Acórdão nº 2643/08.5PBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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No processo comum colectivo n.º 2643/08.5PBAVR do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro, o arguido PC...
, devidamente identificado nos autos, único recorrente dos autos, por acórdão datado de 23 de Junho de 2010, foi CONDENADO pelo seguinte crime e pena: - em co-autoria material, um crime de roubo (simples), com violência depois da subtracção, previsto e punido pelos artigos 211º e 210º, nºs 1 e 2 b), ex vi artigos 204º, nº 2 e) e 4, e 202º c), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 2.
Inconformado, o arguido PC... recorreu da sentença.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O arguido confessou os factos pelos quais vinha acusado, depondo, igualmente sobre o facto de data da prática dos factos ser toxicodependente.
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Aos toxicodependentes deve ser aplicado o regime do cálculo da medida da pena em relação aos alcoólicos ex vi Art. 88.° do C Penal que remete para os Art.s 86.° e 87.° desse mesmo Diploma Legal.
3 — O Colectivo a quo não fez referência no acórdão ora em crise a que haja recorrido à aplicação de uma pena indeterminada mas correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido.
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As testemunhas arroladas pela acusação, seja, TP..., e DD…, em momento algum referiram que o arguido/recorrente tenha socorrido da violência para continuar na posse do montante pecuniário que havia momentos antes subtraído.
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A testemunha TP... refere expressamente que o arguido teve receio, teve medo, de que seriam dois contra um e então tentou fugir livrando-se dele, pois que, o havia manietado.
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A fuga/libertação do arguido ocorreu quando os mesmos (arguido e testemunha TP...) se encontravam agarrados e num jogo de empurrões e de puxa para cá e para lá — conforme relato da testemunha TP...no seu depoimento.
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Resulta, igualmente, do depoimento daquela testemunha que o arguido não teve intenção de o agredir colocando-o numa impossibilidade de oferecer resistência, pois que, ele próprio ofereceu resistência e conseguiu manietar o arguido.
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Há pois atendendo à prova produzida em Audiência de Julgamento uma dúvida notória, mais do que razoável uma dúvida intransponível sobre a prática do crime de violência após a subtracção, dando-se como provado o que notoriamente não se prova.
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“A apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever — o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios de objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo” (in, Prof Figueiredo Dias, Direito Processual Penal).
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Ora, “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo.”, em que se pronunciou o Tribunal Constitucional, no douto acórdão n° 1165/96, de 19 de Novembro.
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“A livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.” Sentido em que se pronunciou o STJ, no douto acórdão de 21 de Janeiro de 1999.
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Assim, «sendo a valoração um juízo de aceitabilidade dos enunciados fácticos em que consistem os resultados probatórios, e tendo em conta que estes são aceitáveis quando o seu grau de probabilidade é suficiente, os critérios (positivos) de valoração hão-de indicar o momento a partir do qual um enunciado fáctico alcança um grau de probabilidade suficiente e maior que qualquer outro enunciado alternativo dos mesmos factos.” (ABELLAN, Marina Gascón in «Los hechos en el derecho — Bases argumentales de la prueba», Marcial Pons, Madrid, 199).
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Há pois, em nosso entender, uma interpretação incorrecta dos depoimentos prestados pelas testemunhas da acusação em sede de Audiência de Julgamento, há uma apreciação arbitrária, emotiva e sem nexo lógico, não se tendo dado cumprimento ao dever de perseguir a verdade.
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Preteriu o Colectivo uma formalidade imposta pelo n° 1 do Art. 358.° do C Processo Penal não dando possibilidade ao ora recorrente de exercer defesa sobre a alteração não substancial efectuada e que levou a condenação em termos diferentes daqueles por que vinha acusado.
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Acto esse, o omitido, que acarreta uma inconstitucionalidade, uma vez que foi preterido o Art. 32.° da Constituição da República Portuguesa.
