.º do C.P.P o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal com as restrições constantes nos artigos 49.º a 52.º do citado diploma.

N.- Assim, atento o disposto no artigo 49.º do CPP o Ministério Público só pode promover o procedimento se o ofendido lhe tiver dado conhecimento dos factos através da formalização de uma queixa, como um acto voluntário, uma declaração destinada a produzir efeitos jurídicos em que a ofendida manifesta ao Ministério Público ou a outras entidades que a deverão transmitir àquele a vontade de que seja punido quem for criminalmente responsável, só assim podendo haver impulso processual quer nos crimes particulares que nos crimes semi-públicos.

O.- Nos termos do no 3 do artigo 49.º do CPP a queixa só pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais.

P.- Dos autos apenas consta a formalização de uma queixa em que a ofendida denuncia, outra factualidade, não fazendo alusão a quaisquer “os puxões de cabelo” naquela data, não tendo deduzido processualmente a ofendida a intenção de que por tais “puxões de cabelo” o arguido responder penalmente.

Q.- A condenação além de depender de queixa, dependia da alegação na acusação de que o arguido tinha “puxado os cabelos” á ofendida, sendo essencial que tais factos sejam averiguados e decididos com respeito do princípio do acusatório (art.32 n.º 5 da CRP).

R.- Diz-nos este que o tribunal apenas pode julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (o MP ou o juiz de instrução), sendo a acusação que define e fixa, perante o tribunal de julgamento, o objecto do processo.

S.- Sem que tenha havido queixa e acusação formalizada, o Tribunal a quo extravasava a sua competência e a ultrapassa a sua legitimidade, pelo que existe uma nulidade insuprível por violação do artigo 143.º do C.P e artigos 48.º e 49.º do Código de Processo Penal, pelo que foram violados tais preceitos na douta decisão recorrida.

T.- O presente recurso não se restringe só ao direito, mas versa também sobre a matéria de facto, já que da audição do registo digital, nomeadamente, dos depoimentos transcritos no corpo desta motivação ( que aqui se dão por reproduzidos), resulta que devia ter sido dado como provado, que a ofendida várias vezes esbofeteou o marido e que no inicio de Novembro de 2007, o arguido puxou o cabelos na sequência da ofendida lhe ter desferido uma bofetada, e U.- E não podia nem devia ter sido provado que o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito concretizado de ofenderem a integridade física da ofendida, devendo antes, dar-se como provado que a sua conduta do recorrente se limitou a uma resposta à agressão que sofrera, do que resulta ser de aplicar o disposto no número 3 do artigo 143.º do Código Penal: a retorsão.

V.- Sem prescindir, mesmo que se entendesse que relativamente aos factos de Novembro de 2007, o Ministério Publico tinha legitimidade para impulsionar o procedimento criminal por factos que não foram objecto de queixa, devia ser tal factualidade enquadrada como retorsão e o arguido dispensando de...

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