Acórdão nº 258/09.0GAFZZ.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011

Data23 Fevereiro 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 258/09.0GAFZZ que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, o Ministério Público, em despacho de 27 de Abril de 2010, acompanhou a acusação particular deduzida pelo assistente AF..., quanto ao crime de injúria imputado ao arguido AA... e, simultaneamente, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), proferiu despacho de arquivamento quanto aos demais factos participados.

*2.

Inconformado, o assistente AF... veio requerer a abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 107/116, para que a final fosse proferido despacho de pronúncia do arguido, pelo cometimento dos crimes que, no seu ponto de vista, estão suficientemente indiciados, o de ameaça agravada, p. e p. pelo artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, e o de coacção agravada, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do citado Código.

*3.

Admitida a abertura da instrução, e sem a realização de diligências instrutórias, teve lugar o respectivo debate, tendo a final o Sr. Juiz de Instrução proferido despacho de não pronúncia.

*4.

Desse despacho recorreu o assistente AF…, tendo formulando na motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Nos presentes autos, a Dignm.ª Magistrada do Ministério Público entendeu não deduzir acusação contra o arguido, por considerar que os factos que o assistente se queixou, abstractamente, não consubstanciam a prática de dois crimes de ameaça p. e p. pelos artigos 153.°, n.º 1 e 155.°, n.° 1, al. a), ambos do C. Penal.

  1. - Fundamentando o arquivamento do presente inquérito no n.° 1 do artigo 277.° do CPP, porque a conduta que o assistente descreve “não se trata de um mal futuro, mas sim iminente só não concretizado, porquanto o denunciante abandonou o lugar”; 3.ª - Discordando deste arquivamento, o assistente requereu a abertura da instrução, fundamentando que os factos denunciados: (1) têm enquadramento no âmbito da tutela penal; (2) estão verificados indícios suficientes da prática de crime de coacção agravada e de ameaça agravada: (3) divergindo, no entanto, quanto à qualificação jurídica abordada no despacho de arquivamento; 4.ª - Foram pedidas diligências de prova, relativamente à factualidade descrita no requerimento de abertura da instrução, que o douto tribunal indeferiu, designando desde logo debate instrutório.

  2. - Foi proferida decisão instrutória que decidiu não pronunciar o arguido pela prática dos crimes imputados no requerimento de instrução, de coacção agravada p. e p. pelos artigos 154.° e 155, n.° l, al. a), e ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º, n.º l e 155.°, n.° l, al. a), ambos do Código Penal; 6.ª - O assistente discorda da decisão proferida, pois que, em primeiro lugar, não resulta da decisão quais os factos apurados e que foram tidos em conta para a tomada de decisão, elementos que em nosso entender são essenciais à boa inteligibilidade da decisão e que a vicia de nulidade, nos termos e de acordo com o artigo 308.°, n.° 2 e 283.°, n.° 3, do CPP.

  3. - Sendo que, relativamente aos factos apurados em inquérito, não existem dúvidas que o Ministério Público profere despacho de arquivamento, tendo como base os factos da queixa, “confirmados pelas testemunhas”, admitindo a existência daqueles factos e, pronunciando-se de mérito, desqualificando a conduta como crime de ameaça e assim arquivando o inquérito com fundamento no n.° l do artigo 277.° do CPP, ao mesmo tempo que acompanha a acusação particular, com base nos mesmo depoimentos.

  4. - A presente decisão instrutória, sem ter sido realizada qualquer diligência de prova, recua nesta questão, visto que, decreta a não pronúncia com fundamento na falta de indícios suficientes, ou seja, no n.° 2 do artigo 277.°, designadamente, “na disparidade de versões e face à falta de detalhe e disparidade de depoimentos”.

  5. - Fundamento e contradição que o assistente não aceita e tem dúvidas sobre a sua legalidade.

  6. - Ora, dos autos as quatro testemunhas e o assistente são unânimes quanto à factualidade essencial - que o arguido detinha um arma - e todos eles, com excepção de uma única testemunha - que o arguido disparou um tiro para o ar e abriu a arma para a recarregar -, (sendo certo que a testemunha que refere não ter ouvido o tiro, tem vindo a ser “pressionada” pelo arguido quanto ao teor do seu depoimento).

  7. - Por outro lado, o douto tribunal retira estas conclusões (distintas do Ministério Público) apenas e só da interpretação e leitura dos relatos do assistente e testemunhas existentes no processo. Ora, se o tribunal tinha dúvidas quanto à “disparidade de versões” nos depoimentos prestados em inquérito, deveria ter realizado diligências instrutórias, não sendo permitido ao tribunal valorar e interpretar os depoimentos prestados e escritos em sede de inquérito, sob pena de violação do artigo 290.°, n.° 2 e 291.° n.° 3 do Código de Processo Penal em vigor.