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Acresce que, a prova testemunhal, que se encontra devidamente gravada, deve ser reapreciada, pois que, a mesma não foi devidamente valorada, e, impõe decisão diversa da recorrida, uma vez que apenas ficou provado ter existido furto simples.
Termos em que, E nos demais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V.as Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência ser o Arguido, ora Recorrente, ver a pena privativa de liberdade em que foi condenado ser reduzida em conformidade com as alegações acima expostas».
3.
O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantida na íntegra, assente que a mesma fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei ao caso concreto.
Conclui assim: «1º- Não ocorreu qualquer erro de julgamento dos factos julgados como provados e o Tribunal “a quo” fez um correcto e minucioso exame crítico de toda a prova produzida em audiência de julgamento, na estrita observância do disposto nos artigos 127º e 374º, n.º 2 do CPP.
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- A prova produzida em audiência de julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais foi o recorrente condenado, descritos na matéria de facto julgada como provada sob o n° 10 a 16 e integradora do crime de roubo simples, com violência depois da subtracção.
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- Com efeito, essa prova, produzida, apreciada, ponderada e valorada pelo Tribunal de acordo com os preceitos legais aplicáveis e supra referidos, suporta objectivamente o julgamento de facto havido e impregna o processo decisório de formação da convicção do Colectivo de toda a justeza, correcção e objectividade que tal juízo tem que conter.
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- A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito e não é possuidora de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal, devendo ser mantida na íntegra».
4.
Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu parecer, defendendo a justeza do acordado e remetendo para a resposta do Colega de 1ª instância.
5.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que se seguiu a legal conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO 1.
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber 1º- Existe erro notório na apreciação da prova quanto à factualidade C? 2º- Existe erro de julgamento quanto à factualidade C? 3º- Foi preterida uma formalidade essencial, no caso, a notificação a que se alude no artigo 358º do CPP? 4º- Foi excessiva a pena de prisão aplicada, devendo antes ser-lhe aplicada uma pena relativamente indeterminada? 2.
DO ACÓRDÃO RECORRIDO 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos «A1) No dia 26 de Novembro de 2008, no período compreendido entre as 12.30 e as 14.00 horas, indivíduo ou indivíduos não identificados dirigiram-se ao estabelecimento comercial denominado “XXX….”, sito na Estrada de …, Aveiro, de cuja sociedade proprietária é gerente AP..., com o intuito de se apoderarem dos objectos que ali encontrassem.
2) Chegados aí, e como a porta do mesmo se encontrava fechada, estroncaram-a com objecto não apurado, por onde entraram para o referido estabelecimento.
3) Dali retiraram os seguintes objectos, alguns pertença daquela sociedade e outros pertença de MR…: - 1 (um) cofre portátil de cor vermelho, de marca “ ...”, de valor não apurado, o qual continha no seu interior alguns documentos e cheques; - 2 (duas) chaves de um veículo de marca “ ...”, com os n°s de série ... e ...; - 1 (uma) calculadora de cor cinza, de valor não apurado; - 1 (uma) pasta mostruário de cor preta, de valor não apurado; - 1 (uma) caixa para divisão de moedas, de cor preta; - 1 (uma) mala em Nylon de cor preta, de marca “ ...”, que tinha no seu interior uma antena portátil de computador, de valor não apurado; - 1 (um) computador portátil de marca “ ...”, no valor de 1.200,00€; - 1 (um) par de óculos graduados de cor branca, no valor de 600,00€; - 1 (uma) mala em NYlon azul, própria para computador; - 1 (uma) carteira porta-documentos de marca “ ...”, dc valor não apurado; - 1 (um) estojo em pele de cor preto, o qual continha no seu interior 2 (dois) cabos de computador, de valor não apurado; - 1 (um) estojo em pele de cor preto, que continha no seu interior artigos pessoais, de valor não apurado, e - 1 (um) cartão de Multibanco da...
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