  8. - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.°, n.° 1), sendo que, para o efeito, o juiz está obrigado a praticar todos os actos necessários à realização das finalidades referidas, designadamente, o interrogatório do arguido, que neste caso, se remeteu ao silêncio e a inquirição das testemunhas (que foram indeferidas e, não obstante, foram consideradas como não credíveis).

  9. - Sendo que, o artigo 291.º, n.° 3, do CPP, prevê que os actos e diligências de prova na fase de instrução são repetidos quando tal se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução, o que em nosso modesto entender sucede, face à decisão recorrida e à contradição existente com o despacho de arquivamento, que não colocou em causa o depoimento destas testemunhas.

  10. - Nesta situação, parece-nos essencial a reinquirição pelo juiz de instrução, fazendo funcionar o princípio da imediação e da livre apreciação da prova e de forma a se decidir ou não pela submissão da causa a julgamento.

  11. - E, com o devido respeito, da análise dos depoimentos descritos, é nosso entender que, no processo existem factos que merecem a intervenção de tutela penal e que são indiciadores suficientes da prática de crimes.

  12. - Os depoimentos prestados são suficientemente indiciadores da prática pelo arguido dos crimes de coacção agravada e ameaça agravada, não encontrando fundamento para desvalorizar tais depoimentos, somente porque não esclarecem: “Para onde o denunciante se dirigia?” ou “Qual a razão do disparo?” 17.ª - Ao mesmo tempo, não vislumbramos alicerce para, “caso o arguido tivesse disparado como “advertência” ao denunciante, para não avançar, ou o agredir, porque estava armado este acto seria considerado uma causa de exclusão de ilicitude - legítima defesa - já que o arguido teria usado aquele disparo para o ar para afastar um acto ilícito iminente”, conforme refere a douta decisão.

  13. - Tais fundamentos não passam de meras suposições, já que não foi sequer abordado no inquérito ou alegado pela defesa e tal situação não se enquadraria no artigo 32.° do Código Penal.

  14. - Quanto à “alegada espera”, de noite e de arma em punho, efectivamente, o arguido no requerimento de instrução apresenta uma “versão mais composta” desta, mas fá-lo, dando cumprimento ao disposto legal, doutrina e Jurisprudência, que são unânimes em afirmar que o requerimento de abertura de instrução tem que conter todos os requisitos formais e substancias da acusação, nos termos e de acordo com os artigos 287.° n.º 2 e 283.°, n.º 3, do CPP, sob pena de indeferimento.

  15. - Não entrevendo, nesta parte da instrução, a existência de quaisquer factos novos e, caso assim fosse, o Tribunal teria de dar cumprimento ao disposto no artigo 303.° do CPP, o que não foi sequer abordado.

  16. - No entender do arguido, as circunstâncias em causa, todo o enredo descrito e verificado desta situação, designadamente: o bloqueio da passagem, a aposição de escritos do tipo “vou-te matar”, com “engenhos explosivos”, o facto de no dia antes o arguido ter empunhado uma arma e disparado um tiro e, na noite seguinte ficar à espera, de arma em punho, afirmando às pessoas em geral, que está à espera do assistente, em nosso modesto entender, são factos mais que suficientemente indiciadores da prática de um crime de ameaça de morte, por consubstanciarem um verdadeiro e real anúncio de um mal futuro.

  17. - Pelo que, é nosso entender, que a presente instrução e decisão instrutória são nulas, devendo a decisão ser revogada por outra que decrete a pronúncia do arguido, pelos crimes de coacção agravada e ameaça agravada previstos e punidos pelos artigos 154.° e 155.°, n.° 1, al. a) e 153.°, n.° 1 e 155.°, n.° 1, al. a), todos do Código Penal.

  18. - E assim, o presente recurso ser admitido nos termos e de acordo com o artigo 414.º do CPP e a presente decisão instrutória ser revogada por outra, de pronúncia, nos termos e de acordo com o artigo 308.°, do C.P.P.

  19. - Sempre com a plena convicção de V. Exas farão a devida justiça.

*5.

O Ministério Público e o arguido AA... responderam ao recurso, pugnando ambos pela sua improcedência.

*6.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido (cfr. fls. 209/211).

*7.

Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, o assistente e o arguido não exerceram o seu direito de resposta.

*8.

Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

***II. Fundamentação: 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

As conclusões apresentadas pelo recorrente AF... circunscrevem o recurso às seguintes...

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